24.11.07

Falar

Creio que falar, hoje em dia, está absolutamente sobrevalorizado. Toda a gente tem uma opinião a dar, toda a gente tem sempre algo a dizer sobre alguma coisa, qualquer coisa, tudo. Algo a acrescentar mesmo quando tudo já foi dito antes por outras pessoas. O mundo não é uma coisa nova, já cá está há milhões de anos e, mesmo assim, quem vive nele e sobre ele, julga que pode mandar bitaites sobre tudo.

Falar, hoje em dia, está sobrevalorizado. Repito-o porque tenho a certeza disto.

"Já falaram?". Merda para esta pergunta. Que se foda esta pergunta. Quero lá saber. Eu não quero saber se já falámos, eu não preciso de falar porque eu já sei. Não preciso de ouvir aquilo que já sei e que já sei porque o mundo gira há muito mais tempo (mas mesmo muito mais) do que aquele que por cá ando. O que me acontece já aconteceu a outras pessoas antes, está a acontecer a muita gente agora e vai acontecer a muita gente depois de mim.

Falar está completamente sobrevalorizado. Para que preciso de ouvir outra vez o que já sei. Ou, pior, muito pior, para quê falar se me vão mentir? Ou então vão me baralhar porque se vão contradizer, vão usar palavras diferentes para encher chouriços de frases, parágrafos, discursos vazios que nada dizem, para quê ouvi-los mais uma vez? Para além do mais, tenho muito medo daquilo que poderia ouvir. A sério. Mais vale viver sem palavras, sem essas verdades absolutas que se dizem quando se abre a boca.

Há tanto para dizer sem palavras. Ouvir para além da voz, perceber-se num olhar, num abraço, num sorriso, no desespero de um telefonema. Nesse sentido, já ouvi tudo o que tenho de ouvir.

As pessoas andam demasiado taxativas: ou se fez ou não se fez, ou se disse ou não se disse, ou se quis ou se foi embora. Para quê?

Quem me pergunta se já falámos (a mesma porra repetida durante um ano inteiro, é que cansa, caramba!) nunca parou para pensar. Porque, se o fizesse, saberia - olharia para nós, aqueles que deviam falar - sem precisar que eu o dissesse. Toda a gente já o sabe. Eu já o sei.

Saber é completamente diferente de assumir. Como um cancro. A pessoa sabe que tem um cancro, sabe o que é um cancro - um monte de células estúpidas que, um dia, por não terem mais nada para fazer e por assim estar inscrito no seu código genético, desatam a multiplicar-se, sabe quem tem de fazer tratamentos (tirar cirurgicamente um cancro, radiação, químicos), sabe que, se não se tratar, ou se já for tarde demais, o cancro estará metastizado - esse monte de células estúpido decidiu emigrar e fixar-se noutros sítios do corpo. Sabe que pode ficar mal. Sabe que pode morrer. Sabe, mas não precisa necessariamente de o assumir. Nem essa pessoa nem quem a rodeia, contornando a situação com "vais ficar bem" ou "vai resultar".

Ao mesmo tempo, não assumir é diferente de estar em negação. Porque a negação implica estar dormente, a verdade rolar sobre nós como se alisasse alcatrão e não nos afectar. Negar não é fingir que não sabe. Negar é não só fingir que não sabe mas também fingir que está tudo óptimo, nunca se esteve melhor, ó para mim tão feliz. Não assumir é, simplesmente, ainda não ter desistido. É saber que há mais, muito mais, do que aquilo que falam.

Vejamos o que poderia acontecer se tivéssemos, como toda a gente quer, falado - vejamos a coisa de uma forma generalista. Eu ouviria o que queria ouvir, independentemente daquilo que tivesse ouvido, mas o que me seria dito seria também dito de forma a contornar um monte de perguntas. Perguntas que eu nunca faria porque estaria mais do que satisfeita com o que estaria a ouvir.

Por favor, párem de me perguntar se já falámos. Não falámos - falámos uma vez, e de que me serviu? - nem vamos falar.

Era criar uma coima para quem falasse quando não há nada para dizer. Era ver este mundo em silêncio. Como ia saber bem!

Learn to say the same thing
What defeats people is a double confession.
One time they will confess one thing, on the next they will confess something else.
Talk to them, they will say:
Learn to say the same thing
Let us hope fast to saying the same thing.

Never give up, no never give up
If you're looking for something easy then you might as well give it up.*

* Cat Power "Say"

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