25.7.05

Casa Branca

Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e algas marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.

A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.

Em ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.



Sophia de Mello Breyner Andresen
Poesia I (1944)

P.S. O post Praia I foi naturalmente inspirado por este poema da minha poetisa preferida.

Praia I

A praia surgia após um caminho estreito entre ciprestes, um areal estreito mas longo onde as ondas do mar, frágeis, teimavam em se enroscar. A casa branca erguia-se, toda ela branca de cal, sobre as dunas, as janelas como olhos contemplativos sobre o mar. Dando duzentos passos para a esquerda- ela contara-os, contornando a silhueta da baía, encontrava as grutas, a língua de calhau contra a qual o mar, de um azul mais frio, revolvia-se com mais força, criando ondas altas em tubo, que escorregavam depressa sobre a superfície gelada do mar e acabavam por esculpir as rochas.

Beck - Girl

I saw her, yea I saw her
With a black tongue tied round the roses
A fist pounding on a vending machine
Toy diamond ring stuck on her finger
With a noose she could hang from the sun
And point it out with the dark sunglasses
Walking crooked down the beach
She spits in the sand
Where their bones are bleaching

And I know I'm gonna steal her life
She doesn't even know it's wrong
And you know I'm gonna make her die
Take her where her soul belongs
Know I'm gonna steal her life
Nothing that I wouldn't try

Hey, my cyanide girl
Hey, my cyanide girl
My cyanide girl
Hey, my cyanide girl

I saw her, yea I saw her
With her hands tied back
Her rags are burnin'
Calling out from a landfilled life
Scrawling her name up on the ceiling
Throw a coin in the fountain of dust
White noise, her ears are ringing
Got a ticket for my midnight hanging
Throw a bullet from a freight train leaving

And I know I'm gonna steal her life
She doesn't even know it's wrong
And you know I'm gonna make her die
Take her where her soul belongs
Know I'm gonna steal her life
Nothing that I wouldn't try

Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl

Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl

P.S. Mais uma música que traz o Sol ao meu quarto (os exames teimam em não acabar).

15.7.05

Para a Ni

“Lembras-te de termos passado uma tarde de Outono juntas, o vento empurrava o nosso corpo para trás, levantava as folhas do chão fazendo-as rodopiar aos nossos pés num baile sem ritmo e a música que cantarolavas fazia-me querer dançar com as folhas na calçada portuguesa do Chiado, enquanto ríamos sem parar das nossas tentativas inúteis de andar contra o vento, os braços com um saco cheio de livros a remar contra as rajadas, o cabelo que insistia em tapar-nos os olhos, o João que telefonou a perguntar

Está um temporal, não é melhor virem para casa?

a nos dar mais razões para querer ficar, para querer aproveitar aquela tarde só nossa, e nós deste lado, palavras ao vento,

Achas? Isto até está agradável!

e muitos risos que o vento também levava e dentro de nós um peito quente, cheio, como uma barriga depois de uma fausta refeição, a despertar para aquele Outono dourado, cheio de promessas a cada passo que dávamos.”

“Pois foi, e de repente chuva e um chá e calma, olhámo-nos cúmplices porque aquele era o Outono da vida, apesar da natureza morta pelo vento seco e frio, sabíamos que dentro de nós renascíamos, que este peito não estava cheio de nada, éramos nós quem despertávamos de um sono sombrio, e a partir de hoje não vai haver dor porque a água da chuva lavara-nos a alma e o coração

washed away

porque crescêramos, agora somos mulheres e à nossa volta o mundo sorri, porque afinal ninguém precisa de ninguém se estas tardes de Outono continuarem assim bonitas, agora que vemos tudo com mais clareza e o coração já não bate tão depressa, o único cheiro que sinto é o do movimento incessante das folhas na calçada, afinal o mundo sempre sorriu, nós é que não reparámos

Por isso a partir de hoje vamos pôr mãos à obra e fazer com que o mundo gire à volta de quem precisa de nós.

disseste, triunfante, e brindámos a isso com a chávena; nesse momento a Terra interrompeu a rotação à volta do nosso umbigo, girou com mais força e nós saímos para apanhar chuva; enquanto eu cantarolava, tu fingias dançar porque não querias pisar os riscos pretos da calçada e eu achei

Nunca fui tão feliz.

E tu sorriste como eu nunca tinha visto e pareceste-me a mulher mais bonita do universo.”

(Para a Ni)

14.7.05

Tantas palavras

Tantas palavras e tu tão só, quando podias agarrar numa delas e assim agarrares-te à vida. Precisas de coragem, de afecto, de liberdade, mas para ti estas três coisas são só palavras porque não as procuras, não vais ao fundo de ti encontrá-las nem modificas nada que possa fazer o mundo dar-tas, por isso continuas agarrado a um conceito.

Ser livre não é ter asas. Ser livre é ter asas e saber usá-las para ousar.

Julgas-te dono da liberdade e do virtuosismo, mas quem és tu? Tu que vives rodeado de oceano, consigo imaginar-te, no dia em que atingires o fundo, a nadar contra a corrente, a sentires o sal nos lábios e na língua e nos olhos e a tentares cada vez mais, mas nesse dia talvez seja tarde demais e já estaremos demasiado longe de ti para te podermos socorrer.

Liberta-te dessas amarras e põe-te à deriva para que possas encontrar o porto que anseias. Tantas palavras e não és capaz de usar nenhuma, seria tão simples, em tantas palavras escolheres uma, apenas uma, e eu criaria o istmo que faria de nós um só continente.

Tantas palavras e tu cada vez mais só.

Porque sim.

Porque me fazes viajar. Porque me elevas o espírito. Porque sabes conversar. Porque me mostras novos universos. Porque os teus olhos procuram os meus. Porque o teu sentido de humor é inteligente. Porque dizes piadas baixinho. Porque me rio contigo. Porque a tua voz é calma. Porque estar ao teu lado é um desafio. Porque a tua presença é apaziguadora. Porque não és pacífico. Porque és infantil. Porque ficas bem de azul. Porque sinto o teu cheiro mesmo quando não estás aqui. Porque pressinto a tua presença e a tua ausência. Porque a tua tristeza é-me angustiante. Porque ver-te inspira-me. Porque estar contigo levanta-me da cama. Porque as tuas palavras inebriam-me. Porque a simples perspectiva de estar contigo faz-me feliz. Porque o teu sorriso não me sai da cabeça. Porque me admiras. Porque me interessas.

Porque gosto de ti. Porque sim.