31.7.07

FMM Sines :: o primeiro dia no Centro de Artes de Sines [ play |> ]

[Prólogo: Não sou nenhuma croma da world - já vos disse que não sou nenhuma croma de nada? - mas é nas canções que vêm da alma que me movimento bem, em termos de música. Pois na world há muitas canções que vêm da alma de quem as faz e do povo que as fez nascer e que mexem com a alma de quem as ouve. É por aí que devem ler os apontamentos sobre os concertos do FMM que conto ir postando por aqui durantes estes dias de ressaca pós-Sines.]

Marcel Kanche faz canções românticas e é francês, por isso se calhar poder-se-ia catalogar a música que faz como chanson française. Só quando ouvi a cover do Leonard Cohen durante o concerto no Centro de Artes é que percebi o que é que ele era na verdade: um Cohen francês, com as mesmas angústias nas letras, na voz, no passo dolente da banda que o acompanha.

As gémeas Gómez são as Ttukunak. Atraentes e amorosas, tocam um instrumento basco que só pode ser tocado por duas pessoas em simultâneo: a txalaparta, uma espécie de xilofone em ponto gigante, em pedra, ferro e madeira, tocado por baquetas também em madeira que mais parecem pilões de almofariz. Não há segredos ali, as combinações instrumentais são feitas em improviso e em comunhão uma gémea com a outra e a comunicação faz-se por olhares e pelo ritmo que uma à outra e o público às duas vai impondo.

Continua.

FMM pode ser lido como Férias Mágicas e Memoráveis

Há um ano que esperava, planeava, ansiava por Sines. Foi há um ano que lá fui, num assomo de irresponsabilidade misturado com vontade de ouvir o Toumani Diabaté e bem temperado com uma paixoneta que por lá andava e foi há um ano que, no regresso, jurei a mim mesma estar todos os dias do festival este ano.

Fiquei de férias na sexta-feira passada, dia 20. O festival começou neste dia, em Porto Côvo, mas eu ainda não estava lá. Apenas dia 23 me pus a caminho, no carro do Bruno e, diga-se, até então me sentia tão em férias como uma formiga a recolher mantimentos. Nada de férias, portanto.

Quando chegámos, depois de uma série de coisas triviais e com pouca importância (se bem que a salinha da casa da dona Fernanda, onde ficaram alguns de nós, mereça um especial destaque por tão antiquada e kitsch que era), fomos logo para a praia e só aí, só ao pisar a areia da praia de Sines, me senti verdadeiramente de férias.

E foi assim que começou umas das melhores semanas da minha vida, na praia a beber um UCAL enquanto todos bebiam cerveja, a ouvir aquele que terminaria, vários dias depois, o set dos Bailarico Sofisticado no encerramento do festival - o Bob Marley, junto a várias pessoas - uns que chamava amigos, outros com quem me tinha cruzado uma ou duas vezes, outros ainda que até então eram nem uma coisa nem outra, nem peixe nem carne.

Continua.

O aquecimento global é um mito urbano.

Está uma carrinha daquelas Volkswagen pão de forma parada em frente ao portão da casa. Não há nada de poético nisto, é apenas uma velha carroça cuja pintura está desbotada pelo sol, apesar de estar agora na moda fazer road-trips dentro de uma coisa destas, e a casa é feia, tem um friso de azulejos castanhos, a tinta dos tapa-sóis está a descascar-se, o jardim está descuidado - as plantas que deveriam viver morrem e as intrusas e penetras sobrevivem e invadem os caminhos curtos de calçada.

Não há, portanto, nada de poético nisto. É apenas mais uma casa feia, mais um jardim desarranjado, mais um carro a cair de podre.

Está um calor de amolecer ossos. Não há uma singela brisa que sopre e quebre a moleza deste calor - há, isso sim, insectos que se deixam ficar no ar, também eles com preguiça de voar, mexendo as asas com a calma de quem não tem nada para fazer. Dentro da casa está quase tanto calor quanto lá fora, é um calor horrível, que ultrapassa a dor ou a euforia.

Sente-se, aliás, como um cheiro nauseabundo, um vazio emocional muito grande - como se o calor impedisse que se sentisse ou, simplesmente, se sobrepusesse a qualquer sentimento possível.

É neste estado apoplético que partimos dentro da velha carrinha, agradavelmente surpreendidos pela corrente de ar que entra pelas janelas da pão de forma quando a pomos em movimento.

16.7.07

Pá, tipo, iá.

Despacha lá isso e volta depressa.

15.7.07

Una remezcla por día te hace bailar por la noche adentro

A remix dos Justice para a Lovestoned do Justin Timberlake.

Justice, os representantes máximos do movimento French Kiss, herdeiros dos Daft Punk, que remisturam tudo o que vibra - e sinceramente gosto mais deles a remisturar do que a gravar canções em nome próprio.

Justin, se estiveres a ouvir-me, para que continuemos a gostar muito de ti, é assim que deverá soar o teu próximo álbum.

(O pior destas remixes é que invariavelmente são coisas que funcionariam muito bem à noite, num bar qualquer, sendo que a probabilidade em Portugal de um iluminado dj a passar é quase zero. Uma pena.)

P.S. Este post é um presente para o meu amigo A.C., que faz anos hoje, é um dj iluminado nas poucas vagas horas que tem e foi quem, há mais ou menos um ano, incitou-me a escrever pela primeira vez sobre música - o que, mais tarde, se veio a revelar um vício. O texto foi sobre as Cansei de Ser Sexy, quando, note-se a meu favor, ainda não havia muita gente a falar delas, e está aqui.

Não párem o Ronson se já ouviram isto antes (parte II)

Há que dizê-lo com franqueza: a ideia destas versões é criativa, divertida, quase insolente. Agarrar num punhado de canções ligeiras, abrilhantá-las com purpurinas (ao escrever esta palavra lembrei-me daquela odiável publicidade das "purpurinas? Vou já contar à Rita!"), trompetes e clarinetes e fazer de todas elas danças de salão animadas. A ideia podia de facto ser só criativa, divertida, quase insolente, citando-me, o que já seria imenso, mas aqui é que a porca torce o rabo - ou, como eu e os arrumadores de carros gostamos de dizer, destroce-o.

Mark Ronson não ficou só pelo nível da ideia genial, também a concretizou em grande estilo. Vejamos.

A faixa nº 3 deste disco começa com o seguinte verso

Stop me oh-oh-oh stop me
Stop me if you think that you've heard this one before
,

o que é bastante irónico, tendo em conta que se trata de um disco de versões.

A verdade é que não apetece parar o Ronson nem o senhor Daniel Merriweather, que empresta a voz a esta versão. Primeiro, pela audácia e a cara de pau de se fazer uma versão soul de uma canção da maior banda de sempre. Segundo, porque a versão é, juro-vos, muito boa. Terceiro, porque a Stop me (dos The Smiths, para os silly you desatentos) é uma boa canção até se cantada em bielorrussso pelo ventríloquo que faz a voz do pato Donaltim, com percussão - castanholas, daquelas de rancho folclórico - pela Fátima Lopes e nas cordas - dos sapatos - o Nuno Eiró (arre, que pandilha assustadora!).

Não, o tal Daniel não tem a densidade vocal do Morrissey, portanto também não manifesta a mesma desilusão que o Morrissey, aquele tédio urbano-depressivo que é pensar "olha, se já ouviste esta antes manda-me calar". É que nada mudou, eu ainda te amo, apenas um pouco menos que o habitual, meu amor, e cada palavra que nos remexe visceralmente no original ainda está aqui e ainda causa cólicas.

Não, não está aqui o Johnny Marr, mas estão violinos felizes, que dão asas a uma batida energética, que entra para as estrofes, tal como entra a banda toda no original. Na Stop me de 2007 não se está tão triste quanto se está quando se ouve a Stop me dos anos 80 e, em vez da sala do melhor amigo, onde se fumam charros e se choram lágrimas de desgosto amoroso - ou de moca? nunca se saberá -, está-se numa sala revestida a veludo, onde lustres brilhantes se suspendem do tecto e toda a banda toca para a plateia mais heterógenea que existe. E todos batem o pézinho.

Não, não foi cometido nenhum pecado mortal: o Morrissey poderá mesmo gabar-se e assumir, um dia, talvez, quem sabe?, "escrevi a Stop me a pensar no safado do Ronson, sou mesmo genial, não sou?". És e esta versão, em que não cantas nem nada, é a prova viva disso. E eu, tal como tu, nunca nunca menti.



Os The Zutons não devem ser a banda mais conhecida do cimo da Terra, nem tão pouco qualquer coisa que se aproxime disso. Alguns ouvidos atentos à MTV:2 já devem ter dado conta da existência pouco notória - e muito menos, notável - de tal banda. (Confesso que têm singles engraçaditos e que nunca ouvi o disco todo, mas adiante.) Sendo assim, não creio que a Valerie seja uma canção conhecida como são a Stop me dos Smiths, a Oh my god dos Kaiser Chiefs (para a qual o Ronson convidou l'enfant terrible mais vraiment adorable Lily Allen), a Just dos Radiohead (versão que se limita a ser curiosa). A Valerie, original dos Zutons, é, no entanto, a melhor canção deste disco. De seguida, a resposta que todos procuram: porquê?

Primeiro, porque tem a Amy Winehouse. E a Amy Winehouse é, simplesmente, a cantora, a voz, a celebridade, a anglófona, a eu-tinha-curvas-e-era-boa-agora-sou-anoréctica-e-feia, a bêbeda, a escandalosa, a tudo o que vocês pensarem!, do momento. No início do outro texto disse que as canções que mais rendem no Back to Black foram produzidas pelo Mark Ronson, mas não quis tirar crédito ao resto do trabalho. A Amy é a fusão de dois conceitos que tendem a beijar-se na testa nos últimos tempos: o eclectismo da música retro (massa de que o disco Versions é feito, como terão notado ao longo desta prosa aborrecida) e um ritmo que vem do hip-hop, do funk, é novo e é bom. A sua voz possui uma cadência e um alcance de que Amy nunca abusa - e faz ela muito bem. Representa, como a Beth Ditto dos Gossip, o girl power que tendencialmente surge na música: esta necessidade de manifestar a independência, a emancipação, a força de uma mulher, sem ser exageradamente feminista. Amy é amor.

Segundo, porque a bateria é-me familiar de não sei quê (na versão ao vivo não se nota, mas na gravada lembra-me os Strokes, provavelmente porque os Zutons são uma daquelas bandas pós-Strokes que parecem reminiscentes dos Strokes, os quais por sua vez são reminiscentes dos The Cars.)

Terceiro, porque é uma canção leve e despretensiosa mas rica, como uma salada de Verão. Está lá tudo na mais perfeita das harmonias: a tal da Amy, a tal da bateria, o tal do ritmo que vem sendo regra e uma orquestra com a boca no trompete.

Quarto, porque é obrigatório dar algum crédito aos Zutons: a letra é bonita, fica no ouvido, diz "won't you come on over, stop making a fool out of me, why don't you come on over, Valerie?" e, [demasiado] pessoalmente, deu azo a mensagens de telemóvel bonitas nos últimos tempos.

Quinto, porque é quentinha como um raio de sol e revigorante como um mergulho no mar e/ ou uma caipirinha. Não se quer mais nada do Verão senão isso, não é?



(É preocupantemente difícil encontrar um vídeo da Valerie cantada pela Amy quando sóbria. Não estou a brincar.)

Viva!

Já é tarde nesta madrugada de sábado. A minha vida está mais próxima de mim do que nunca e chegou provavelmente a hora de agarrá-la com as duas mãos, com os dentes, talvez enlaçá-la com as pernas para ter a certeza que desta vez não a deixo escapar.

Tudo isto é um eterno lugar-comum, mas a única responsável sou eu. Afastei-me das emoções propositadamente, qual Brecht, deixei-me de me envolver, de sentir, de me afectar, no fundo: como se eu vivesse como mera espectadora da vida que estava a viver.

Aliás, assim o era: manter as devidas cordialidades, sem se revelar nem expôr - e demonstrar-se sentimentalmente indiferente a tudo aquilo que observava, eu própria fui guiada através do tabuleiro do jogo

a jogar snakes and ladders, imprevisivelmente subindo e descendo

de olhos fechados, desconfiando de cada face do dado que ditava o meu destino - uma escada? uma serpente?

A adinamia que me impedia de tomar as rédeas desapareceu e a bolha rebentou: estou eu aqui, desprotegida, finalmente.

Nada dá mais vontade de viver do que viver. Nada.

9.7.07

A Versão do Mark Ronson (ou como viajar no tempo usando a pop dos últimos anos)

Decidi actualizar o meu blogue enquanto ouvia, pela primeira vez, o álbum de versões do Mark Ronson. Para quem não sabe, o Mark Ronson é responsável pelas melhores faixas (quase todas, diga-se) do álbum maravilhoso da Amy Winehouse, Back to Black, e fez um disco só com versões soul, funk and groove de canções que, aparentemente, nada ou pouco têm a ver com esse universo. Como é a primeira vez que o oiço na íntegra (confesso que já ouvi faixas aqui e acolá e isto tem versões adoráveis de canções inesperadas - ultimamente tudo é adorável para mim, é o meu novo adjectivo favorito), não faço a mais pálida ideia do que poderá vir a sair deste post, o que não é necessariamente mau.

O disco começa com uma versão da God put a smile upon your face dos Coldplay, numa versão que não faria remexer na cova nenhum falecido da Motown. É um instrumental com uns tais de The Daptones Horns (não devem ser os Daptone Kings que acompanham a Sharon Jones, logo a pesquisa que faria pelo google sobre os senhores também vocês a podem fazer, MOVE YOUR LAZY ASSES!). Ora, começando pelo princípio: sim, Deus pôs um sorriso na tua cara. E na minha. Se bem me lembro - já vos disse que esta versão é um instrumental absolutamente groovy mas sem vocais, logo sem letra - esta canção, do segundo álbum dos Coldplay, dizia "oh when you work it out I'm worse than you" e "god gave me style and gave me grace, god put a smile upon my face". Em relação aos Coldplay, eu gosto deles - geralmente confessava isto em surdina e digo para guardarem o segredo a sete chaves, mas isso era uma mania parva. Ultimamente, tão recentemente quanto o meu uso da palavra adorável, quero lá saber de julgamentos acerca do meu gosto musical. Que'lá saber. A quem fizer comichão, coce-se, use Fenistil, ponha unguentos - é para o lado que eu durmo melhor (já agora, é o esquerdo). (Entretanto já ouvi sete vezes a canção, cinco das quais levantei-me para ir dançar para cima da cama, qual palco improvisado). Mas é por ser-me completamente cagativo que hoje vou escrever aqui que gosto de uma canção do mais lamechas-RFM-só-grandes-músicas possível. É de um moço de seu nome James Morrison e chama-se "You give me something" e, em princípio, toda a gente conhece porque até já esteve nos ecrãs das estações de metro. A canção diz qualquer coisa como "this could be something, so I might just give it a try", o que, em linhas simples, resume a minha vida nos últimos tempos - e deve ser por aí que gosto tanto do diabo da faixa. Em relação aos Coldplay, o primeiro álbum, Parachutes, é simplesmente óptimo e depois foram por aí abaixo em linha descendente. Não que X&Y seja um péssimo disco, que não é, até porque tem a Talk, cuja guitarrada foi inspirada numa faixa dos Kraftwerk, e a Fix you (*weeps* "Lights will guide you home (...) I will try...[pausa] to fix you" - se esta frase não se adequa a nenhum momento da vossa vida, meu Deus, façam um favor a vocês mesmos e apaixonem-se.). Para além disto, eu casava-me com o baixista Guy Berryman (meninas, google him para saberem de que estou eu a falar) , os Coldplay dão excelentes concertos e o Chris Martin é um frontman imparável.

Quem também é um frontman imparável - homem da frente, em português - é o Paul Smith dos Maximo Park. Tive oportunidade de vê-los pela segunda vez no Super Bock Super Rock e, longe de terem dado o melhor concerto do festival, dão um concerto energético, viciante, muito don't stop me now 'cause I'm having such a good time. A Apply some pressure está no disco do Mark Ronson, cantada pelo próprio Paul Smith: o ritmo manteve-se, adicionando-se uma secção de sopros onde antes estava uma guitarrada. Razoável.

Versão fraca, fraca é a LSF dos Kasabian, banda que, sinceramente, nunca levei muito a sério ( e ainda menos depois de vê-los ao vivo, no Sudoeste, curiosamente no mesmo dia que vi Maximo Park). A LSF aparece aqui cantada pelo vocalista dos Kasabian (não sei o nome, nem quero saber, só não tenho raiva de quem sabe). Está fraquíssima como versão (como canção já o era, apesar daquele início oto-viciante do "come on in, get on in" ou assim, o que provavelmente não ajuda). Mas o Mark Ronson também fez alguns milagres.

Dentro desses milagres está a Toxic da Britney Spears, cantada, neste disco, por um homem, com partes de rap, por outro homem, que não correspondem ao original. Pela vossa saúde vos digo, está óptima. Sou suspeita porque nunca odiei a Britney com todas as minhas forças e sempre achei esta Toxic muuuuito sexy:

With a taste of your lips I’m on a ride
You're toxic I'm slipping under
With a taste of a poison paradise
I’m addicted to you
Don’t you know that you’re toxic
And I love what you do
Don’t you know that you’re toxic.

Mesmo assim, esta versão dá dez a zero ao original: uma voz quase dorida pela toxicidade desse veneno que é um homem/ mulher viciante (raios.). O trompete no lugar certo, no momento certo, quando no original isto era um efeito digital qualquer. E há "uh-uuuh" por trás, exacerbando a dor que é este vício (raios. vezes dois). O pior desta versão é o seu efeito prático, porque em vez de fazer-nos afastar da languidez dos beijos envenenados faz-nos desejá-los ainda mais ardentemente (raios. vezes três). Óptima.

[mais versões já a seguir.]

Long time, no see

Há dias remexi nas definições de cookies do meu browser (sim, eu sou old school e uso o velhinho e impraticável Internet Explorer) e isso tornou o login no Blogger impossível.

Escrita que está a justificação para esta demasiado longa ausência na frase com mais anglicismos da história deste blogue, peço-vos desculpa. Desta vez não foi nem por estar farta, nem por estar desinspirada (antes pelo contrário, estava cheia de ideias que, estupidamente, nunca cheguei a anotar), tão pouco por estar ocupada com outros afazeres. O Desumanos continua, já a seguir.