11.3.05

À primeira vista

Estava sentada num banco de jardim à espera de uma amiga quando ele passou e eu o vi pela primeira vez. Chamou-me a atenção o rosto agradável, o nariz perfeitamente desenhado, como numa escultura romana, a pele lisa, os olhos vivos, escuros como dois seixos mas muito brilhantes.
E o seu sorriso.
Tem um sorriso alegre, mas não pateta, ternurento, mas não ingénuo, traquinas, mas não demasiado infantil. Não é um sorriso de criança nem de adulto, talvez seja como o nosso devia ser quando nos manifestam carinho ou recebemos uma carta ou quando, depois de tantos dias de chuva, o Sol nasce inesperadamente e o céu fica azul. É isso. É um sorriso que me transporta para momentos bons, para lugares de felicidade.
Apanhou-me a olhar descaradamente e esboçou-me o seu sorriso, que eu retribuí, corando. E enquanto ele se afastava, eu, sem saber o seu nome ou idade, fiquei a construir castelos no ar, como o que aconteceria se ele tivesse deixado cair a carteira ou, pior!, tivesse sido atropelado ao passar a rua e eu fosse a única pessoa capaz e disponível para o ajudar (já viram o Closer?). A Teresa encontrou-me assim, absorta, e eu expliquei-lhe.
“Eu acho que acabou de passar por aqui a pessoa por quem me vou apaixonar.”
Ela já está mais que habituada a estes meus devaneios amorosos, por isso a resposta foi “’Tou cheia de sono… Vamos tomar café?”

Andámos até ao café de sempre de forma automática, quase sem falar. Quando nos sentámos, a pergunta: “E se ele for um psycho killer?”
“Com aquele sorriso? Nunca na vida. Ah! Eu quando vejo um sorriso vejo uma alma, minha cara. E aquele sorriso não engana ninguém. Era a minha alma gémea a passar e eu deixei-a ir.”
Ela riu e eu notei perfeitamente que ela não estava a acreditar numa palavra.
“Eu acredito, agora achei que essas coisas de alma gémea já te tivessem passado, francamente, já tens idade e experiência para teres aprendido que não acontecem cenas como ver um homem na rua e sermos felizes para sempre ao seu lado.”
“E se eu te dissesse que o homem da minha vida, o mesmo que passou por mim há pouco, está a entrar neste mesmo café? Acreditavas em amor à primeira vista?”
Ela de costas não o via, mas eu reconheci-o perfeitamente, ao seu sorriso sobretudo, mas também a todos os detalhes do rosto que ainda há pouco tinha achado giríssimo.
“Eu passava era a acreditar em pessoas que nascem com o rabo para a lua. Em coincidências enormes. Em sorte. Onde é que ele está?”
“Com casaco de cabedal castanho, atrás de ti às onze horas. Sê discreta que ele está a olhar para aqui.”

Foi quando a vi soltar uma gargalhada ruidosa “Disseste castanho? É o teu dia de sorte! Ele é meu amigo, Maria! Anda cá que eu já te vou apresentar ao homem da tua vida!”
“’Tás a brincar? Não faças isso, estou a ficar nervosa, isto vai correr pessimamente… Ah-oh! Ele está a vir para aqui, ele está a vir para aqui… Acalma-te Maria, respira fundo, é só um amigo da tua amiga, não é preciso ficares assim, respira Maria! Calma Maria!”
Eu queria acalmar-me mas ele dirigia-se cada vez mais rapidamente para a nossa mesa, com o mesmo sorriso, só um pouco mais triunfante, acenava à Teresa, acenava-me a mim, eu sentia suores frios por todo o corpo e a minha amiga gozava da minha aflição. Pareceu uma eternidade até ele chegar ao nosso pé.

“Olá Teresa, posso me sentar aqui convosco? Nunca tinha visto este café tão apinhado de gente… Desculpa, acho que nunca falámos, sou o Rodrigo.”
Fiquei com cara de parva a olhar para aquela mão branca estendida e não reagi. Acho que eu aí até envergonhei a Teresa.
“É a minha amiga, a Maria. Parece que perdeu a fala mas ela costuma ser uma pessoa normal.”
Acho que não vos disse que a Teresa é aquele tipo de amigas engraçadinhas que conversam muito e não se importam nada de ainda nos pôr mais envergonhadas em situações por si só embaraçosas.
“Pois sou, olá.”
“Boa tarde, Maria.”
Ao dizer isto, dissecou-me com o olhar (não preciso de vos repetir o quão vivos e brilhantes eram os seus olhos) e, de forma intensa, sorriu. Mas desta vez era um sorriso só para mim, não era para o mundo em geral.
Foi quando eu percebi que íamos mesmo ficar juntos para sempre. E ficámos.

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