17.12.05

Há Sempre Alguém

A chuva varre as janelas do teu apartamento.
A minha bagagem repousa ao abrigo do vento
E eu nem preciso de olhar para ti
Para saber o que esperas de mim.
Tu queres-me fazer cumprir
Coisas que eu não prometi.

Tu também sentes na pele o sopro da mudança,
Mas ficas sentada na sala à espera da esperança.
Aprendemos juntos a enfrentar o frio,
Embarcámos juntos no mesmo avião
E agora tu queres parar...Dormir na margem do rio.

Mas, basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente
Para me apetecer saltar,
Ir nadar ao lado dele,
Derretendo com o olhar
Todos os muros de gelo
E não consigo descansar
Enquanto não alcanço uma nova nascente.

Dizes que não suportas ver-te sózinha ao relento
Mas tudo o que fazes é soltar o teu longo lamento

E eu vou para o meio da multidão,
Não levo a virtude nem a salvação,
Mas levo o meu calor
E uma guitarra na mão

E basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente
Para me apetecer saltar,
Ir nadar ao lado dele,
Derretendo com o olhar
Todos os muros de gelo
E não consigo descansar
Enquanto não alcanço uma nova nascente.

E quando te voltar a apetecer seguir em frente,
Se me quiseres acompanhar,
Canta uma canção de amor,
Pinta os olhos cor de mar...
Põe no teu peito uma flor,
Traz um amigo qualquer
E vamos juntos abraçar o sol nascente.

Jorge Palma

8.12.05

Tempo vs Fado vs Fatalismo vs Livre Arbítrio

Tal como um vício do qual não se dissocia há muito tempo, também as imagens do que o que poderia ser não a abandonam, conduzindo-a entre as suas actividades diárias.

Às vezes vislumbra traços de felicidade.

Outras questiona-se.

A maior parte das vezes reconhece que, enquanto a vida não lhe estiver a escorrer entre os dedos, enquanto tiver a certeza que está a fazer tudo para viver, sem exigências, sem compromissos, sem mais, como disse Diderot, se o nosso destino está escrito lá em cima, então cá em baixo podemos decidir o que fazemos dele, somos juízes do curso das estrelas. Está saturada de discursos pessimistas fatalistas, de mãos a abanar "não havia mais nada que pudesse fazer" e um sorriso conformado, acompanhante obrigatório dos que desistem.

Aquela frase "O tempo é o nosso maior amigo", uma merda. Uma completa ilusão com a única finalidade de nos fazer perder cada vez mais tempo útil. O nosso maior inimigo, isso sim, e à medida que ele vai passando é que nos apercebemos disso. Não se deixem enganar. Existam. Sejam.

(A propósito, alguém quer ir ver O Fatalista de João Botelho?)

2.12.05

SAMBA!

Para aquecer as nossas noites de Inverno, cada vez mais frias.
Quero acreditar que o vento hoje sopra com tanta força porque me quer levar com ele.

29.11.05

Fado

A porta foi fechada com estrondo, a madeira corcomida vibrou na pancada, o trinco acusou o passar do tempo e rangeu ao fechar. Mesmo na soleira da porta, encostado, estava um bêbedo, um homem nos seus setentas, bem-vestido apesar de sujo, que ainda que aparentemente inconsciente, resmungava "Viva a Junta geral!". Sacudiu-o com um pé "Vá para casa, senhor!" e ele virou-se para o outro lado e adormeceu profundamente.

Chovia.

Tirou o guarda-chuva da mala e abriu-o sobre a cabeça, mas uma rajada de vento virou-o ao contrário. "Merda." Deitou o guarda-chuva fora e foi assim, com um pequeno salto, que desceu para a rua, evitando o passeio por onde a água escorria como se tratasse de uma levada. Desceu a calçada em passos apressados, em certas pedras da estrada os sapatos não tinham aderência e escorregavam. Para chegar à igreja tinha ainda que subir uma calçada idêntica, mas agora as águas da bátega vinham estrada a baixo e não pôde evitar molhar os sapatos, os pés, a alma. "Merda."

Quando chegou, ela ainda não estava. As mãos tremiam, reconhecia a importância daquela conversa nesse dia, em que chovia, em que o bêbedo estava à porta da sua casa, em que ela perdera o eléctrico e teve que vir a pé. Afogueada, sem saber se do calor, se da ansiedade, encostou-se a uma parede abrigada de S. Pedro por um longo telhado. Respirou fundo.

Aos poucos, enquanto a chuva acalmava, os rostos e as esquinas tornavam-se perceptíveis. Pôde afastar-se da parede, pintada de cal, que lhe deixara o casaco com vestígios brancos, e ir para perto da estátua onde combinara.

Ela não chegava. Sentou-se de esplanada, pediu o inevitável café, acendeu o inevitável cigarro. Ao longe, sim, agora mais definida, uma guitarra portuguesa soava triste. Os seus lábios afastaram-se, deixaram escapar um sorriso. Sempre fora tão portuguesa, admitia, assumia a custo isso, mesmo com a sua vontade enorme de viajar, de ficar por lá, de emigrar. Gostava dos palcos pequenos das tascas onde se soltava a amargura. O fado sempre fôra o seu género de música preferido. E a sua vida acabava sempre por ser escrita de acordo com o que ouvia.

O sol vinha agora para secar as ruas e os corpos e ela, ainda sentada, dispôs-se a recebê-lo e virou-se com a cara para o sul, de onde vinham os raios com mais calor.

Ela não chegava. E ela, sentada, não queria esperar mais, então desceu. Novamente afogueada, descendo depressa, sem apreciar os edíficios que já conhecia de cor, o coração começou a bater acelerado e ela levou a palma da mão ao peito, com dor. Abrandou. Viu a luz ser reflectida dos muros, das casas e dos vidros, iluminava a rua sem vergonha de si mesmo, o sol, e aquecia-a, então tirou o sobretudo. Com o sobretudo na mão, continuou a caminhada e foi envolvida pelo Terreiro do Paço, atravessou a vastidão da Praça fria sentindo-se muito pequena, muito só, como uma semente perdida num celeiro imenso. As pessoas passavam por ela sem se perguntarem "Ela sofre?". Ela também passava por elas todas, muito auto-comiserativa, sem se ralar com a dor de cada um dos que se cruzavam com ela.

Tinha mais com que se preocupar, agora que tudo isto lhe estava a acontecer. O seu mundo desabava sobre si mesmo, que podia ela fazer senão angustiar-se consigo? Nenhum fado tinha sido escrito com pena do vizinho, era sempre de si próprio. E ela, ela assumia-o, era portuguesa e vivia como os poemas escritos ao sabor do vinho e da guitarra.

O Tejo resplandecia de claridade, via-se, lá para os lados do Ginjal, nascer um arco-íris, que parecia mais uma ponte sobre o rio, as sete cores, amarelo, laranja, vermelho, roxo, anil, azul, verde. Sentou-se no muro sobre o cais, olhava em volta e eram só homens da construção civil, tudo em obras, tudo em obras, tudo em obras.

Inspirou profundamente e deixou secar a alma molhada, o olhar fixado na outra margem, no vai-vem dos cacilheiros. Quando não tinha mais lágrimas, muito tempo depois, já era de noite, e as luzes de Natal estavam acesas atrás de si, desenhando rumos de alegria. Sentiu saudade da vida que antes tinha, no entanto sabendo que o que desejava realmente era um corpo que não se importasse de partilhar com ela o seu fado, que desejasse secar as suas lágrimas. Lembrou-se, numa tentativa bem sucedida de se animar, que não há muito tempo tinha sabido ser feliz, que tinha sabido escolher os destinatários das suas palavras, as mãos em que entrelaçava as suas, os olhos em que lia os pensamentos. Sorriu e levantou-se.

Saudade da sua família, de repente, pesando mais do que tudo, mais do que a árvore gigante que se erguia perante a cidade estupefacta, os carros, as gentes perfilando-se, eternas filas de espera, toda a vida à espera para que ela fosse sempre bem-acolhida, mas afinal sempre quiseram ultrapassá-la em tudo, "A inveja mata os sentimentos nobres que nunca chegaram a nascer".

Ela também, amizades condenadas logo à partida por estarem envenenadas de ciúmes e falsas honestidades.

Pôs as mãos nos bolsos do sobretudo, que entretanto vestira, e deixou-se ir na corrente de gente que andava sob as estrelas, sob as mangueiras de luz desenhando no ar objectos e cenas de uma felicidade imensa.

"O que não nos mata, torna-nos mais fortes", e ela ali estava viva, mais forte. Subiu até casa sem se cansar com a inclinação e a velocidade. Comprou uma dúzia de castanhas e pôs-se à janela, vendo o fim do rio ao longe, assistindo ao suceder da noite.

Já a cidade recolhia para finalmente adormecer, quando decidiu fechar a janela, sacudindo para o beiral restos das cascas. Ao longe, ela podia jurar, ouvia-se uma guitarra portuguesa que soava triste, embalando, cansada, as estrelas, as casas, o luar.

22.11.05

Objectos detestáveis (apesar da sua utilidade)

Piaçabas. Detesto o nome que lhes deram, o fim para que se destinam, acho-os feios, ferem a vista em qualquer casa de banho.
Apesar de tudo, o mundo anda a precisar de um piaçaba.

21.11.05

TINDERSTICKS (Can we start again?)

So many times
I said that I love them
Looking over my shoulder at the door
So many times
I can't live without her
The wheel kept turning round
My feeling's changed
I went my own way
What can I say
To make you stay?

(...)

I did you wrong
But I'm sorry now
And I'll show you how

(...)

Can we start again?
So many times I said that I loved them
I'm ready now
But I'm ready now
Can we start again?
So many times
I can't live without her
The ache was more than I could bear
It's turning round

But in my dreams Can we start again?
They smother all over me I'm ready now
And I'm trying to explain Can we start again?

Nota para mim mesma

Comprar o Grace do Jeff Buckley.

14.11.05

Footprints

Se julgas que podemos ser um só, deixo as minhas marcas nos solos por onde passo para que as sigas. Não posso esperar por ti. Deixei-me ficar tempo demais e agora? agora estou livre e caminho sem saber onde acaba este trilho, dou passos pequenos na certeza do fim, cravo as minhas pegadas na lama, podes vê-las sob a tua sombra, vem, despacha-te. Quero partilhar o próximo túnel contigo, proteger-me da tempestade envolta em ti, cheia de ti, quero que escrevas comigo as páginas em branco que aí vêm. Podes vir, vem, porque estamos os dois sós com vontade de partilhar. Pressinto o teu medo, o teu zelo em arriscar tanto, mas nós não vamos para longe, podes voltar quando quiseres, sem laços nem mágoas, vem, tens tanta vida por usar, por gastar, o teu corpo vibra dentro de uma máscara fria e eu ofereço-te todos os meus pensamentos, toma, sem segredos a partir de agora, vem. Se te for suficiente isto, então segue-me, prometo que quando chegar ao lago, sento-me na margem, sem chorar, abraço as pernas para aquecer o resto do corpo e espero por ti. Vem porque o frio e a chuva teimam em não ir embora, vem porque está escuro e os dias são curtos e por onde eu vou não há luz. Vem.

Hoje, Domingo, equilibra-se a alma com:

12.11.05

A não perder

Em jeito de nota de rodapé com honras de letras gordas na primeira página do jornal, venho aconselhar o concerto de Devendra Banhart, amanhã à noite na Aula Magna.

E sei do que vos falo. Vi o senhor em concerto no Sudoeste, no palco Planeta Sudoeste.

Logo que entraram em palco, senti-me transportada para Woodstock, pelo visual, pela boa onda, pelo ar que se respirava. Não é preciso ser-se hippie ou fumar erva para compreender a sua música, feita de simplicidade e boas letras. É só exigido que nos deixemos levar. Que fechemos os olhos e respiremos profundamente, deixando cada acorde e cada palavra disseminar-se por nós e logo a tranquilidade e o prazer encarregar-se-ão do resto. Quando acabou, quem lá estava saíu diferente, ninguém o pode negar, preenchidos por uma mensagem de paz que cada um interpretou à sua maneira.

E quando ele chamou um songwriter ao acaso do público para tocar uma música, que momento tão humilde e generoso!

Este concerto marcou-me muito, mais não seja por o ter visto totalmente sozinha (bom, não tanto sozinha, mas sim acompanhada por um copo de plástico constantemente cheio de imperial).

Enfim, amanhã, dia 12, ele volta para estar connosco. É um aviso.

10.11.05

Melhor comentário 2005

Prémio a ser atribuído com alguma antecipação porque o vencedor desta categoria teve uma ideia que eu adorava ter tido.

Verão :D, este prémio é para si!!!

"Quando eu cheguei parecias encantada. Não te lembras das idas à praia, das saidas agradaveis nas minhas noites, das férias.
Como pudeste fazer isto?!
Prometeste fieldade, falaste em comprar aquecedores para as minhas ausências, em continuar a usar cores vivas, em continuar a comer gelados, até disseste que me ias visitar ao Brasil...Como pudeste fazer isto?!?!
Aparece um palhaço qualquer que faz cair as Folhas(das arvores e da velhice), molha tudo, traz trabalho...
Castanhas! ah,grande coisa! comida de porcos é o que é!
Já te esqueceste das saladas frescas?
Como pudeste fazer isto?!!!!!!!"

(Julgo que sei quem és mas pelo sim pelo não, reserva-se aqui o anonimato.)

dEUS


Mesmo sabendo que
não gostavas, empenhei meu anel de rubi para te levar ao concerto que havia no Rivoli
corro o risco de não almoçar nem jantar durante parte do mês de Novembro, não consegui resistir. Comprei.

E em Dezembro lá estarei na Aula Magna, a aplaudi-los.

"Here comes the sun smiling, how long have you been blue?
There'd ever be a time for us to recapture all the time we lose."

9.11.05

Um "AI PODE"

É o que eu quero receber nos anos.

(ou um Zen da Creative).

P.S. Se alguém tiver sugestões acerca de coisos-que-tocam-mp3-e-já-agora-rádio, pode deixar um comentário se faz favor que eu não percebo nada disso.

Isto não me sai da cabeça, mais vale pôr aqui para ver se ajuda...

My love life

Come on to my house
Come on and do something new.

I know you love one person so why can't you love two?

Give a little something
Give a little something
To my love life
To my love life
My love life...

I know you love one person so why can't you love two?

Give a little something
Give a little something
To my love life
To my love life
My love life...

I know you love one person so why don't you love two?
Love two...

Oh give a... Love.
I know you love.

Morrissey

7.11.05

Mensagem para o Outono

O meu corpo sentiu a tua presença hoje porque finalmente pude respirar fundo e absorver o ar frio transpirado pelos dias cada vez mais curtos. O amanhecer às 7 da manhã foi recebido com um arrepio: apesar da luz brilhante que aquecia o céu azul, o sol arrefeceu a casa do meu amigo, arrefecendo também a conversa inflamada sobre orgulho e justiça e moral(idade).

Chegaste há tempo mas só agora te aceitei, Outono, por isso faz-me companhia nestes dias breves mas sós que se avizinham. Tu e este cd fantástico com todas as músicas publicadas pelos Belle & Sebastian (presente mais que generoso de um amigo meu). E agora que já nos entendemos, Outono, posso começar a contar os dias para o meu aniversário, fazer listas de convidados para uma festa (nem que seja para actualizar mentalmente quem são os meus amigos), pensar em presentes que gostava de receber e, sobretudo, começar a tortura (que dura até ao fim do ano) dos balanços: o que é que eu fiz, o que estou a fazer, o que quero mudar, o que mudei, o que consegui, o que está por alcançar. Talvez também chore quando precisar mas a verdade é que a percepção que tenho de mim agora, é, estranhamente, de tranquilidade.

E comer castanhas.

Já agora, achas que o orgulho pessoal deve ser impedimento para viver a vida e aproveitá-la ao máximo?

5.11.05

Praia III

A praia só e calma
Feita de choros breves
E frias madrugadas
É o abrigo dos seres
Feitos, eles também,
De lamentos, sonhos
E gargalhadas.

1.11.05

A insensibilidade dos Homens

Porque reside na insensibilidade dos Homens a insegurança dos angustiados, porque quando olhava o Tejo no comboio, evitando chorar, descobri que podia ilibar-me da culpa de te desejar, porque é o passado de um povo que o sentencia e o passado do meu cruzou-se com reis e rainhas e amores de perdição.

Com a insensibilidade dos Homens revelou-se-me a destreza do Engano, ele próprio um engano de si mesmo por poder ser a verdade camuflada em mais enganos e lapsos voluntários. Eu própria, cansada de ti, pensava eu, em engano, afinal os meus vazios estão preenchidos pela plenitude que me trazes.

Desde a insensibilidade dos Homens que cada passo que dou parece pesar o decorrer dos anos, a dor dos vivos, a ausência dos mortos.

3.10.05

Conversas

Uma amiga dos meus pais, apontando para mim (que estava ao longe mas a ouvir tudo) "Mas a vossa filha é giríssima! Ela tem namorado?".
Resposta pronta "Não".

A amiga dos meus pais com ar introspectivo: "Ela é diferente, tem uma personalidade muito forte."

Isto foi há um mês e ainda hoje reflicto se devo encarar esta justificação como um elogio, uma crítica, uma coisa boa, uma coisa má, uma coisa que não é coisa nenhuma.

1.10.05

Misto de sentimentos

Depois de ler este artigo, não sei se sinto humilhação, desolação, profunda tristeza, vergonha, pena.

Se calhar estou a sentir tudo isso.

29.9.05

Mais música portuguesa

Para acrescentar a este post. Ouvi Quinteto Tati e Belle Chase Hotel nestes últimos dias e permitam-me juntar um nome aos já referidos: JP Simões. Um bem haja. Das das melhores coisas que se fizeram até hoje no mundo.

Não estás à espera que te responda a essa merda de mensagem, estás?

É que se estiveres, bem podes ir tirando o cavalinho da chuva, porque ainda me resta dignidade e amor-próprio.

Ora porra.

28.9.05

- Oh, tu nunca sequer fizeste um esforço...
- Eu nunca fiz um esforço... Ou tu exigias demais de mim? Pára de fazer isso ao cabelo, estuda, não uses as meias assim, não fumes, come mais verdura, faz a barba, diz obrigada, pede desculpa, conduz mais devagar, não dances, dança, lê mais, não sejas ignorante e irresponsável, puta que te pariu mais às tuas manias.
- Nós nunca iríamos resultar juntos.

Desculpa.

27.9.05

E porque as saudades já apertam


É esta a minha irmã.

Os R's da música portuguesa

Digam o que disserem, para mim a música portuguesa essencial tem dois nomes: Rui Reininho e Rodrigo Leão.

O primeiro porque é o David Byrne português (e eu já achava isto antes de ele fazer aquele cover dos Talking Heads).

O segundo porque é um génio.

Mas isto sou eu, que não percebo nada de música. Apenas ouvinte. E dos atentos.

26.9.05

A fenda

Algures entre mim e aquilo que passou, existe uma fenda no tempo composta de desilusões e sonhos desfeitos. Aproveito os dias de hoje onde o tempo navega tranquilo ao sabor da vontade e do desejo, vivo sem amar mas também não odeio. Vou sendo, convivo comigo e aprendo que o espaço da vida foi dimensionado para as pessoas imperfeitas.

Como eu.

25.9.05

Eu quero é dormir

Gasto todos os dias 45 minutos antes de sair de casa de manhã. Vejamos:

- 10-15 m. a tomar banho;
- 15 m. para vestir, pentear, perfume e cremes;
- 10 m. para pequeno-almoço e lavagem dos dentes.

Ora 45 minutos todos os dias são 16425 minutos por ano, isto é 273,75 horas, logo... 11 dias por ano gastos apenas para me tornar um ser social.

É impressão minha ou isto é tempo que eu poderia estar a dormir se pudesse sair à rua de pijama?

21.9.05

Rajadas de vento

Nem eu percebi bem o que se estava a passar comigo quando um dia olhaste para dentro de mim e roubaste a minha alma.
Não me lembro bem de ti, de mim, de onde estávamos, do olhar que trocámos enquanto nos fundíamos, sei que desde então não sou a mesma.

Apercebo-me que poderia ter dito "Pára!" antes de cair neste pântano emocional que é gostar de ti, mas como se não consigo identificar aquele instante que mudou as minhas horas, os meus dias, os meus meses, os meus anos, porque os tornei nossos.

Lembro-me de rajadas de vento em dias de temporal, a maioria das vezes arrebatadoras, outras tranquilas.

19.9.05

Uma pequena consideração acerca do dia 19 de Setembro às 9 horas

Voltei às aulas em Lisboa. As férias parecem um sonho bom que aconteceu durante uma noite entre o último exame e hoje.

16.9.05

"Summer has come and passed"

Pois é, o Verão está a acabar e muito em breve (dentro de três dias para ser exacta) as experiências intensas e variadas que vivi na silly season vão passar a ser memórias, ganhando com isso uma vertente subjectiva e muito minha. Se calhar ainda vos conto melhor o que passei neste último mês e picos...

O verso acima é de uma música (nada de especial, aviso já) dos Green Day que a minha irmã de oito anos está sempre a cantar ("Wake me up when September ends"). Hoje ao ouvi-la, e reparando na letra, fiquei com aquela bola na garganta que geralmente aparece quando tenho vontade de chorar. Não sei porquê. Não sei se foi de ver a minha irmã tão crescida a tentar cantar Green Day (como eu mais ou menos com a idade dela a cantar músicas da mesma banda ao estilo "du iu rave de taime tu lissen tu mi uaine"). Não sei se foi por saber que daqui a três dias já não vou poder abraçá-la, falar com ela assim, vê-la crescer. Não sei se foi mesmo por o Verão estar a acabar. Ou as aulas a começar. Sei que hoje fiquei nostálgica.

Ou isto ou o síndrome pré-menstrual a falar mais alto.

15.9.05

O Grito

Vinhas a correr, ofegante, lembro-me de ter parado na ponte à tua espera. Estavas assustado, suavas e tremias por todos os poros, por todas as extremidades, chamavas "Joana" mas o medo apertava as tuas cordas vocais uma contra a outra, roubava a saliva dos teus lábios (efeito do Simpático, que ironia) e querias gritar e não podias, por isso limitavas-te a acelerar o passo para te aproximares de mim.

De onde estavas, não me vias e eu via-te a ti, cansado, cada perna pesava mais do que a vida alguma vez pesou e agora o coração mais frequente e a respiração mais dolorosa a complicarem o ritmo rápido e descoordenado dos teus membros, no entanto o tronco mantinha-se rígido, ponte insustentável de um corpo frágil e desconexo, franzino e esguio.

Mantive na memória (onde ficará para sempre) os teus olhos sem órbita, esferas perfeitas que fogem do abrigo do rosto, o teu nariz quase invisível, os ossos da cara angulados sob a pele acentuando a carga dramática da tua beleza esquálida. Usavas aquela camisola negra tamanho XXL, desbotada nos cotovelos, que te escondia o tronco cada vez mais magro, as costelas e o esterno -irrepreensível escudo de uns pulmões que anos de fumo enegreceram.

Eu trazia o envelope na mão, a confirmação da tua morte, porque quando te telefonei apercebi-me que as minhas palavras te feriam como punhaladas na tua convicção, que não resistirias a passar por isto, ainda para mais só, sem heroína ( a metadona tinha funcionado tão bem e agora isto) e sem heroínas, agora nada nem ninguém poderia tirar-te de dentro desta carta, igual às outras, é certo, letras pretas sobre papel branco, o teu nome a começar o texto, o Pos. à frente daquelas siglas que deveria ser Neg.. Telefonei "Chegou o envelope."

"Abre, abre, lê-me, diz-me, vais ver como não passou de um erro infantil da puta do laboratório." Tu cheio de infinita certeza, desde pequeno que és assim, achas que a vida só castiga os outros.
"É positivo, querido. Mas tem calma porque há tratamentos..."

Sabias que os tratamentos na maior parte das vezes adiam a data da morte por isso desligaste-me o telemóvel sem sim nem senão. E eu fui ter contigo à praia, o sol punha-se por entre rajadas de vento, a cor do fogo que ardia cada teu passo ao meu encontro, ah se eu pudesse queimaria aquele papel que tinha na mão e viveríamos sem remédios nem contagens de leucócitos CD4s nem medos de infecções oportunistas nem preservativos obrigatórios. Mas tu já corrias e já sabias.

De repente vês-me e abrandas a marcha, gradualmente, até parares. E gritas "REPETE!".

"É positivo, porra!"

E então cospes a culpa, a injustiça, a dor, a parcialidade, a SIDA, a morte num só grito, as palmas das mãos sobre as tuas orelhas para que não te ouvisses.

"AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHH"



Munch- O Grito



10.9.05

Beleza

Não me venhas tu falar de beleza e de como eu sou bonita porque para mim a beleza é um conceito muito vasto e relativo. O que é a beleza afinal? Fisicamente falando, pois. Um conjunto de traços perfeitos que, conjugados, tornam um corpo e um rosto agradáveis ao olhar? Ou o detalhe e o pormenor do organismo?

Para mim a beleza não é isto, sabes, a beleza para mim não é um conceito nem uma definição e não parte de quem a possui, mas sim de quem a avalia. É isso que a torna tão indefinida, o facto de depender do olhar de alguém.

O olhar, outra palavra tão abrangente, enfim. Olhar como sujeito, algo que implica muito mais do que um par de olhos, algo que engloba outros sentidos, processamento, integração, comparação com aprendizagens anteriores e associação com experiências diversas, para depois ser produzido um juízo pessoal, que tem tanto de mentira como de verdade.

Por isso não me venhas falar de beleza nem de como eu sou bonita e trata, isso sim, de guardar este momento dentro de ti porque ele pode ser irrepetível. Podes nunca mais me achar bonita, pode este instante mudar a tua beleza, mas saberás sempre que um dia eu fui, para ti, a beleza. E nenhum conceito ou explicação poderá estragar isso.

7.9.05

Nada

Foi quando emergi de ti que senti que já nada nos ligava um ao outro, que alguém cruelmente cortara o nosso cordão umbilical.

Agora a mim resta-me vaguear apenas, os meus passos ligeiros não deixarão rasto para que não me possas encontrar, e assim parto à descoberta de mim por este trilho desgastado que é a vida.

Sabes, às vezes acho que serias bem mais feliz se eu te deixasse.

6.9.05

"Onde quer que estejas...

... Quero que saibas que não tenho pensado em ti nem um bocadinho."

Ihihih


Acabo de reparar que o post anterior foi o 69º deste blog. Em homenagem à Vitória, que se lembrou disto no nosso extinto blog, é uma sugestão para hoje à noite. Ou à tarde. Ou de manhã. Para quando tiverem vontade.

O fim da festa

Ao acordar, as ruas sujas, o cheiro nauseabundo a precisões físicas e a alcoól fermentado, o empedrado coberto por uma fina camada pegajosa, os festeiros mais resistentes ainda de copo na mão, os olhares cansados, outros que não aguentaram e adormeceram pelos cantos, pelas bermas, o sono pesado feito de roncos surdos.

Apesar de tudo, uma sensação incrível de bem-estar.

24.8.05

{vazio}

Creio que este aperto no peito é apenas a forma como o meu corpo demonstra o vazio que ironicamente o preenche.

Um vazio que se revela angustiadamente na minha incapacidade de chorar.

23.8.05

Dica de engate nº 1

Vestida com umas calças de ganga, sapatilhas nos pés e uma t-shirt branca justa, o cabelo amarrado num rabo-de-cavalo no topo da cabeça, encostada a uma parede ou a um canto do local onde nos encontramos (um canto movimentado).

Fazer ar sexy sou-tão-boa-na-cama-sou-de-estarrecer-vais-pedir-por-mais, olhar o objecto de desejo nos olhos e cantar o Love is a deserter dos The Kills (é importante saber a letra de cor).

(Talvez isto possa ajudar:
One eye in the sun, one in the night
Sleep tight
Sleep walk like honey honey
Oh my, capital I-L-O-V-E-U, put it in a letter honey
I could kiss you underwater
I could, in the rearview mirror
X-O, took my heart and crossed it
Set it down and lost it, set it down and lost it

Say it again...
get the guns out get the guns out get the guns out get the guns out get the guns out get the guns out
Your love is a deserter
Your love is a deserter

One eye in the sun
One eye in the night
Sleep tight
Sleep walk like honey honey,
when you want me you got me where you want me again
Say it again
If it's personal, say it again
Get the guns out
Your love is a deserter
You got one eye as white as a bride
The other eye, as black as the devil
It's alright
Crossed wires, sparking a little,
start a house fire with us in the middle it's alright

Get the guns out
Your love is a deserter - intensificar o olhar na parte do "get your guns out", naturalmente.)

É tiro e queda (a experiência não foi testada em animais).

Ou isso ou ser solteira está a dar cabo do meu restante juízo.

22.8.05

Lapas e caramujos










Respectivamente:
Caramujos
Lapas

Os caramujos comem-se cozidos com um pouco de pimenta, sendo retirados da sua concha com um alfinete através de movimentos circulares da mão. (Uma fina arte, a de retirar todo o animal sem o partir!)

As lapas são fritas com um pouco de manteiga sobre o corpo (não sobre a casca) e servidas bem ensopadas em sumo de limão espremido na hora. O corpo desprende-se durante a fritura sendo facilmente retirado (dão muito menos trabalho a comer do que os caramujos) e na casca resta um suco resultante da mistura entre a manteiga, os sucos da lapa, a água do mar e o limão, que deve obviamente ser sorvido. E que delícia!

Percebeu, Papo-seco?

19.8.05

Identifiquei-me com estes excertos

"É um amanhecer calmo. Este. Sem vitórias nem derrotas para depois. Nem triste nem alegre, música apenas, com a evidência da vida no meio - porque estás triste? Não estou. Vou à janela da marquise, olho em baixo as árvores trémulas de luz - gosto tanto desta música. Ouvi-la até me entrar no sangue, porque estás triste? E como se de o não saber, mais triste assim. Oh, não, melancolia agora, não. Ser simplesmente um homem. Com alegrias pequenas e grandes, chatices quotidianas e das que dão a volta à vida toda - na coragem simples de existires. Mas esta súbita solidão, instantâneo o desamparo a toda a roda em deserto. Os bons propósitos, pois, os bons propósitos. São sempre despropositados. Sente-se com o corpo todo e com tudo o que está nele. Mas pensa-se com um mecanismo qualquer independente que se compra nas lojas do pensar."

"As "intermitências do coração", um tipo disse. E com efeito. Se não te vejo, se na corrente dos dias os mil acidentes diários, a força absoluta das coisas. Mas que te veja no acaso de um encontro que raramente é um acaso. E logo tudo volta outra vez, com uma força multiplicada pela imaginação do intervalo. (...) Um outro tipo, a propósito, falou em "cristalização". (...) A cristalização. É uma criação do nada. Mas esse nada é o tudo pela minha invenção. Que estupidez - mas é a estupidez da vida."

Vergílio Ferreira- Rápida, a sombra

O que eu gosto e não gosto em Agosto

Quando não tenho nada para fazer gosto de fazer listas por isto e por aquilo. Aqui vai outra:

GOSTO DE:

- Viajar
- Mar
- Sol
- Protectores solares
- Beijos e abraços nas mulheres da minha família
- Desafinar enquanto canto um hit qualquer
- Lapas e caramujos
- Havaianas

Mas NÃO GOSTO DE:

- Ter saudades dos meus amigos que neste mês emigram todos para o Porto Santo
- Mosquitos
- Em particular neste Verão 2005, não ter podido viajar com os meus pais até a Austrália e Nova Zelândia.

Coisas boas deste Verão

Musicalmente:

Voltar a ouvir Cat Power para recordar as coisas boas dos últimos 4 anos;

Acordar com os Arcade Fire e pensar que depois deste Verão é o início de um novo ciclo;

Conhecer Devendra Banhart (continuar sem a certeza de ser assim que se escreve) e ser transportada para os anos 70 ao me lembrar do excelente concerto que deram no Sudoeste;

Acompanhar estas refeições com livros:

A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera;

Rápida, a sombra, de Vergílio Ferreira;

Pode um desejo imenso, de Frederico Lourenço (o primeiro de uma trilogia que agora tenho que adquirir);

A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge;

O Verão tem sido bom :)

Acorda

"Do you love me do you love meeeeee"

Acorda pá! Não estás em Paredes de Coura e não, não estás a ver o Nick Cave em cima do palco. Pronto.Já passou. Não é preciso chorar, Ju.

"LIKE I LOVE YOUUUUU"

17.8.05

But everytime you close your eyes, lies!*

Hoje tinha o teu corpo na evidência daquilo que podíamos ser, os teus ombros largos na revelação de ti perante o que somos. O Sol inundava-te de profundidade, desenhando no chão os teus contornos firmes, cada teu passo na nossa proximidade, até que enfim chegaste aqui e eu, complicada, ansiosa, olhando em volta, consciente de mim, perguntei

Quando foi?

O meu corpo cada vez mais cheio de nada na ilusão fraca de que estás aqui e me respondes

O quê?

A tua mão sobre a pele fina da coxa, a água do mar a arrefecer-me a alma, tu cada vez mais longe, quando acrescento

Que eu comecei a gostar assim de ti.

Já de pé, deslocando-se para uma realidade em que eu não acredito, o teu sorriso igual às marés

Foi quando te perguntei se não gostavas de Cardoso Pires.

* Rebellion(Lies), Arcade Fire

Pais

Como é que se contam coisas más aos pais? Coisas tipo "Fui ao Festival que tu (mãe) não querias muito que eu fosse e lá roubaram-me a bolsa com as chaves do carro, os documentos, o telemóvel e a máquina fotográfica"?

Podia começar assim "Apanharam-me no duche e sodomizaram-me à bruta, depois recebi um telefonema e afinal tinha perdido todas as cadeiras e portanto o ano, tornei-me viciada em heroína, dei em puta para pagar as despesas, entretanto fiquei grávida... De gémeos...O pai deles foi para uma ilha deserta e não pretende de lá sair e infectou-me com o vírus da SIDA. Com estas desgraças todas, mãe, acendi uma vela a Nossa Senhora, a vela virou e ardeu a tua enorme estante com os teus preciosos livros. neste momento estou em depressão. (um suspiro) Ah! Roubaram-me no Sudoeste incluindo a máquina, as chaves do carro (que teve de ser rebocado) e o telemóvel. Mas também que importância é que isso tem comparando com tudo o que me podia ter acontecido na vossa ausência e não aconteceu?"

P.S. Esta foi a sugestão do meu padrinho e melhor amigo do meu pai (ele lá sabe!)
, dei em puta para pagar as despesas

Paredes de Coura

Por não ter ido, ontem perdi:

- Death from above 1979
- !!!
- The Bravery
- Kaiser Chiefs

... Hoje estarei a perder:

- Pixies
- Arcade Fire (perca passível de causar depressão)
- Hot Hot Heat
- Queens of the Stone Age
- The Roots

Enfim.

16.8.05

Praia II

Protegida por uma falésia de xisto e aconchegada por uma enseada, dormia a praia. De areia fina e muito amarela, interrompida por rochas baixas onde se quebravam as ondas, era quase inatingível.
Para invadir o seu leito abandonado, usava-se todo o corpo na tentativa firme de chegar, no perigo de um mergulho arriscado para o calhau ou para o mar bravio, mas a paz que invade quem consegue compensa a vertigem da descida. Sem piqueniques nem famílias demasiadamente grandes, apenas se exige que se feche os olhos e se oiça.

O mar.

O vento.

E se sinta.

A areia.

O vento.

O calor do Sol.

Porque naquela praia não há sombra nem faz frio. Nem há vestígios de ti.

15.8.05

Arcade Fire

Neighbor # 2 (Laika)

Alexander, our older brother,
set out for a great adventure.
He tore our images out of his pictures,
he scratched our names out of all his letters.

Our mother shoulda just named you Laika!

Come on Alex, you can do it.
Come on Alex, there's nothin' to it.
If you want somethin' don't ask for nothin,
if you want nothin' don't ask for somethin'!

Our mother shoulda just named you Laika!

It's for your own good,
it's for the neighborhood!
Our older brother bit by a Vampire!
For a year we caught his tears in a cup.
And now we're gonna make him drink it.
Come on Alex don't die or dry up!

Our mother shoulda just named you Laika!

It's for your own good,
it's for the neighborhood!
When daddy comes home you always start a fight,
so the neighbors can dance in the police disco lights.
The police disco lights.

Now the neighbors can dance!
Look at 'em dance.

Ouviste? Se não queres nada, não peças. Que é como quem diz, se não te apetece, não me aborreças. E se queres, caramba, não finjas que não é nada contigo. Percebes? Porque eu estou farta de andar a perseguir quem não quer ser perseguido e depois ignorar quem quer ter atenção. Vê se te entendes para eu te poder entender.

Diabo do miúdo.

14.8.05

Sudoeste

Saio de casa com ar dentro do peito, o queixo erguido, o olhar posto nas promessas a mim mesma. Oiço The Kills enquanto atravesso a rua, na praia abano a ancas ao som dos Wraygunn, dou pulos de alegria a cantar Humanos, rio com os Mäximo Park e choro com o Devendra Banhart, danço com os LCD Soundsystem até às seis de manhã, bebo mais uma Super Bock enquanto comemoro a vida.

Isto para dizer que o Sudoeste foi muito bom e que os assaltantes podem ter levado as fotografias mas as memórias dos bons concertos e dos bons amigos ficam sempre e não há assaltante que os leve. para lado nenhum.

Claro que eu podia estar aqui a me queixar da vida e da (falta de) segurança e da minha ingenuidade e dos duches e pias em número reduzido e das tendas amontoadas umas sobre as outras, mas é verdade é que isso não vai trazer a minha mochila de volta, não é?

Por isso, enquanto vou contando o meu incidente em tom dramático a mais uma das milhentas pessoas, sorrio por dentro e penso que o Sudoeste foi das coisas mais giras a que já fui.

Apesar de tudo.


Vai uma sandes de atum em pão de forma?

25.7.05

Casa Branca

Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e algas marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.

A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.

Em ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.



Sophia de Mello Breyner Andresen
Poesia I (1944)

P.S. O post Praia I foi naturalmente inspirado por este poema da minha poetisa preferida.

Praia I

A praia surgia após um caminho estreito entre ciprestes, um areal estreito mas longo onde as ondas do mar, frágeis, teimavam em se enroscar. A casa branca erguia-se, toda ela branca de cal, sobre as dunas, as janelas como olhos contemplativos sobre o mar. Dando duzentos passos para a esquerda- ela contara-os, contornando a silhueta da baía, encontrava as grutas, a língua de calhau contra a qual o mar, de um azul mais frio, revolvia-se com mais força, criando ondas altas em tubo, que escorregavam depressa sobre a superfície gelada do mar e acabavam por esculpir as rochas.

Beck - Girl

I saw her, yea I saw her
With a black tongue tied round the roses
A fist pounding on a vending machine
Toy diamond ring stuck on her finger
With a noose she could hang from the sun
And point it out with the dark sunglasses
Walking crooked down the beach
She spits in the sand
Where their bones are bleaching

And I know I'm gonna steal her life
She doesn't even know it's wrong
And you know I'm gonna make her die
Take her where her soul belongs
Know I'm gonna steal her life
Nothing that I wouldn't try

Hey, my cyanide girl
Hey, my cyanide girl
My cyanide girl
Hey, my cyanide girl

I saw her, yea I saw her
With her hands tied back
Her rags are burnin'
Calling out from a landfilled life
Scrawling her name up on the ceiling
Throw a coin in the fountain of dust
White noise, her ears are ringing
Got a ticket for my midnight hanging
Throw a bullet from a freight train leaving

And I know I'm gonna steal her life
She doesn't even know it's wrong
And you know I'm gonna make her die
Take her where her soul belongs
Know I'm gonna steal her life
Nothing that I wouldn't try

Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl

Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
Hey my cyanide girl
My cyanide girl
Hey my cyanide girl

P.S. Mais uma música que traz o Sol ao meu quarto (os exames teimam em não acabar).

15.7.05

Para a Ni

“Lembras-te de termos passado uma tarde de Outono juntas, o vento empurrava o nosso corpo para trás, levantava as folhas do chão fazendo-as rodopiar aos nossos pés num baile sem ritmo e a música que cantarolavas fazia-me querer dançar com as folhas na calçada portuguesa do Chiado, enquanto ríamos sem parar das nossas tentativas inúteis de andar contra o vento, os braços com um saco cheio de livros a remar contra as rajadas, o cabelo que insistia em tapar-nos os olhos, o João que telefonou a perguntar

Está um temporal, não é melhor virem para casa?

a nos dar mais razões para querer ficar, para querer aproveitar aquela tarde só nossa, e nós deste lado, palavras ao vento,

Achas? Isto até está agradável!

e muitos risos que o vento também levava e dentro de nós um peito quente, cheio, como uma barriga depois de uma fausta refeição, a despertar para aquele Outono dourado, cheio de promessas a cada passo que dávamos.”

“Pois foi, e de repente chuva e um chá e calma, olhámo-nos cúmplices porque aquele era o Outono da vida, apesar da natureza morta pelo vento seco e frio, sabíamos que dentro de nós renascíamos, que este peito não estava cheio de nada, éramos nós quem despertávamos de um sono sombrio, e a partir de hoje não vai haver dor porque a água da chuva lavara-nos a alma e o coração

washed away

porque crescêramos, agora somos mulheres e à nossa volta o mundo sorri, porque afinal ninguém precisa de ninguém se estas tardes de Outono continuarem assim bonitas, agora que vemos tudo com mais clareza e o coração já não bate tão depressa, o único cheiro que sinto é o do movimento incessante das folhas na calçada, afinal o mundo sempre sorriu, nós é que não reparámos

Por isso a partir de hoje vamos pôr mãos à obra e fazer com que o mundo gire à volta de quem precisa de nós.

disseste, triunfante, e brindámos a isso com a chávena; nesse momento a Terra interrompeu a rotação à volta do nosso umbigo, girou com mais força e nós saímos para apanhar chuva; enquanto eu cantarolava, tu fingias dançar porque não querias pisar os riscos pretos da calçada e eu achei

Nunca fui tão feliz.

E tu sorriste como eu nunca tinha visto e pareceste-me a mulher mais bonita do universo.”

(Para a Ni)

14.7.05

Tantas palavras

Tantas palavras e tu tão só, quando podias agarrar numa delas e assim agarrares-te à vida. Precisas de coragem, de afecto, de liberdade, mas para ti estas três coisas são só palavras porque não as procuras, não vais ao fundo de ti encontrá-las nem modificas nada que possa fazer o mundo dar-tas, por isso continuas agarrado a um conceito.

Ser livre não é ter asas. Ser livre é ter asas e saber usá-las para ousar.

Julgas-te dono da liberdade e do virtuosismo, mas quem és tu? Tu que vives rodeado de oceano, consigo imaginar-te, no dia em que atingires o fundo, a nadar contra a corrente, a sentires o sal nos lábios e na língua e nos olhos e a tentares cada vez mais, mas nesse dia talvez seja tarde demais e já estaremos demasiado longe de ti para te podermos socorrer.

Liberta-te dessas amarras e põe-te à deriva para que possas encontrar o porto que anseias. Tantas palavras e não és capaz de usar nenhuma, seria tão simples, em tantas palavras escolheres uma, apenas uma, e eu criaria o istmo que faria de nós um só continente.

Tantas palavras e tu cada vez mais só.

Porque sim.

Porque me fazes viajar. Porque me elevas o espírito. Porque sabes conversar. Porque me mostras novos universos. Porque os teus olhos procuram os meus. Porque o teu sentido de humor é inteligente. Porque dizes piadas baixinho. Porque me rio contigo. Porque a tua voz é calma. Porque estar ao teu lado é um desafio. Porque a tua presença é apaziguadora. Porque não és pacífico. Porque és infantil. Porque ficas bem de azul. Porque sinto o teu cheiro mesmo quando não estás aqui. Porque pressinto a tua presença e a tua ausência. Porque a tua tristeza é-me angustiante. Porque ver-te inspira-me. Porque estar contigo levanta-me da cama. Porque as tuas palavras inebriam-me. Porque a simples perspectiva de estar contigo faz-me feliz. Porque o teu sorriso não me sai da cabeça. Porque me admiras. Porque me interessas.

Porque gosto de ti. Porque sim.

23.6.05

Seu Jorge - Tive razão

Tive razão
Posso falar
Não foi legal, não pegou bem
Que vontade de chorar dói
Em pensar que ela não vem, só dói
Mas pra mim tá tranquilo, eu vou zuar
O clima é de partida, vou dar sequência na vida
E de bobeira é que eu não estou,
E você sabe como é, eu vou
Mais poderei voltar quando você quiser.
ô ô ô ô ô ô ô ô, lá lá lá...
Demorô vai ser melhor...

Com outros afazeres...

... E bem mais próxima da desumanidade é como me encontro neste mês infernal. Prometo voltar quando o tempo amenizar, a cabeça estiver mais livre, que isto de ter exames (sobretudo exame de Farmacologia) tem o seu quê de psicótico e absorvente... Por isso os próximos posts são letras de músicas que têm trazido o Verão à minha secretária (e um sorriso á minha cara)...

5.6.05

(Caos)

Se quiseres vir comigo eu sei onde te posso levar, é uma falésia onde batem as ondas do mar com tal força que sentes o chão vibrar sob os teus pés, se há coisa que nunca entendi é como é que Portugal, sendo todo ele enraízado no oceano, nunca se aproveitou decentemente da sua força para gerar vida, se calhar podemos falar disto noutra altura, mas agora queria poder levar-te comigo para longe mas sem querer dizer que estamos a fugir aos problemas, sentar-te-ias ao meu lado, sorridente, eu conduziria por entre planícies e montes para te poder mostrar esta falésia, qualquer dia o mar entra por ela a dentro e consome-a mas enquanto isso não acontece, sei que o melhor que tínhamos a fazer era senti-la vibrar sob os nossos corpos, deixá-la demonstrar-nos o quanto a vida é efémera e ao mesmo tempo tão bela, e o horizonte aparecer-nos-ia cor-de-rosa como são os sonhos das crianças, as nuvens e as cores como numa pintura, pinceladas de branco, rosas e azuis, amarelos; dar-me-ias a mão enquanto olhávamos a linha do mar, dizem que para lá dela o mar continua, mas eu quero acreditar que é mentira, porque te quero provar que o meu amor por ti é maior do que qualquer coisa e se tu souberes que o mar é maior do que a faixa de água entre a costa e o horizonte não acreditas em mim, e tens de acreditar, tal como tens de confiar em mim quando te digo "não te vou magoar", se eu digo é porque o sei, e tenho tanta certeza disto como tenho a certeza de que a mão que se enrosca na minha enquanto te digo estas coisas é tua, que o fazes porque gostas de mim mas não sabes se por pena se por outra coisa qualquer, não sabes mesmo por mais que penses nisso, eu peço-te para não pensares porque seja porque for, o que importa é que estejas aqui e agora comigo e que eu tenha a liberdade de te levar a sítios bonitos, paisagens que mostrem que no mundo há mais do que opressão, ignorância e lágrimas, que mostrem que no Universo há lugar para duas pessoas como nós com vontade de tentar.
Se quiseres vir comigo eu sei onde te posso levar, é uma falésia onde batem as ondas do mar.

O escritor

Acordava a meio da noite com suores frios, a boca seca entreaberta, os músculos doridos, os lençóis franzidos entrelaçados nas suas pernas, também eles húmidos, o corpo febril. A luz da Lua abraçava as linhas rectas dos móveis: a secretária à janela, a cómoda, a estante, a sua cama.
Despertava por entre o luar e o torpor, levantava-se, sôfrego, e agarrava no bloco de capa preta cartonada, a caneta na mão esquerda ("os canhotos são filhos do Diabo", costumava dizer a avó Miquelina quando ele era pequeno, como se de uma praga se tratasse), as letras ocupavam agora o seu lugar correcto e específico, sem margem para erros, formando palavras, que escorregavam da sua pele para o papel, linhas oblíquas e curvas oblongas, formando frases e histórias em cada folha branca que passava.
Cada página era um local, um passeio, uma viagem, um sonho, uma trip. Cada hora de sono perdida era uma homenagem simples àqueles com quem se cruzava todos os dias, o vizinho com o cão, a vizinha e o saco de lixo, o senhor do quiosque, a senhora do café, a mulher-avião que o olhava abertamente no metro, a velhinha a quem ele ajudava a transportar os sacos de compras, o condutor apressado que quase o atropelava na passadeira.

De manhã acordava para ir para o trabalho, era segurança num ginásio, via entrar as tias que o olhavam com desprezo e pediam "Duas toalhas" e ele, cansado, entregava-as na mão, todo ele sorrisos e falsas cortesias. O bloquinho de capa preta cartonada ficava no bolso direito do seu casaco, à espera de ser ocupado com vida. Com vidas.

3.6.05

Identidade

Eu chamo-me Joana Batista ou eu sou Joana Batista? O meu nome define a minha identidade?

6.5.05

O Acidente

Hoje parei num sinal vermelho e bateram-me no carro atrás. Para além de mim, dentro do carro, estavam também duas amigas minhas (íamos para uma aula no Hospital Curry Cabral). O carro foi empurrado cerca de quinze metros para a frente e, como podem calcular, não ficou em bom estado, mesmo, porque o condutor do carro que nos bateu vinha a uma velocidade elevadíssima. O embate foi de tal maneira forte que os nossos corpos foram projectados para a frente e só mesmo os cintos de segurança preveniram que algo pior acontecesse (daí que mazelas físicas só mesmo torcicolos para as três). Nunca tinha tido nenhuma espécie de acidente como este e, para ser sincera, fiquei com mais medo da estrada, de conduzir, de ser peão, de ser passageira. Apetece-me voltar ao velho esquema de metro e mais nada.
Infelizmente foi preciso acontecer uma coisa horrível como esta para eu começar a dar valor à vida, uma vez que nos segundos que demorou o acidente (é incrível a velocidade a que as coisas acontecem), eu primeiro não me apercebi do que me estava a acontecer, pensei que fosse um sonho, o meu carro a deslizar sozinho sobre a estrada, depois, quando me apercebi que o estrondo tinha sido no meu carro, despedi-me mentalmente das pessoas de quem mais gosto, pensei no quanto me faltava viver e fiquei estática, mesmo à espera do pior. Quando o carro parou, eu olhei à volta com o coração nas mãos, porque pensei "Eu safei-me. Será que as minhas amigas também?", felizmente as duas apressaram-se a responder "Só o pescoço é que me dói! De resto está tudo bem!".

Eu hoje, com o acidente, percebi o quanto ando a ser melodramática com a minha vida. Ando cheia de pessimismos, de conformismos, de desinteresses, mas quem é a porra dessa Cristina? Essa Cristina não sou eu, de certeza, eu nunca fui assim. Deve ser outra qualquer que entrou no meu corpo e faz-me pensar e sentir coisas horríveis.
Pois eu hoje aprendi que a vida é o melhor que existe, mesmo quando as coisas parecem negras, não há negritude que se compare com o sentir a vida a desvanecer-se e eu sem tempo de a aproveitar, de dizer às pessoas o quanto gosto delas. Porque nós temos a vida por um fio e não nos apercebemos disso, eu pelo menos dava a vida como garantida até hoje.

Hoje decidi parar de gastar as minhas energias com coisas que não têm o valor que eu lhes costumo atribuir. Decidi que cada dia desta minha vida (ainda tão no início, espero) vai ser abraçado como se do último se tratasse.

Decidi dizer "EU GOSTO DE TI! OBRIGADA POR SERES MINHA(MEU) AMIGA(O)" a todas as pessoas a quem isto se adapte. E vou parar de arranjar defeitos nessas pessoas (é um péssimo e antigo hábito meu, este de encontrar defeitos em pessoas maravilhosas mas, como toda a gente, não perfeitas).
Desculpem qualquer coisinha.

P.S. Depois de uma dia difícil vêm os Leões, no último minuto, me dar uma alegria destas (nunca me tinha sentido agradecida ao Sporting, é a primeira vez). Eu, Benfiquista, me confesso: o Sporting deu-me um dos poucos pontos altos de hoje:)

5.5.05

On my mind

Se há sol, se há lua, se há música, se há mar, se há livros, se há pessoas que valem a pena, se há um monte de coisas boas, alguém me explica porque é que também há problemas?
Vou dormir agora, espero que o meu sono seja hoje menos agitado, mais terno, se possível quero ainda deitar a cabeça sobre uma almofada fria (não gosto de almofadas quentes), ter um sonho bom e acordar amanhã sem calor, apenas com a primeira luz da manhã na cara.

Ni, obrigada pela tua preocupação. I'll take my time but'll be alright.

4.5.05

Anti-rugas

Esqueçam Elizabeth Arden, La Prairie, Le Mer, Shiseido, Roc que custam os olhos da cara e muitas vezes sem resultados aparentes. O anti-rugas da próxima geração está em qualquer supermercado a preço acessível.

Sabem quando se faz um ovo estrelado para o jantar e na casca fica um pouco de clara? Experimentem embeber o vosso dedo, espalhar clara pelas rugas de expressão, deixá-la secar e ficar com a película durante umas horas. Verão como elas ficam atenuadas.

Eu não estou a brincar. Este post deve ser levado muito a sério. Eu li isto numa revista e hoje ao jantar decidi experimentar. Juro-vos como resulta. Comigo resultou nas minhas rugas de sorrir (que é o que, em abono de verdade, mais faço na vida), aquelas naso-labiais.

Penso que este efeito miraculoso está relacionado com a a ovalbumina (proteína que compõe a clara do ovo e serve para nutrir o embrião), acredito que ela terá qualquer efeito no tecido subcutâneo (colagénio) mas prometo tentar aprofundar este assunto. Entretanto, os senhores leitores por favor experimentem esta solução eficaz e barata nas vossas próprias caras e vão deixando comentários para eu saber se só resulta comigo ou se posso dar início à investigação que vai revolucionar o mundo da cosmética.

P.S. A minha pele ficou muito macia nas zonas onde pus clara que estou a pensar espalhar pela cara toda no meu próximo ovo mexido.
P.P.S Quem me dera ter uma fotografia do antes e do depois para vocês acreditarem em mim.

3.5.05

És Paspalhão!!!!

Sim, 'tou a falar de ti!

Antes da fronteira

No meu reflexo na janela do comboio, vejo um rosto e não me identifico; sou apenas um reflexo que perdeu o corpo que representa.
Deixo-me levar pela paisagem que corre ao meu lado, campos de trigo, sobreiros, aldeias brancas - o que vejo são momentos, efeitos do vento e da velocidade, que duram o suficiente para que eu os veja e depois ficam suspensos, intocáveis, inalteráveis. Eu própria sou também um instante, um encontro entre a massa de que sou feita e tudo aquilo que fiz e que vou fazer, um pequeno ponto de escuridão em movimento numa via iluminada.
Sou eu já um fragmento daquilo que era ontem, apenas uma sombra das consequências do ensinado e do desaprendido. Sou um corpo solto de alma vadia; que se arrepende, se orgulha, se deseja, se esquece.
Desvio o olhar dos campos em fuga e apercebo-me que também eu estou a fugir, tentando-me resguardar da mudança, da inevitável decisão. Decido parar na estação seguinte, sem alcançar a fronteira.

Ao meu lado, apenas uma janela embaciada e uma outra que já não sou eu.

21 gramas

Queria conseguir fingir que sou forte, esconder-me sob esta máscara de segurança durante mais tempo, sem hesitações, sem dúvidas. Queria ter certezas, queria dizer o que sinto sem medos, sem armadilhas, dizer que sou assim, que não tenho culpa de o ser. Não me sentir culpada por querer o que quero, por estar sem força para chorar, para amar, para lutar.

Gostava que o mundo parasse num momento, que esse instante se eternizasse, que a minha vida fosse feita desse bocadinho, que ninguém me fizesse perguntas, apenas me deixasse vivê-lo como eu sempre o imaginei.

Pelo menos saber por onde vou, que direcção tomar, que passo dar.

Qual é o peso da morte? Eu gostava de ser cremada, para nunca apodrecer, e não queria que o meu pó ficasse debaixo da terra... Sete palmos de terra sobre mim seria demasiado asfixiante, logo eu que sinto claustrofobia na estação de metro do Chiado (que tem um pé-direito altíssimo). Eu quero sentir o sol quando estiver morta, saber como está o dia: se o vento está frio ou húmido, se as nuvens estão carregadas ou se são apenas tufos leves e brancos, se está chuva ou geada.

Qual é o peso da vida? Se for o peso que sinto no peito por me ter arriscado a vivê-la por umas horas, então a vida é extenuantemente maciça. Ninguém me avisou que isto ia ser assim; que se podia complicar desta maneira - que eu, um dia, iria hesitar entre o passar pela vida sem dar nada nem receber em troca ou que, para conseguir alguma coisa gratificante, teria que dar muito mais do que alguma vez irei receber.

Às vezes escrevo neste espaço vazio e os meus dedos levam-me para histórias de amor impossíveis ou pouco possíveis, para canções alegres sem sentido, para celebrações à vida e ao que ela contém. Se tudo fosse tão fácil quanto nos filmes em que as coisas ficam bem a meia hora do final, em que se roubam sorrisos e nos apaixonamos pela pessoa que mais odiamos, em que o mundo não acaba porque os americanos o salvam.

Na realidade há conflitos, há mesquinhez, há egoísmo e ninguém me vem salvar deste cataclismo em que me envolvi porque o meu coração me mandou (se tivesse sido a razão se calhar as coisas seriam bem diferentes). Ninguém quer saber do que se passa com as vinte e uma gramas que perdemos após a morte, olham para nós "Ai que gira que estás! Essa t-shirt é tão gira!" mas se pedimos ajuda para algo mais grave, viram costas e procuram um amigo com um fardo mais leve porque as coisas que realmente importam devem ser ignoradas, tratadas com despeito e é assim que toda a gente age perante um problema. Ou então tratam de espetar o dedo e apontar culpados, como se a culpa fosse solteira e houvesse apenas um réu em cada julgamento final.

Optamos sempre pela solução mais simples porque é exactamente aquela que não nos faz sentir como eu me sinto hoje, cansada, triste, sem motivo nem linha de orientação. Só não sabemos que sempre que escolhemos o caminho fácil, perdemos uma grama de alma, de amor-próprio e de amor pelos outros, que perdemos o sentido da vida até ela se reduzir a uma data de banalidades.

2.5.05

Para a minha mamã (a propósito do dia da Mãe que foi ontem)

"Some girls' mothers are bigger than other girls' mothers"*

É o teu caso, mamã. Há miúdas com sorte e eu sou de certeza uma delas, porque o teu esforço para me tornares aquilo que hoje sou fez de mim uma pessoa ainda melhor, que te ama ainda mais.
Quando nos zangamos por qualquer coisa, faço tudo para que a zanga acabe depressa, porque és importante, mãe, porque eu te dou muito muito valor (tantas vezes acho que não te apercebes do quanto eu gosto de ti).
Vou ser a tua melhor amiga para sempre, garanto-te. Quando me perguntas "'Tá tudo bem?" e não está e à mesma te digo "Está!", sabes que eu te estou a mentir mas não me desmascaras assim, preservas o meu espaço e eu prezo muito esse teu gesto.

OBRIGADA MAMÃ.

*The Smiths

30.4.05

THE BUILD-UP (ou mais uma razão para ter comprado este álbum mais cedo)

"The build-up lasted for days, lasted for weeks, lasted too long.
Our hero withdrew, when there was two, he could not choose one, so there was none.
Worn into the vaguely announced.

The spinning top made a sound like a train across the valley,
Fading,
Oh so quiet but constant 'til it passed,
Over the ridge into the distances written on your ticket to remind you where to stop,
And when to get off."

Kings of Convenience

Já devia ter comprado este álbum há muito tempo

"Sorry or please

Five weeks in a prison, I made no friends.
There's more time to be done, but I've got a week to spend.
I didn't pay much attention first time around, but now you're hard not to notice, right here in my town.
Where the stage of my old life meets the cast of the new. Tonights actors: me and you.

Each day is taking us closer, while drawing the curtains to close.
This far, or further, I need to know.
Your increasingly long embraces, are they saying sorry or please?
I don't know what's happening - help me.

Through the streets, on the corners, there's a scent in the air.
I ask you out and I lead you.
I know my way around here.
There's a bench I remember,
And on the way there I find that the movements you're making, are mirrored in mine.
And your hand is held open, intentionally - or just what I want to see?

Your increasingly long embraces, are they saying sorry or please?
I don't know what's happening - help me.
I don't normally beg for assistance, I rely on my own eyes to see,
But right now they make no sense to me,
Right now you make no sense to me."

Kings of Convenience

26.4.05

Volátil

Sei que és presunçoso e que tens a mania que és um génio. Sei que adoras tratar mal as pessoas. Sei que te fechas sobre ti numa cápsula isolada, que evitas contar seja o que for seja a quem for. Sei que és enigmático, misterioso. Sei que é impossível ver-te sorrir a um desconhecido, que só sabes fazer caras feias, torcer o nariz e grunhir monossílabas à frente de estranhos. Sei que és incapaz de olhar nos olhos de ninguém, de ser frontal, que só sabes dizer meias-palavras enquanto desvias o olhar para elementos de distracção.

Sei que me achas presunçosa e com a mania que sou um génio. Mas sabes que adoro tratar bem as pessoas, que me abro com facilidade aos meus amigos, que sou um livro aberto, que tenho sorriso fácil e gargalhada mais fácil ainda, que falo falo falo e não me calo, falo ainda mais, que te olho nos olhos e nos olhos daqueles que merecem a minha frontalidade, que digo tudo o que penso de dedo espetado no ar.

Nós sabemos isto tudo e por isso também sabemos que somos peças complementares neste puzzle de milhões de peças que é a vida. Sabemos que só precisamos de um dia encaixar (as mãos de uma criança? a destreza de um adolescente? a maturidade de um adulto?) para assim ficarmos juntos, as minhas curvas nas tuas reentrâncias, o meu azul que se continua no teu, os olhos de uma cara que está na tua peça.
Temos um mundo em comum, apesar das diferenças aparentes. Porque o essencial é invisível aos olhos, disse o Saint-Exupery, e reafirmo-o eu, aqui.

Já leste O Principezinho? É um livro intemporal, devias lê-lo, cada vez que eu o leio aprendo algo de novo, é tão bonito. Li-o a primeira vez quando tinha oito ou nove anos e agora releio-o todos os anos. Podia oferecer-te o livro. Talvez to ofereça um dia.

Por mais que tente, não consigo alhear-me de ti, da tua presença. Reconheço-a até nas opções que faço, nas grandes e nas pequenas, e pressinto que o nosso dia vai chegar mais cedo ou mais tarde. Como não poderá ele chegar se estás cada vez mais aqui, mais comigo. Não conheço o teu perfume, mas de olhos fechados sei onde estás porque estamos para além do mero estado físico.

Às vezes sinto-me volatilizar só para estar mais perto. Às vezes quero chorar e não o faço.

Liberdade

Liberdade de pensar, escolher, dizer, encontrar, criar, gostar, detestar, desisitir, mudar de opinião, ouvir, criticar, debater, fazer, refazer, existir, sonhar, ser.
Sobretudo liberdade para construir, para empreender.
Liberdade de viver. Liberdade para dar aos outros liberdade.

Queria ver o mar,
os veleiros, os barcos sem amarras.
Pertencer às ondas, ser espuma,
e ela também,
envolver-me num enleio húmido,
na areia fria.

Olhar o horizonte e saber que posso.


25 DE ABRIL

"Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo "

Sophia de Mello Breyner Andresen



Um bom 25 de Abril para todos (quando tiver um filho vou querer que ele nasça neste dia).

Post scriptum: Neste blogue a liberdade é celebrada em cada post que é publicado.

Em repeat

No meu leitor de CDs, toca Rufus Wainwright e a sua banda. Tudo para recordar o grande concerto de ontem, no Coliseu, onde a nudez (literalmente, por acaso) e a simplicidade tornaram as canções ainda mais bonitas, mais melódicas, mais imponentes do que quando ouvidas em casa. A sua belíssima voz preenchia espaços vazios dentro de nós e o facto de estarem sete pessoas em cima do palco não impediu um ambiente intimista, de profunda identidade entre cada um de nós e o que nos era oferecido.

(Incompreensivelmente, a sala estava semi-cheia, num país onde os bilhetes para concertos esgotam à velocidade da luz, mas para gáudio de todos nós, os presentes souberam fazer a festa e acho que o Rufus gostou de cá vir. Por isso quem não foi não fez muita falta.)

Uma nota para Joan as Police Woman, ou Joan Wasser, que fez a primeira parte do concerto ( e depois foi violinista, guitarrista e segunda voz do concerto do Rufus), tem uma voz muito sensual
e toca lindamente violino.

Quero mais concertos assim.

18.4.05

As escadas

Eram umas escadas bolorentas, que emanavam bafio, esburacadas do caruncho, de corrimão pouco seguro. Entre a parede e o degrau, um rodapé marcado por buracos de ratazanas gordas, camuflados por vasos de plástico, com fetos e plantas de interior algures entre a vida e a morte, apenas alimentados pela humidade daquele corredor.

Às quatro horas, a mesma mulher, todos os dias, descia-as degrau a degrau, passo a passo, as duas mão sobre o corrimão instável, o corpo numa alucinação vertiginosa de queda iminente. Às sete horas, a mesma mulher, subindo-as, as duas mãos ocupadas com sacos do mercado, pretos e pequenos, o odor a sardinha chamando as ratazanas ao patamar. Depois, o borbulhar do óleo, as sardinhas fritas, o barulho dos talheres e dos pratos, primeiro na mesa, depois na pia.

Hora do terço. A mulher vinha à rua e deitava para o corredor as espinhas e as peles dos peixes, cantarolava "Ponha a mão na mão do meu Senhor", fechava a porta, ligava a telefonia.

Sentava-se na cadeira de baloiço, também ela corroída pela falta de cuidado, o rosário de prata entrelaçado entre os dedos, a Bíblia com os cantos roídos pelos ratos, tanto que as marcas visíveis dos seus dentes aguçados não deixavam ler o último parágrafo de todas as páginas do Novo Testamento.

Nove horas e o filho que não lhe ligava, há nove anos que assim era e, mesmo assim, todos os dias ela debruçava-se sobre o telefone preto, de olhos brilhantes, coração na mão. E o silêncio sepulcral na casa vazia, cada dia mais triste, mais só, mais morta.

Um dia, nas escadas, o cheiro a morte tornou-se insuportável. A vida perecera naquele corredor, de repente sem passos, sem óleo ou sardinhas, sem o ranger da madeira.

Sem um único telefonema do filho.

1.4.05

"É em nós que é tudo"

" Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do Sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali,
A vida é jovem e o amor sorri.

Talvez palmares inexistentes
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.

Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri. "

Fernando Pessoa

À espera de vida

"Levantava-se da cama com uma história no coração. Desejava sentar-se numa cadeira, agarrar numa caneta ou, ainda melhor, num lápis, para que nunca se lhe acabasse a tinta, porque sabia que, assim que começasse, as palavras brotariam, qual fonte termal, e se alinhariam no leito de uma folha branca."


"Foi sem pressa que te beijei, que aos poucos os meus lábios se afastaram dos teus, que o meu olhar se desviou para o horizonte, que dei três passos para trás.
Fiquei a remoer os teus argumentos de jovem ideólogo, porque desde o princípio de todas as coisas que me soubeste levar, convencer, deixar."

30.3.05

Todos erramos

Por favor não me odeies pelo que fiz. Por favor pensa duas vezes antes de dizeres que não me desculpas. Tu sabes que preciso da tua amizade. Eu não queria estragar nada. Tenho a mania da verdade e da honestidade e agora tenho meio mundo chateado comigo.

Preferia nunca ter sabido de nada, assim também não tinha nada para contar. Mas agora o erro está feito e todos nós erramos.Por isso, desculpa-me.

Desculpa.

29.3.05

Domingo de Páscoa

Ao almoço, em volta de um cabrito, reúne-se a família. Conversas e sorrisos, regados com um vinho tinto de boa casta.
Cada um fala mais alto que o outro, todos têm histórias por contar, gargalhadas por dar. Porque quando chega o silêncio, ou quando um assunto morre, morre também o sorriso e os olhos ficam enublados e turvos.

Tão felizes e cada um carrega a sua cruz. Quando uma conversa é interompida, todos olham para o alto, suspiram, limpam a primeira lágrima. São acorridos pelos seus fantasmas, aqueles que eles andam a ignorar sistematicamente enquanto riem e falam com a família.

Que a Páscoa tenha servido para nos libertarmos da nossas cruzes e proporcionado a nossa renovação. Porque todos nós podemos ressuscitar ao terceiro dia, basta termos vontade.

24.3.05

Se eu te encontrei...

...Deve haver mais alguém como tu algures no mundo. As pessoas serão únicas?

Se existe alguém como tu, então não perco a esperança: ainda hei-de encontrar a minha outra metade, a única pessoa que me poderá fazer feliz neste mundo de infelizes.

Porque tu existes e eu conheço-te bem e sei que te encontrei, mas és um amor impossível. Demasiadas barreiras, e tu conheces-me. Há coisas que prezo mais do que uma história de amor. A amizade, por exemplo.

Tenho medo de estragar tudo por tua causa. Sabes, a minha vida é feita de pedacinhos e tu és o maior fragmento que a poderia compor. Só que se eu te juntasse com todos os outros fragmentos, todos eles se afastariam, partiriam, descolavam. Eu não quero estragar aquilo que fui construindo ao longo do tempo por tua causa.

Se bem que eu tenha a certeza que tu vales a pena.

A inadaptada

Hoje não ia beber café. Nem tocar num cigarro que fosse.
Hoje ia sentir o vento frio da Primavera, os primeiros raios preguiçosos de Sol, ouvir os pardais cantar enquanto lia o Jornal (mesmo as letras pequeninas). Ia pedir um chá, se calhar uma torrada.

Sabia-se dona da sua vida, do seu nariz. Reconhecia-se em controlo do seu pequeno mundo, livre de interferências, de pressões externas. Mas não conseguia encontrar uma razão que desse sentido ao que ela própria sacrificava. Em nome de quê?

Admitia poder mudar fosse o que fosse no jogo: os peões, as regras, os dados. Eliminaria jogadores se achasse necessário, erraria na contagem dos pontos dos dados se assim o entendesse, interpretaria as leis, as condutas como desejasse. Todo o seu poder parecia-lhe, no entanto, obsoleto, porque nessa noite não dormira, passara-a a ouvir Rodrigo Leão e a reflectir sobre as súbitas mudanças a que se tinha imposto no último mês.

De repente tudo lhe pareceu vazio; ela própria era apenas um saco de pele, músculos e ossos sem conteúdo.

Levantou-se da cama nessa manhã como agora se levantava da mesa do café, com lágrimas nos olhos, com um aperto no estômago, um formigueiro nos membros, os dedos das mãos a tremer. Fazia o que queria e, até então, tinha achado que isso era ser livre, mas arriscara demasiado as vidas de outras pessoas e agora arrependia-se.

Tinha-se esquecido que a liberdade própria acaba quando interfere com a liberdade do outro. Ela interferira demasiado e, agindo assim, ferira.

Chegara ao momento de se redimir, mas como? Sempre fora a inadaptada dentro do seu próprio jogo, uma mulher ocupada, atraente e interessante mas que, no interior, não encaixava em qualquer contexto onde se inserisse.
Hoje ia ouvir as histórias, os casos, os factos da vida- todos desde que não fossem seus. Ia ter em atenção os sonhos das crianças, dos jovens, dos adultos e dos velhos e não ia dizer "Bah! Utopias!" porque sabia que a ela sempre lhe faltou o sonho.

Sem o sonho e sem a capacidade de receber, era uma inadaptada.

"Tell me your name, tell me your story 'cause I'm into it, runnin' through life like a misfit" Elefant

23.3.05

Haloscan commenting and trackback have been added to this blog.

22.3.05

Na televisão

O Sporting ajuda o meu Benfica a ser campeão. Obrigada Sporting!:)

BENFICAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!

21.3.05

A não perder

Grandes concertos a acontecer em Lisboa esta Primavera:

- Feist no Fórum Lisboa dia 9 de Maio;
- Rufus Wainright dia 24 de Abril no Coliseu dos Recreios.

Recebem-se ofertas de bilhetes claro. Ah, e se houver alguém que queira vender o seu bilhete para o Jack Johnson dia 21 de Maio também no Coliseu, o negócio será fechado com urgência.

Boas notícias para pessoas que adoram boa música

É o caso do álbum Good news for people who love bad news dos Modest Mouse. Tem um som de solidão feliz, que é como me ando a sentir ultimamente.

O single Float on é exactamente uma fonte de força, de energia, de dinamismo (por mais infinitamente preocupantes que pareçam os desfechos das nossas histórias, a verdade é que flutuaremos por eles e depois riremos do assunto- ao menos, eu espero que assim seja).

"Bad news comes-don't you worry even when it lands
Good news will work its way to all them plans
We both got fired on exactly the same day,
Well, we'll float on, good news is on the way
And we'll all float on OK And we'll all float on OK
And we'll all float on OK And we'll all float on

Alright already, we'll all float on
No, don't you worry, we'll all float on
Alright, already, we'll all float on
Alright, don't worry, we'll all float on and we'll all float on
Alright already, we'll all float on
Alright, don't worry even if things end up a bit too heavy
We'll all float on
Alright already, we'll all float on
Alright already, we'll all float on OK Don't worry, we'll all float on
Even if things get heavy, we'll all float on"

The good times are killing me aos poucos sem magoar, apenas asfixiando e absorvendo a vida.
"Jaws clenching tight we talked all night, oh but what the hell did we say? The good times are killing me."

A boa notícia é de facto existir ainda muito boa música. É preciso é saber procurá-la. (Ou mais simplesmente ouvir a Radar - 97.8).

Ou ir a casa dos primos.

11.3.05

Uma pequena lição

“Se vais para Paris para encontrar pessoas iguais a ti, mais vale ficares por cá a olhar para o espelho. É bem mais fácil.” Maria (colega do Crime Passional)

Para P.

Ao teu lado descobri o que era amar. Descobri o prazer de passar uma tarde de Sábado, quando está um dia espantoso do outro lado da janela, sentada no sofá a comer salame de chocolate e a namorar. Descobri a satisfação de conversar enroscada numa manta, a receber beijinhos no pescoço, e a contar todos os pormenores da minha vida, de trás para a frente, da frente para trás, repetir histórias, contar novidades, retribuir beijinhos.
Ao teu lado conheci plenitude, como se, estando contigo, não precisasse de mais nada nem de ninguém. Parece lugar-comum mas é verdade, quando estamos juntos não precisamos de nada, podemos isolarmo-nos e assim ficar, porque quando estamos os dois não há necessidades para além desta, enorme, de estarmos um com o outro, de aproveitarmos as potencialidades de cada corpo, de cada mente, de cada risada, de cada vida.
Sobretudo, ao teu lado, aprendi muito. Cresci contigo. Apareceste quando eu mais precisava de um amigo, de um namorado, olhei à volta e vi-te, também tu carente, de braços abertos em busca de alguém. Estava numa fase da adolescência em que temos a certeza de tudo, até mesmo de nos conhecer a nós mesmos! Pois eu afinal ainda não me conheço nem sei tudo sobre tudo e estou a anos-luz de atingir tais feitos. Foi contigo que descobri as minhas fragilidades (algumas, pois tantas outras estão por descobrir), que resolvi alguns problemas existenciais e deparei-me com outros piores ainda por decifrar, que amadureci e me tornei esta rapariga que muitos rapazes julgam não estar comprometida e acham interessante – mal sabem eles que, ao se interessarem por mim, estão no fundo a se interessarem por ti, porque nós somos um e um só, “eu sou tu, tu és eu” podia ser o refrão de um morna mas não, é a nossa relação: feita de bocadinhos unidos, de lágrimas, de dúvidas, de sorrisos, de amor.
Há uma canção dos Air que se chama Playground Love (I’m a high school lover and you’re my favourite flavour”). Contigo sinto-me criança, ando no baloiço da vida sem peso nem altura, tenho-te ao meu lado para me amparar nas quedas e para festejar comigo nos saltos bem-sucedidos. Mas, às vezes, acho que este amor para sempre adolescente impede-me de crescer e evoluir, de seguir determinados rumos e escolhas.
É assim que, mesmo gostando de ti como gosto, tantas vezes sinto as pernas fraquejarem e a não quererem seguir aquele caminho que escolheste, que te culpo por ser o mais fácil. Sabes?, as minhas pernas têm vários quilómetros em cima e gostam de caminhos tortuosos.

À primeira vista

Estava sentada num banco de jardim à espera de uma amiga quando ele passou e eu o vi pela primeira vez. Chamou-me a atenção o rosto agradável, o nariz perfeitamente desenhado, como numa escultura romana, a pele lisa, os olhos vivos, escuros como dois seixos mas muito brilhantes.
E o seu sorriso.
Tem um sorriso alegre, mas não pateta, ternurento, mas não ingénuo, traquinas, mas não demasiado infantil. Não é um sorriso de criança nem de adulto, talvez seja como o nosso devia ser quando nos manifestam carinho ou recebemos uma carta ou quando, depois de tantos dias de chuva, o Sol nasce inesperadamente e o céu fica azul. É isso. É um sorriso que me transporta para momentos bons, para lugares de felicidade.
Apanhou-me a olhar descaradamente e esboçou-me o seu sorriso, que eu retribuí, corando. E enquanto ele se afastava, eu, sem saber o seu nome ou idade, fiquei a construir castelos no ar, como o que aconteceria se ele tivesse deixado cair a carteira ou, pior!, tivesse sido atropelado ao passar a rua e eu fosse a única pessoa capaz e disponível para o ajudar (já viram o Closer?). A Teresa encontrou-me assim, absorta, e eu expliquei-lhe.
“Eu acho que acabou de passar por aqui a pessoa por quem me vou apaixonar.”
Ela já está mais que habituada a estes meus devaneios amorosos, por isso a resposta foi “’Tou cheia de sono… Vamos tomar café?”

Andámos até ao café de sempre de forma automática, quase sem falar. Quando nos sentámos, a pergunta: “E se ele for um psycho killer?”
“Com aquele sorriso? Nunca na vida. Ah! Eu quando vejo um sorriso vejo uma alma, minha cara. E aquele sorriso não engana ninguém. Era a minha alma gémea a passar e eu deixei-a ir.”
Ela riu e eu notei perfeitamente que ela não estava a acreditar numa palavra.
“Eu acredito, agora achei que essas coisas de alma gémea já te tivessem passado, francamente, já tens idade e experiência para teres aprendido que não acontecem cenas como ver um homem na rua e sermos felizes para sempre ao seu lado.”
“E se eu te dissesse que o homem da minha vida, o mesmo que passou por mim há pouco, está a entrar neste mesmo café? Acreditavas em amor à primeira vista?”
Ela de costas não o via, mas eu reconheci-o perfeitamente, ao seu sorriso sobretudo, mas também a todos os detalhes do rosto que ainda há pouco tinha achado giríssimo.
“Eu passava era a acreditar em pessoas que nascem com o rabo para a lua. Em coincidências enormes. Em sorte. Onde é que ele está?”
“Com casaco de cabedal castanho, atrás de ti às onze horas. Sê discreta que ele está a olhar para aqui.”

Foi quando a vi soltar uma gargalhada ruidosa “Disseste castanho? É o teu dia de sorte! Ele é meu amigo, Maria! Anda cá que eu já te vou apresentar ao homem da tua vida!”
“’Tás a brincar? Não faças isso, estou a ficar nervosa, isto vai correr pessimamente… Ah-oh! Ele está a vir para aqui, ele está a vir para aqui… Acalma-te Maria, respira fundo, é só um amigo da tua amiga, não é preciso ficares assim, respira Maria! Calma Maria!”
Eu queria acalmar-me mas ele dirigia-se cada vez mais rapidamente para a nossa mesa, com o mesmo sorriso, só um pouco mais triunfante, acenava à Teresa, acenava-me a mim, eu sentia suores frios por todo o corpo e a minha amiga gozava da minha aflição. Pareceu uma eternidade até ele chegar ao nosso pé.

“Olá Teresa, posso me sentar aqui convosco? Nunca tinha visto este café tão apinhado de gente… Desculpa, acho que nunca falámos, sou o Rodrigo.”
Fiquei com cara de parva a olhar para aquela mão branca estendida e não reagi. Acho que eu aí até envergonhei a Teresa.
“É a minha amiga, a Maria. Parece que perdeu a fala mas ela costuma ser uma pessoa normal.”
Acho que não vos disse que a Teresa é aquele tipo de amigas engraçadinhas que conversam muito e não se importam nada de ainda nos pôr mais envergonhadas em situações por si só embaraçosas.
“Pois sou, olá.”
“Boa tarde, Maria.”
Ao dizer isto, dissecou-me com o olhar (não preciso de vos repetir o quão vivos e brilhantes eram os seus olhos) e, de forma intensa, sorriu. Mas desta vez era um sorriso só para mim, não era para o mundo em geral.
Foi quando eu percebi que íamos mesmo ficar juntos para sempre. E ficámos.

“You are the only person who’s completely certain”*

Sabes, amigo: és a única pessoa que tem completa certeza das coisas que está a fazer. Acho que toda a gente olha para ti e fica com inveja da determinação com que encaras cada passo da tua vida. Logo eu que faço confusão com cada decisão minha: com as que já tomei, com as que vou tomar, com as que tomarei, olho para ti e orgulho-me de ser tua amiga.
Gostava de ser como tu e achar que é tudo óbvio; acho que o meu defeito é ver detalhes onde eles não existem, ver obstáculos onde eles não estão.
Cada escolha que faço é como fumar um cigarro: rouba-me anos de vida. Tu não, com os teus vinte e tal anos, andas pelo mundo sem fardos nem consciência; és a descontracção em pessoa.
Quando te digo que estou com um dilema nas mãos, ris alto e a bom som, sabes bem do que falo mas não porque lá tenhas andado. Quase quase às gargalhadas (só não as soltas da garganta por respeito), respondes “Em vez de ler escritores tão ou mais problemáticos que tu, devias era ler um livro que eu li sobre mudança “Quem mexeu no meu queijo?””. Eu fico a pensar se esse livro valerá mesmo a pena e, quando olho para ti, tranquilo e satisfeito, acho que esse livro é o tratado de psicologia mais avançado que existe. Acabo por nunca lê-lo e por voltar sempre à mesma história – também acho que isto de ser problemática, como tu dizes, já está entranhado na minha maneira de ver a vida.
Mas não penses que ando triste, não. Até tenho andado bastante feliz. E se te estou a dizer isto hoje é mesmo porque não estou com problema nenhum entre mãos.

De qualquer maneira, faz-me confusão ser assim confusa.

* (Interpol, “PDA”)

4.3.05

Não acham que...

...Se estou acordada a esta hora (6:30) devia estar na feira da Ladra a regatear objectos antigos, como pulseiras de latão (vintage é como lhes chama a Vogue)?
No leitor de DVDs continua a girar, tal como num gira-discos, o Padrinho II...O Padrinho I vimos mais cedo. Tencionamos ver o Padrinho III mas, pelo aspecto desta sala, com tantas desistências, não me cheira...

Sedução

Gosto da sensação vertiginosa que é termos um homem ao nosso lado e não saber bem o que vai acontecer depois. Gosto de sentir os seus toques a medo, primeiro a mão, depois o braço, depois o abdómen e a perna, suavemente, sem pressas. Gosto que ele me puxe contra o seu corpo sem força, contra o seu peito magro. Gosto que me prenda entre os seus braços. Gosto de adormecer encostada a um homem que me saiba embalar. Gosto que ele me dê um beijinho de boas-noites na cara.

3.3.05

Amigos

"Querido Gustavo,
entendo que a amizade não deva ser uma coisa que se peça assim e que se dê de forma impensada. Mas quando te pedi para continuarmos amigos não te queria ofender, nem isso me passou pela cabeça. Para mim era só uma forma de nos vermos, de conversarmos um com o outro, de irmos ao cinema juntos (mesmo longe, continuas a ser o meu cinéfilo preferido). Sem o pretexto de sermos amigos, irmos juntos conversar para o Parque Eduardo VII parece-me quase ridículo, Gustavo.
Eu quando acabei com a relação que tínhamos, não queria acabar com outras relações que pudéssemos vir a ter juntos. A minha mãe diz-me que tu precisas de tempo e de espaço, e que tens todo o direito a isso. É estranho, a minha mãe não é de frases feitas, mas em relação a ti, ela não consegue ser mais previsível; diz-me todos os dias que sente a tua falta lá em casa e que eu fui muito burra em te ter afastado.
Mas é por mim, não por ela, que te escrevo. Quero ser tua amiga, por isso garanto-te que vou lutar por isso. Ou a a amizade que tínhamos perdeu-se no momento em que te deixei?
Maria"

"Querida Maria,
sabes que eu detesto escrever mas como ainda não percebeste muito bem o que eu quis dizer (e se calhar eu também não percebi muito bem o que querias dizer), preferi explicar-te por carta.
Não vou ser cínico como me costumas acusar de ser, por isso vou directo ao assunto.
Para mim, amizade é uma relação que se contrói com tijolos pequenos mas muito fortes, inabaláveis. A amizade está no fim dessa construção e por isso não é uma coisa que se pede ou que se deseja, é-se simplemente.
O facto de eu não conseguir ser teu amigo não tem a ver contigo, mas eu conheci-te como minha namorada por isso não me ocorre ver-te de outra maneira. Como já não queres que eu olhe para ti dessa forma, nesse caso eu prefiro não te ver, Maria. O Filipe disse-me que isto era fugir ao problema, mas eu acho que ainda tenho direito de fazer o que me apetece.
Ser teu amigo para teres companhia para ires ao cinema ou para ires às lojas quando as tuas amigas não estão disponíveis, parece-me um pesadelo. O que eu quero com isto dizer também, é que tardes nos bancos do parque faziam sentido porque estávamos apaixonados um pelo outro, tu por mim, eu por ti.
Uma amizade neste ponto em que nos encontramos parece-me uma situação injusta, se pesares as vantagens de sermos amigos vais ver que a balança tende para o teu lado.
Ver-te quando te apetece me ver, voltar a ver-te, voltar a fazer as coisas que fazíamos como namorados será demasiado doloroso para mim, é como reviver; eu acho que se acabou, acabou, não vale a pena chover sobre o molhado.
É sem espírito vingativo que te digo, quando acabámos, Maria, para além do amor que achava que nos unia ter ido poço abaixo, foi com ele o que resultava desse amor: amizade, cumplicidade, cinema, companhia, jantares fora.
Sei que depende de mim vermo-nos amanhã ou para o ano. Por mim, via-te todos os dias, sabes disso muito bem, mas se as condições são a de sermos amigos, prefiro não te ver amanhã nem depois e deixar passar esta chuvada sentimental onde me encontro. Depois quem sabe.
"I guess it's up to me now - should I take the risk or just smile?"*
Gustavo

*(Misread, Kings of Convenience)

21.2.05

Carcavelos

Hoje fui ver o mar, que estava muito azul, sem ondas. Apesar do vento cortante, atrevi-me a passear na areia, por entre namorados e pessoas que namoram com os seus cães. Alguns adolescentes jogavam à bola. Um grupo de surfistas esperava a onda que nunca viria.

Tenho saudades da praia. De dias de céu limpo em que nenhuma nuvem esconde o Sol.

Erasmus II

Sites das faculdades para onde me vou candidatar:

Paris:

Université Pierre et Marie Curie

Université Marne- La Vallée

Université Paris- Sud

O curso é Medicina, para quem não sabe. E o ano é o quarto.

Erasmus

Fez a mala sob o olhar apreensivo da mãe.
"São só nove meses, mãe! Venho cá no Natal, na Páscoa! Prometeste que não ias fazer um drama!"

A mãe ia escolhendo a roupa quente e pondo na mala... "Aquilo lá faz muito frio, querida!"

O pai assobiava de entusiasmo. "Vais ver como vais gostar daquilo, conhecer uma nova cultura, um novo país, novos colegas!"

A irmã dava saltinhos de alegria "Eu vou ter com a mana e vamos as duas à Eurodisney!"

Com a mala cheia e estupidamente pesada, foi para a estação apanhar o comboio até Paris. Esperava-a uma vida nova, sem dúvida. Pelo menos durante aqueles meses.

Afastava-se de quem lhe fazia mal, de quem lhe fazia bem. Tentava descobrir quem era quem na sua vida.

"Às vezes as análises à distância são as que melhores resultados trazem. Estabelecias prioridades, reconhecias o que valia a pena na tua vida, vias quem querias por perto e quem querias ver bem longe. Mas não julgues que eu não vou ter saudades tuas nem que não vais receber uma visita minha! Era o que faltava!" , disse a melhor amiga, com os olhos a brilhar e um sorriso quente.

Foi com o coração pequenino que procurou a sua carruagem, um espaço apertado onde cabia muito desejo de viver.

11.2.05

Pela janela

Uma árvore despida recebe os raios deste Sol estranhamente quente. Ah como sabe bem um dia de Primavera em pleno Inverno.

Interpol

Ultimamente tenho ouvido (praticamente em repeat) uma música dos Interpol, do último álbum (Antics).

Chama-se Narc:

Touch your thighs, I'm the lonely one
Remember that lass, because that was the right one
Oh, all your mysteries are moving in the sun
And show some love and respect
Wanna get some love and respect
Baby you can see that the gazing eye won't lie
Don't give up your lover tonight
Cause it's just you, me and this fire, alright
Let's tend to the engine tonight
Oh

She found a lonely sound
She keeps on waiting for time out there
Oh love, can you love me babe
Love, is this loving babe
Is time turning around

Feast your eyes, I'm the only one
Control me, console me
Cause that's just how it should be done
Oh, all your history's like fire from a busted gun
Now show some love and respect
Don't wanna get a life of regret
But baby you can see that the gazing eye won't lie
Don't give up your lover tonight

She found a lonely sound
She keeps on waiting for time out there
Oh love, can you love me babe
Love, is this loving babe
Is time turning around

He slips into the bedroom
And you know he misses alright
Old names, we'll make sweet
Will sustain us through the night
Inside my bedroom baby
Touch me, oh tonight
Promises, we'll make some
Will reveal our sense of right

You should be in my space
You should be in my life
You should be in my space
You should be in my life
You could be in my space

Ai, ai... Já venho, vou só ouvi-la pela enésima vez...

8.2.05

“It ain’t no use to sit and wonder why, babe” *

Costumas sentar-te no teu sofá minimalista, olhar através da janela enorme à tua frente as árvores do parque, os pardais mudos da cidade e pensar se é com ela que gostavas de ficar para sempre. Não fumas, não costumas beber café ou álcool. Quando te sentas no teu sofá estás com as mãos vazias, antítese da tua mente, tão cheia de ideias, de confusões, de problemas por tirar a limpo.

No leitor de CDs, pões a tocar aquela do Bob Dylan que ela também gosta (ficaram horas a falar das músicas dele, do quanto significam para vocês que nasceram muitos anos depois de ele as ter escrito). Não fumas nem bebes whisky mas de repente apetece-te ter alguma coisa a rolar entre os dedos, ouvir talvez o gelo a bater contra as paredes finas do copo, brincar com a cinza nas bordas do cinzeiro.

Enrolas um charro. Finalmente alguma coisa nas mãos, alguma coisa em que podes pensar para além daquele olhos que nunca mais te saíram da cabeça apesar de não serem teus. Dás uma passa longa, profunda, e o fumo espesso desce até aos pulmões como se por lá já tivesse andado e conhecesse de cor o caminho. Expiras.

Voltas a pensar nela. Um torpor toma conta de ti e até parece que o Bob Dylan está a cantar ao teu pé, a sua voz aproximou-se, os seus versos tornaram-se claros (até aqueles cantados com a boca fechada). Ouves a gargalhada dela, mas está longe, sempre longe, porque para estarem perto precisam de ter bebido uns copos e aí sim, encostam a cabeça um no outro, tocam nos joelhos, na cara, nas mãos, toques suaves que não vos comprometem. Sempre que a vês ris por dentro, está tudo guardado em ti, sem te esforçar sorris, enfrentando o seu rosto irrepreensível, os teus membros tremem, ficas descoordenado, a respiração profunda e mais frequente, o coração na boca, acelerado descompassado arrítmico, e uma alegria vinda de parte incerta que te enebria. Até quando vais conseguir reprimir esse sentimento tão forte é o que eu me pergunto, eu que sou narradora e estou a olhar para ti através de um canudinho de papel.

Perguntas-te se ela sentirá o mesmo e tens a certeza que sim, passas em revista todas as vezes que estiveste com ela e é-te óbvio: o brilho no olhar, o sorriso gigante, a insistência em te dizer pelo menos um olá. Levantas-te depressa “Ela gosta de mim, ela gosta de mim, ela gosta de mim”.

Diriges-te à porta de entrada e páras. “Ela gosta de mim e depois? O que é que eu faço?” Entras em pânico e começas a rir, pareces tontinho, voltas para o teu sofá porque julgas que não há nada a fazer, estás enganado mas não sabes e se calhar vais descobri-lo da pior maneira, dando com os cornos numa parede qualquer, enquanto não o descobrires de qualquer maneira voltas para o teu sofá e sentas-te para pensar nela.

Tentas reconstituir a vossa história-que-ainda-não-o-é: todos os olhares, os primeiros a medo, depois cheios de segurança, de sedução. Todas as conversas, olhos nos olhos, as descobertas do que têm em comum, no fundo é tanta coisa que o mais fácil é dizer que em comum com o outro têm a vida, aos poucos os encontros electrizantes dos cotovelos, dos joelhos, das mãos, cada vez mais intensos, mais sentidos. Não consegues determinar bem quando começou, o que te lembras é de um dia ter dado por ti incapaz de pensar noutra pessoa senão nela.

Anoiteceu na tua janela; dentro de ti estava já de noite, naquela madrugada em que lhe disseste “Eu sei que era contigo que ficava realmente bem”, esforças-te por te lembrar da resposta dela mas não consegues, o vinho apagou essa memória, bem como as duas horas de conversa que ainda tiveram, ficou aquela frase dita assim sem pensar. Sem resposta também.
Querias ser um homem: chegavas-te ao pé dela, davas-lhe um beijo. Já planeaste esse dia: vão jantar fora, beber um copo e acabar a noite naquele mesmo sofá minimalista onde pensas nela, a ouvir a música que ambos gostam. Vais dizer-lhe “Costumava sentar-me aqui e pensar em ti. Todos os dias.” Imagina-la rir e acenar com a cabeça “Eu também, eu também. Penso em ti todos os dias.”Enquanto tiveres a coragem de um rato, a tua única contemplação de amor é esse marasmo em que te encontras, chegares a casa, sentares-te nesse sofá e a amares como se ela estivesse ao teu lado. É mais fácil para ti, mergulhado que estás no comodismo de sempre. Mais fácil e mais doloroso.

*(Bob Dylan, "Don't think twice, it's all right")