15.12.09

Bateu, não bateu.

É chá de jasmim neste trópico despalmeirado, é este Inverno que não chega, nem se calcula que chegue, são peixes mortos flutuando em vapor de água, são paredes brancas vazias atravessadas de bolor e humidade, és tu que és suor sublimado e ponto final origem da semi-recta.

8.12.09

E tendo em conta que estou a 100 posts do meu mínimo anual

Estava aqui a ouvir, enquanto tentava formatar o outro texto, o álbum de Fool's Gold e é uma delícia daquelas mesmo mesmo deliciosas. Soa mesmo natural, no sentido de antónimo de "forçado". Um álbum que terá o seu lugar na minha estante. Que remédio. :>

Um dos grandes momentos do ano foi claramente ouvir isto #1

O Francisco diz que fazer listas de final do ano é mesmo coisa de geek das internetes sem vida social aprazível e com isto arrumou imediatamente setenta por cento dos meus amigos, pelo menos aqueles com quem partilhei horas-todas-somadas-dias de concertos, dj sets e imperiais repetidas à conversa a falar sobre a última grande descoberta, o mais recente disco do ano, a melhor malha de sempre, etc.
Devo dizer que o primeiro ano de ordenados não foi bem aquilo que estava à espera: talvez a forretice tivesse a ver, afinal, com forretice por si só e não mesada parca (e -bem - gasta em bilhetes para os ditos concertos). Contava comprar um disco por dia e despachar assim a minha colecção discográfica, tornando-a razoável ao final de um ano e gigante ao final de dois ou três. Descobri que não é assim que as coisas funcionam, o que, por outro lado, só me dá mais prazer ainda: não se compram discos pelo seu número, mas pelo seu valor. E sim, podia ter comprado LPs por 30 euros, podia, pois, mas não era a mesma coisa *juro por Deus que não houve aqui nenhum trocadilho idiota com aquelas publicidades da Zon*que comprar LPs por 8 e saber que tinha feito uma compra do carai. E sim, podia ter comprado montes de discos de que gostei maisoumenos e ter o inevitável gozo de os ter ali na estante, mas nunca mais os pôr a rodar. A verdade é que, mais ou menos euros na conta a prazo, oiço música da mesmíssima maneira. Pior, tornei-me mais exigente, mais e mais.
No meio do ecletismo, das pancadas com duração mínima de três semanas, e do ai, agora só oiço música da Etiópia ou de equivalentes países com fome e seca, ai agora voltei aos esquisitinhos de Brooklyn, ai eventualmente agora só quero ouvir música com mais de quarenta anos, algures a meio disso, vai-se lá saber como, tornei-me mais facilmente aborrecível. Há música hoje em dia que me dá sono, é altamente soporífera na ausência de temor, de risco, de novidade. Outra que é, única e exclusivamente, gente a fazer barulho por barulho. Barulho arrojado, mas ainda assim barulho. Bocejo nisso tudo. O bom nisso tudo é que já sou eu que me surpreendo a mim mesma "oh diabo, pensei que fosse mesmo gostar disto e afinal estou a apanhar seca" ou precisamente o inverso (substituindo "gostar" por "odiar" e "apanhar seca" por "achar brutal" ou expressão equitativa).

Isto vinha a propósito de alguma coisa que agora já não me lembro, mas, tendo em conta que comecei a escrever o texto a ouvir Fool's Gold, sou rapariga para acreditar que tenha tudo nascido nestes instantes dourados da Surprise Hotel. Talvez tenha vindo cá chamar-lhe uma das canções do ano, é provável, porque o é. Fool's Gold são o exemplo perfeito de que não basta ser engraçadinho para fundir, para criar, é preciso ser genuíno. E esta merda, personificada logo na primeira faixa do álbum, é a melhor canção africana não-africana do ano. Assim uma espécie de sashimi de espada preto com banana, mas que correu bem. Muitíssimo bem.

Não há muito para dizer. Friso de guitarrada repetitiva, daquela que se dança arrastando o corpo, xadrez de vozes de palavras pouco perceptíveis, e ritmo incansável. Uma coisa que dita assim parece assustadora, bem sei. Quando a malta se arma em africana, ui, fujo logo. Não é caso disso.

Surprise Hotel é brilhante. É difícil batê-la, mesmo eles próprios, e provavelmente não o conseguem. Mas todo o álbum é uma lente de filtros vários por onde passou muita (mas mesmo muita) da grande música que já ouvi na vida e o resultado final é tenebrosamente fresco e acolhedor. Sem vácuos.

Grandes Fool's Gold. Grandes, pá, enormes.





15.11.09

But once there was summer and you

Portanto, é claramente Outono e chove. Chove a cântaros e mal se ouve o disco que toca pelo barulho da borrasca nas janelas fechadas e o gotejo do beiral para o chão do pátio. A janela fechada, não fosse a sala inundar, e uma penumbra miliar como se as persianas estivessem corridas, pontos ténues de luz entrecortados de humidade sufocante. É, portanto, Outono e chove e é Domingo e escrevo. Circular. É agora, portanto, que chove e que é Outono, que oiço outra vez Scott Walker e tenho a certeza que acabou.

Posso hoje, que chove e é Outono e já passou, imaginar que não chovia nem fazia frio e que toda eu era calor metafórico nem que seja por alegria incandescente e reciclável, nem que seja por tamborilar coração e se derreterem sistemas circulatórios. Recriar sol e brechas de tempo onde dois dias de alegria naquele Janeiro tomam o lugar de dois anos de inferno e Inverno e migração. Não sei onde encasquetar-te a ti ou aos outros que vieram depois ou durante, por tua causa, tomar-me de relâmpago e ventania, mulher por um dia, Madalena, Maria, por todos os outros, por semanas, choro e higiene obsessiva. A lista, meu Deus, a lista, mas sobretudo tu, terreno e gélido e nós, ou eu e tu e todos eles, em calor artificial, incubando ilusões palpáveis por segundos para depois puf, nada, vácuo. E como doía o vazio, ou as frases transparentes, de partida e adeus, de regresso e perdão inócuo.

Posso hoje, que chove e é Outono, desculpar-te, não; com a sua licença, posso desculpar-me e perder o medo, obrigada por tudo, adeus e até um dia.

25.8.09

Colombia, tierra querida

Cumbia cumbia cumbia e há corpos como copos em brindes Saúde! Tchim-tchim! e de novo cumbia cumbia cumbia anca para aqui anca para cá e jogarmos a cintura em rodopio de ondas e outra vez cumbia cumbia cumbia e isto parecer-nos um disco riscado, tentar de novo, tentar só mais uma vez depois das éne que tentámos.

Cumbia cumbia cumbia e, sem dançar, meter o pé, dar por si submerso. Olha o mau exemplo que és, agora que tens idade e juízo para saber dançar, andas aí às voltas, olha o exemplo que dás cumbia cumbia cumbia, este disco riscou que isto na canção repete mas não repete assim tanto. Do outro lado da rua há quem nos espreite pela janela enquanto se finge estender roupa, regar sardinheiras, esfregar vidraças com jornais que, Deus nos valha, são de ontem, senão chega ele e pergunta pela Bola e a Bola já lá foi mas as janelas estão transparentes de tão limpas, nem se as vê e quem nos vier espreitar dá logo uma matracada com o vidro na testa, ou a testa no vidro, é como se lhe aprouver, que é para aprender a não se meter na vida dos outros, quanto mais dos outros que moram do outro lado da rua e é por tua causa e por causa dele que tens os amigos cheios de medo que não se metem em apuros de amor quando te vêem nesta cumbia vai fazer agora um rol de tempo.

Não é que a gente se esconda, que é Verão e dança-se cumbia cumbia cumbia cumbia, que o disco riscou e isto é a paga pelo capricho de comprar este disco por um preço absurdo, raios parta o disco mais o vendedor que isto está cheio de estalos e o homem que não se cala cumbia cumbia cumbia, que o disco está riscado, só pode, é a paga.

Cumbia cumbia cumbia, cumbia de Colombia e pronto, já passou o risco com um salto, resta saber se também saltamos que me doem os tornozelos dos saltos e das quedas e me arrefecem os dedos, resta saber se já aprendeste, olha o exemplo que dás ao ter medo, és homem ou rato, e agora shiu, brindemos, dancemos, mãos aqui e olhos fechados, não pensemos nisso agora, cruzemos os dedos para que a canção dure mais do que aquilo durou sempre cumbia cumbia cumbia, cumbia de Colombia.

24.8.09

Areia, parte 1.

(Breves regressos para ganhar força)



Staff Benda Bilili :: Avramandole

Benda Bilili significa "olha para além das aparências". Também podia significar "o disco de dança por excelência do ano". O resto não importa (podem ver o que é "o resto" em todos os textos sobre a banda, habitualmente logo ao primeiro parágrafo. Por cá: festa da boa e Sines para o ano*!)

(*Tornar a mentira verdade é possível se a repetirmos com veemência.)

20.8.09

Interrompemos a emissão para vos dar conta que

O Mac é o computador mais inteligente do mundo.

Alt + . = …

Acabou-se isso de andar a premir três vezes o ponto final. A C A B O U - S E.

26.5.09

When Joanna left me, May became December.

Por favor: apaga a luz quando fechares a porta.




Scott Walker :: When Joanna loved me

Ainda a perdes; agarra-a bem.

Há uma imagem algo vaga de duas pessoas correndo, uma ao lado da outra, respirando ruidosamente, ofegantes e afogueadas, de punhos fechados e passos simétricos e alinhados. Do outro lado do passeio, um casal arruma o saco do bebé na parte de trás do carrinho; ele olha para um dos corredores, adivinha-lhe o corpo esguio, os músculos esbatendo as curvas, é uma mulher e não desvia o olhar. Hoje não vai olhar assim nenhuma vez para a mãe do seu filho, embora reconheça naquela criança cada traço que o fez gostar dela da primeira vez que se viram tão igual à mãe tão perfeito.

Os dois retomam a marcha e ele empurra o carrito pelo passeio, desenha-se um sorriso em tubo de ensaio e o coração até se lhe enche de alegria quando levanta a roca de borracha do chão não deita ao chão senão perde o brinquedo! e ele adivinha o braço da mulher nas suas costas, é carregado e ansioso, aquele toque e ele suspira aliviando aquele peso com a ideia de que é o braço atlético da corredora que o abraça.

Há um sobressalto do carrinho que lhes estuca a marcha e, do outro lado onde passaram há pouco os corredores em grande velocidade, apoia-se um casal em bengalas, com o braço que está livre cruzado junto à cintura. Ele abraça a mulher sem olhá-la. Prevê-se naquela imagem; nunca correrá.

Equador

Enquanto o sono não chega como trapos andrajando-te a marcha, se fosses um pássaro de asas azul-cobalto livre na floresta da Tijuca, poderias cantar as canções que nunca esquecerias mesmo que amanhã eu te deixasse por outros solos. Sabes que me vou mas não te deixo nunca, estarei nestes troncos como seiva nutrindo, serei o âmbar que fossiliza as tuas recordações cristalizando-as de amarelo-Vénus. Se me deixares tu primeiro, persigo-te o vôo até Fez onde me doerá a vista pela tua ausência presença nas tinturarias anil. Doem-me os ossos ocos na antecipação.

24.5.09

I.

Sentou-se à beira da cama no seu quarto e estragou o aprumo em linhas rectas do edredão estendido. Um edredão uma vez branco agora amarelado, com relevos de losangos e hexágonos como uma bola de futebol. Como se fosse robotizado, pegou na sua mão direita e alisou as pregas do seu peso, o edredão novamente liso estendia-se agora até às duas almofadas de baínhas rendilhadas, altas, simétricas. À frente dele, um toucador com gavetas, um espelho onde evitava ver-se reflectido. Não precisava, já se sabia de cor. Àquela hora da madrugada (em que o sol ainda não nascera mas a noite já não estava cerrada), sabia que a directa lhe cavara olheiras negras e fundas sob os olhos, o álcool lhe secara os lábios, que empalideceram gretados e o cansaço o emagrecera. Garante sempre a si mesmo que não voltará a repetir noites destas - define-as assim "noites destas", por não saber distinguir esta de outras, por não saber discriminar isto daquilo, as duas das cinco da manhã. Sabe de um jantar em casa de um amigo, sabe de umas bebidas, sabe do sabor doce dos lábios de uma mulher (primeiro nos seus, depois no seu sexo, numa casa de banho enquanto ela lho chupava), sabe de ter voltado a olhar para ela quando ela subiu pelo seu corpo acima, levantando os joelhos do chão mijado e de como lhe veio o vómito à garganta, sabe só mais ou menos do táxi que o levou a casa.

Deixa cair o telemóvel no chão e o silêncio é tal que parece um tiro surdo. Deita-se com medo, treme, espera uns largos minutos. Apercebe-se que não foi desta que morreu e soergue-se. Há algo de extremamente asqueroso nisto tudo, vómito, sémen, o seu suor, que ignora propositadamente. Volta a fitar o telemóvel muito concentrado, tenta escrever uma sms. Primeiro não consegue abrir o separador "Criar mensagem nova", depois quando finalmente abre não sabe o que ia a escrever. Continua com o telemóvel na mão e descalça-se, a sola dos sapatos pegajosa. Lembra-se "Cheguei a casa. bjs" com muitos números e éles pelo meio porque não acerta nas teclas. Agora esqueceu-se do destinatário. Perde a paciência, manda o telemóvel para o chão.

Silêncio, outra vez. Já não se voltou a assustar com o barulho da queda. Puxa uma almofada e espalha-se na cama na perpendicular, os pés para o lado da janela, à esquerda. Já amanhece.

Antes de adormecer vem-lhe à cabeça que bebeu whisky. Ainda fecha os olhos com força mas não lhe ocorre mais nada. Subitamente, um novo silêncio, mais vazio, mole, caramelizado.

14.4.09

Uma questão de fé. (Faith/Void)

Guardei uma imagem mental da Isabel na cabeça. É mais que uma, aliás, mas não mais que duas ou três; como fotografias, instantes breves e triviais mas que me ilustram aquilo que ela era. Num, ela está sorridente a apanhar o cabelo no alto da cabeça. Não está sorridente, está mais do que isso; sorri com a cara toda enquanto conta a manhã com o Zé a jogar básquete no campo do adro da igreja de S. José, em Coimbra, claro. Noutra serve-me Coca-Cola enquanto me diz, a mim e à Jenny, outra vez sorrindo com a cara toda, os olhos, os malares, o pescoço, todos rendidos naquele sorriso, que a ressaca cura-se com Coca-cola (e temos juntas lhe dado razão desde então). Ainda noutra, mostra-me a casa nova, arredores de Coimbra, uma zona cheia de terras alagadas e cegonhas, e o jardim, completamente florido, cheio de cores, vibrante, à sua imagem. Aqui e acolá consigo me lembrar de outras frases, das vezes que foi à Madeira, coisas assim, mas estas três imagens ninguém mas tira, polaroids de momentos de nada que me acompanham desde que nos despedimos.

Era uma pessoa demasiado especial para ser facilmente esquecida. Demasiado especial para ser levada assim, em poucos meses de luta. Às vezes acredito mesmo nisso da Isabel estar bem mais resolvida na vida do que qualquer um de nós, como disse a Ru este fim de semana "espiritualmente mais evoluída" do que nós - não tenho dúvidas. Egoisticamente, isso consola-me. Qualquer outro ficaria por aí a penar, a resolver tudo o que não resolveu na vida terrena, assombrando a vida de outros e os próprios espaços que ocupava, ela não; ela pode ficar tranquilamente a observar-nos, feita anjo da guarda que sempre fôra em corpo. Imagino-me a mim morta, com tanto para dizer e fazer ainda. Sou um ser tão imperfeito e, por culpa minha, nada do que me pertence é meu. Parece que passamos pela vida mortos, que estúpidos.

Não sei lidar com a morte como perda senão como falha. O meu curso não mo ensinou nem a vida, no final de contas. Pela primeira vez tive que enfrentar que não mais hei-de encontrar-me com uma pessoa que me é querida. Cruzar assim normalmente, se é que me entendem. A Isabel estará por aí? Ler-me-á este post? Não sei. Recentemente deixei de acreditar nas minhas crenças e parei de duvidar dos meus disbeliefs. Está tudo ao contrário neste mundo terrível. Se ao menos todos aprendêssemos a viver em linhas direitas, não sei. Não sei lidar com a vida como ganho senão como construção.

Este Deus que me suportava as dores e as alegrias fez-me pouco sentido nos últimos tempos, que espécie de ser grandioso - egoísta por sinal - rouba uma mãe ao seu filho, uma filha aos seus pais, uma mulher necessária ao mundo que dela precisa? É injusto, eu sei, alguém tem de morrer, enquanto por minuto nascem milhares de crianças, mas porquê? Devia aqui caber sempre mais um. E que tipo de oração é esta que faz parar um coração enquanto batem outros milhares? Na Igreja falam-nos do poder da fé, no poder do Ser omnisciente e omnipresente que a todos ajuda - a Isabel era religiosa, católica praticante, uma mulher cheia de fé - também a admirava por isso; porque não lhe pôs Deus a mão por baixo? Como é que é possível nestes anos todos ter acreditado que Ele mudava o curso das coisas se Nele acreditássemos?

Ainda O vejo nas pequenas coisas, embora com alguma dificuldade, renova-se-me a fé quando recebo o Sol na cara, quando choro emocionada, quando amo alguém sem mais nada, quando o roseiral da campa da Isabel desabrocha em flores do mais belo rosa pálido que já vi. Mas não O noto muito capaz de grandes milagres. Não agora, não aqui.

Ironicamente acabo o post e o Bill Callahan canta "It's time to put God away". A Ele voltaremos. Haja fé, pelo menos nisso.

19.3.09

Do passado, outra vez: "Sei que partiste e avisaste"

Sei que partiste e avisaste. Ao contrário das outras histórias de amor, dizias: “Eu não sou perfeita.” Não sabias que a perfeição reside em ti, nos teus gestos, nos teus olhos cor de lagoa. Olhavas-me nos olhos e ameaçavas: “Qualquer dia vou-me embora.” Não aguentavas esta hipocrisia de país, o desespero das avós reformadas, das mães em part-time, dos políticos sem ideias, dos artistas estagnados. Achavas que ias encontrar um mundo melhor. Eu ia vivendo assim, ouvia-te falar sem parar das máfias, dos lobbies, ia acenando que sim a tudo, mas do que eu queria mesmo saber era do meu ordenado ao fim do mês, do meu nariz comprido, do meu umbigo redondo. Se o mundo andava ao meu lado, eu nem me dava conta. Era feliz… Bom, pensando nisso, se calhar não era feliz, mas contente. Estava contente com a vidinha simplória que levava (levo), não precisava de mais nada. Por isso ia dizendo que sim aos teus discursos, dava uma moeda de cinquenta àquela romena que dormia com o filho à entrada do meu prédio e ia vivendo. Era o que eu andava a fazer, a ver a vida passar-me como uma apresentação de slides.
Ameaçavas: “Qualquer dia vou-me embora.”. Eu ria-me, achava piada à tua mania de que eras capaz de mudar o mundo com um bilhete de comboio. Se calhar do que eu gostava mesmo era da forma como os teus olhos brilhavam quando falavas e eu te ouvia, como a cor lodacenta se tornava orvalho quando te entusiasmavas.

Não perguntavas se eu queria ir contigo porque sabias que eu não queria. Também nunca acreditei que fosses mesmo embora. Que fosses capaz de mudar assim a tua vida, mas é estranho, quando li a tua carta naquele domingo, não me espantei que tivesses ido. Queria ter-me despedido de ti, ter-te levado a jantar naquele restaurante onde eu prometera que iríamos jantar quando te pedisse em casamento. Talvez o fizesse e levavas-me contigo, Paris, Milão, São Petersburgo, fosse onde fosse.
Fiquei durante muito tempo - e estou a falar de um ano e tal - a pensar que voltavas. Nunca saía de casa com medo que me tocasses à porta e não me encontrasses. Li muito porque não te queria desiludir quando cá estivesses, queria estar à altura das tuas conversas.
Perguntava à Sofia, à Ellie o que era feito de ti e elas diziam-me que tinham sido apanhadas desprevenidas tal como eu, mas depois desse ano à tua espera, soube que era mentira, que foste jantar com elas (e não comigo) na véspera de ires embora, elas até tinham ficado com o teu novo endereço. Copenhaga.

Achavas que estava parado no tempo, eu era contra o aborto, contra a legalização das drogas leves, contra a entrada de minorias étnicas do país. Suspiravas “Quadradão.”

Queria muito que voltasses, Lídia. Queria que te dizer que afinal já gosto de Pessoa e de Reis, e que o “O Ano da Morte de Ricardo Reis” já é o meu livro favorito, e que afinal andar de metro e autocarro não é tão mau quanto parece, que o Japonês do Bairro Alto é o meu restaurante preferido, que soja e tofu são pratos deliciosos, que a moca de um charro enrolado é um desprendimento momentâneo da alma, queria dizer-te que o cinzeiro pode, às vezes, estar cheio de cigarros mortos, que afinal as putas são vítimas e não culpadas, que de facto este governo é uma merda e este país se calhar não vale tanto quanto eu achava mas que, no fundo, é o meu país e eu gosto dele assim, com o seu Fado de pequeno país mediterrânico que não abusa do tomate, que os homossexuais são pessoas como as outras mas com um desejo sexual diferente do meu, que a manteiga pode estar cheia de migalhas de torrada.
Sempre disseste que ias embora. Com os teus olhos cor de lagoa presos num vaguear etéreo, sentavas-te longe de mim e afirmavas, com as certezas todas do mundo na tua mala e a esperança dentro do necéssaire, “Um dia vou mesmo”.

Publicado a 14 de Novembro de 2004.

The past was a blast, oh yes.

Acometida de uma súbita falta de sono, de que o café há pouco não será ilibado de culpa, ponho-me a reler os posts do Crime Passional, para republicar por aqui (lei do menor esforço, vivaaaa!). A verdade é que não há muita coisa publicável, tendo em conta que os textos eram resultado de interacções e conversas que se passaram num tempo e local específicos. Caramba, há lá posts sobre o meu ex ex namorado quando ainda era namorado e nem tinha conhecido (conhecido sequer!) os meus últimos heartthrobs.

Já nem me lembrava que a vida uma vez aconteceu sem as pessoas de agora, de hoje, incrível como estas se tornaram tão indispensáveis. É bom se tornar outra com os pés no chão.

Growing older, fitter, happier. (A sério, isto não é Radiohead, embora não tenha mal nenhum parecer que seja.)

14.3.09

O maravilhoso mundo das internétes.

@utilizadoresdotwitter sinto como se uma página da vida da internet me estivesse a passar ao lado.

Um twitter meu seria tão desinteressante como "Agora vou ouvir Matt Elliott enquanto arrumo o quarto.", "@alguém, o 30 rock é a melhor série de sempre. sou a tina fey." e citações de canções e de livros, acompanhadas de "sinto algum borborigmo intestinal." ou "preciso de treinar a bexiga para urninar menos vezes agora que bebo muita água".

Melhor ainda era um twitter com os meus progressos no ginásio, acompanhado dos desejos alimentares súbitos pregnancy-like-but-not-even-close. Ontem tive de ir de urgência ao supermercado comprar batatas fritas Lay's Gourmet . Aquela textura estaladiça por causa da maior espessura da batata acalenta-me a esperança por um mundo melhor.

Um mundo onde os meus netos ouvem o Matt Elliott e vão mostrar aos amigos "encontrei este disco em casa da minha avó, esta merda é perfeita", dirão. Espalhem a palavra, encontrei a redenção. (Que belo concerto ontem, b r u t a l.)

@pedromorsa, @oprah já tive um cocker spaniel assim, o Napi. Ainda hoje tenho saudades dele.

10.3.09

sem título

Morreremos um dia, dia após dia, um atrás do outro, alguém primeiro. Já nos sinto definhar, somos nós tanto quanto padecemos de uma grave doença terminal, e, enquanto asfixiamos em pathos, resolvemos ser melhores e mais voluntariosos, terminar em beleza diria o atencioso empregado de mesa enquanto enumera a carta de sobremesas.

Sempre fôramos eternos reféns de um entidade deixada por definir, enfermos da própria anunciada cura, cegos. Embora soubéssemos.

Que um dia cairíamos ao leito, consumidos por nós mesmos, sucos gástricos e bílis, ou então, mais plausivelmente ainda, já não darmos conta do recado e isto tornar-se maior que nós, de tal forma que já nem o corpo suporta o crescimento e a prosperidade, que antes nos fôra tão cara, seja apenas mais uma arma da nossa dolência.

Morreremos um dia com a certeza de que mortos estaremos mais vivos.

27.2.09

Sip this wine and pass the cup.

O Terras do Pó 2007 da Casa de Ermelinda Freitas, Palmela, é um bom vinho mas precisa de respirar. Está cada vez melhor à medida que vamos esvaziando a garrafa.

26.2.09

Recordação #1: Crime Passional.

Agarrei numa faca e matei-o. Em linhas gerais foi o que aconteceu. Uma faca daquelas que cortam carne assada e rosbife em fatias muito finas. Às fatias podia ter ficado ele, se me apetecesse. Foi a única vez na nossa relação que achei que era eu que tinha o controlo de tudo, a vida dele nas minhas mãos, o sangue dele entre os meus dedos.

Abri a porta e matei-o, sim. Mas não contes a ninguém. Qualquer dia descobrem-no morto, deitado naquela cama onde nunca me deitei, onde sempre se deitou a outra. E vão arranjar suspeitos, vais ver. Nunca vão descobrir que fui eu. A sério.

Usei luvas. Parecia profissional. Abri a porta e matei-o. Com uma faca, já disse que foi com uma faca? Daquelas de cortar rosbife…
E a faca nem era minha, era dele, estava lá na cozinha pronta para cortar a carne para o jantar dele. Se calhar ele ia jantar com a outra. A outra ia jantar a casa dele como tantas vezes acontece.

Sabes que a cozinha fica longe do quarto? Na casa onde ele morou sozinho, o corredor maior separa a cozinha do quarto. Foi esse corredor que eu atravessei, com a faca na mão, em passos pequenos, respirando fundo. Mas não penses que estava nervosa. Não. Estava decidida.
Bati duas vezes – duas? Ou foram três? Já não me lembro e não importa. Bati na porta do quarto e ele estava de toalha enrolada na cintura, sentado na cama, a se olhar ao espelho. Já te tinha dito que ele ia tomar banho quando eu cheguei lá ao apartamento? E ele disse “Vou tomar banho, esperas por mim na sala que a gente já fala.” Foi esta a frase, sem mais nem menos. O que ele me ia dizer, eu não sei. Fui eu que lhe liguei para estar com ele. Sou sempre eu que lhe ligo. Ou ligava. Deu-me agora para pensar se ele estará mesmo morto. Bem, deve estar.

De qualquer maneira, onde é que eu ia? Pois, ele estava sentado na cama a se olhar ao espelho. Sabias que ele era narcisista? Eu não imaginava. Tanta coisa que soube dele e só soube essa no dia da morte dele. A maneira como ele se olhava ao espelho dizia tudo. Bom, eu abri a porta e ele estranhou a minha presença. Notei isso no seu olhar, como se pressentisse alguma coisa. Talvez a sombra da Morte sobre ele, a nuvem do eterno desaparecimento. A faca ia atrás de mim, entre as minhas duas mãos enluvadas. Luvas quentes para um dia de Verão como este, de sol tórrido. Eu preferia ter feito isto num dia de chuva, de relâmpagos, trovões, mas tinha que ser feito hoje. Os carros na rua, as britadeiras da obra não deixaram ouvir o primeiro grito de dor.

Ele gritou de dor nas primeiras três facadas. Depois começou a sangrar e desmaiou quando viu o sangue. Outra coisa que eu não sabia sobre ele. Faz-lhe impressão o sangue. Fazia-lhe. As primeiras três facadas foram no abdómen, do lado esquerdo, devo ter atingido o baço, o estômago. O baço sangra imenso quando é traumatizado porque está cheio de sangue lá dentro. As outras duas facadas também foram no abdómen mas mais abaixo e do lado direito. Entre as primeiras três facadas e as últimas duas eu acordei-o do desmaio. Dei-lhe umas bofetadas na cara, chamei-lhe pelo nome e ele viu-me. Tentou falar, agarrar-me, sabes? A típica cena de filme, arrependimento, dúvida. Mas só na cabeça dele. Na minha só batia uma coisa: acabar o que tinha começado.”Porque é que estás a fazer isto?” E eu sem responder, a mandá-lo calar. E ele a agarrar-me. Estava tão lívido, coitadinho, já nem forças tinha para respirar, quanto mais para parar uma pessoa que faz exercício três vezes por semana – tenho ido ao ginásio nos últimos tempos, devias vir também que aquilo é tão relaxante.

A certa altura só vi sangue à minha volta, nos lençóis, a pingar para o chão, nas almofadas, na toalha, no meu cabelo. Quase que tinha um orgasmo. Foi sexual, eu por cima dele, em domínio, a agarrá-lo e ele com aqueles olhos tristes, a olhar-me, a boca a querer mexer e a não poder, e eu a beijá-lo pela última vez, e ele a esbracejar, a espernear, a língua a querer articular mais uma palavra e a não poder. Pus a cabeça dele no meu colo, numa atitude pós-coito, ele cada vez mais calmo, mais em paz. E eu disse:”Morre, meu amor. Não lutes mais e deixa-te ir. Meu amor.” Ele começou a tossir, tossia, tossia. E eu sempre “Deixa-te ir, amor. Deixa-te ir.” Antes de ele tossir pela última vez olhou para mim e puxou-me pela mão que lhe acariciava os cabelos. E então tossiu pela última vez e eu soube que estava feito.

Já escolheste? A mim não me apetece carne, vou comer peixe assado. Já podes chamar o empregado. Bebemos vinho?

Olha, eu sei que não foi uma morte bonita, mas também há mortes piores. E tu sabes que eu fiz isto por mim. Por ele também. Este amor estava a levar-me à loucura. E foi o momento em que mais próxima me senti dele, um instante visceral. Se ele não morresse, e pára de olhar para mim com essa cara, eu ia enlouquecer apaixonada por ele e ele sem me dar bola, sempre com a outra. Porque ele fingia que gostava dela mas gostava de mim. E eu se o visse, eu se o visse, eu sempre que o via, apaixonava-me de novo. Se eu o visse para sempre, ficava para sempre apaixonada porque gostava demais dele, demais. Demais. Sentia-o junto a mim. E a sua presença estava por todo o lado, pela minha casa, pela minha cama, pela minha música, pelos meus livros, pelos meus perfumes. Eu gostava demais dele e isso tinha que acabar.

E chama o empregado se fazes favor que estou cheia de fome.

Publicado a 27 de Julho de 2004, inspirado numa letra do Adolfo Luxúria Canibal.

Encher chouriços.

À falta de coisas novas por aqui, vou recuperar, em alguns posts, textos que escrevi no saudoso Crime Passional. Vai ser giro ver se houve evolução na forma de escrever nestes últimos cinco anos.

25.2.09

Já que não errar parece impraticável



Esta frase nunca me sai da cabeça.

19.2.09

Acerca do novo canal de notícias da TVI.

Três factos que me fazem questionar a sua credibilidade:

1. A Alexandra Lencastre e o Pedro Granger vão ter cada um o seu programa. A segunda personalidade referida é só das pessoas mais irritantes que algum dia nasceram em Portugal. Quanto à primeira: renascerá, qual Fénix, culta e intelectual, ao melhor estilo Bárbara Guimarães e o seu Páginas Soltas.

2. As publicidades têm a cara do Cristiano Ronaldo, essa inequívoca face da actualidade contemporânea, o rosto da viragem política, a resposta à crise, o líder que Portugal procurava - e se eu não souber da vida dele ao segundo, não sei o que será de mim como ser humano social.

3. É da TVI. Isto significa saber de fenómenos do Entroncamento mal germinam nas hortas e assistir em directo a machadadas entre vizinhos por causa de ramos de cerejeiras.

Cada um tem o que merece.

9.2.09

Mãos quentes, coração frio.

Chupámos sorvetes de citrinos em verde alface que nos pintavam a ponta da língua e nos faziam rir por finalmente parecermos os extraterrestres que realmente éramos. Usava saias pelo joelho, com sapatos de menina, lenços ao pescoço para os ventos da montanha, tu e as tuas camisolas tricotadas, ora flocos de neve, ora losângulos, ora tantos outros motivos geométricos, qual tangram de lã ao peito, ora lisas, sempre cinzentas ou azuis. Passávamos Invernos inteiros em manhãs compridas e tardes de nada, junto à lagoa a ver se gelara, coisa que nunca aconteceu durante uma infância e uma adolescência inteiras (as nossas), perto do rebanho enquanto pastava

lembro-me de tu gostares do cheiro da erva mastigada, um aroma qualquer agridoce que ainda hoje me traz vómitos à boca, e de eu detestar tudo aquilo, aqueles animais molengões na preguiça do mastiga engole regurgita, de invejar os animais por passarem incólumes a tudo, nós a protegê-los e quem nos protegia a nós?

depois no pomar, a ver se brotava qualquer coisa verde, e éramos por isso os primeiros a topar a Primavera quando chegava, graças aos primeiros galhos frescos, porque a Primavera nunca nos chegou em Março, mas sempre em Fevereiro, quando parávamos de comer carne, não por causa da aproximação da Páscoa, apenas porque dos animais que tínhamos, mais nenhum podia morrer, passávamos o resto do mês a castanhas com couves e cenouras e outras raízes que ainda há dias comi num restaurante e logo me veio à cabeça o fim de Fevereiro, o Carnaval, e a hora de almoço ser solarenga e quente junto ao fumeiro e a tarde no pomar, às vezes a subir às árvores ou a fingir que fazíamos piqueniques na terra cheia de musgo.

Este Inverno foi mais frio que o costume e dei por mim a pensar que aí deveria ter gelado finalmente a lagoa e que poderíamos ter cumprido aqueles sonhos de que já me esqueci por completo que sonháramos. Não sei porque desejámos durante um terço da vida que a lagoa gelasse quando agora estamos sós e nos se gelaram os corações - e assim fica explicado porque temos sempre quentes as mãos.

Se não morres do veneno, morrerás do antídoto.

Há alguma forma de parar a hemorragia do nariz?

Carrega na narina, nos ossos próprios do nariz, durante um minuto ou mais. E chama-se a isso epistáxis.

Carrego aqui, não pára.

Há uma forma de fazer parar a hemorragia que é carregando na narina, mas se não carregares não pára.

Dói-me.

O nariz?

Dói-me mais quando carrego do que quando sangra.

Preferes sangrar?

Achas que morro?

Eu é que sei.

Já sangra há imenso tempo.

Carrega na merda da narina, foda-se.

Passa-me um lenço.

...

Não vais carregar?

Pode ser uma hemorragia mas ao menos tenho qualquer coisa minha, ainda que incompleta. E assim não dói, se carregar é que dói.

Something to live for?

And cherish.

...

Somos uma cambada de idiotas.

Só descobriste agora?

25.1.09

*confettis*

Já comecei quatro posts diferentes e nenhum resistiu ao primeiro parágrafo.

Era só para lembrar que ontem cumpriram-se quatro anos desde que cá estamos. Não juramos estar cá mais quatro, ficamos enquanto der, eu uma estudante de Medicina feita médica com o meu blog a precisar de psicoterapia, coitado.

O post de aniversário será inspirado na Barbarella do Samuel Úria ou não, só porque se canta que recuamos para a frente e avançamos para trás, a história da minha vida da frente para trás, num par de versos.

Olha, quatro menos dois dá dois: metade disto é teu, se o quiseres. Quando eu morrer, levas isto daqui e fazes com isso o que te der vontade. Não vais estar muito triste, espero, por isso podes até rir-te enquanto nos rasgas.

18.1.09

ISTO ESTAVA ESCONDIDO PARA LÁ MAS EU JÁ DESCORTINEI.

No more runnin'
says my mind.

All this movement
has just proved
your kisses are too fine.

Hold the honey that i see
friends i once had
turn their thoughts away from me

...

It's what I hoped for.

(oh)

No more running.

Animal Collective :: No more running

(Mais um post sobre o Merriweather Post Pavillion e ficam autorizados para me boicotarem o blog.)

Noutros assuntos mais ou menos relacionados

É só o meu iTunes que tem uma panca de vez em quando e limpa a biblioteca?

Abro aquilo e, de repente, tenho a biblioteca vazia como se tivesse acabado de instalar o programa.

ãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnãopáresnã

A cabeça diz "pára lá de ouvir isso, rapariga!, antes que enjoes, mulher!, que parvoíce, vai chegar a Fevereiro nem vai poder ver isto à frente, que abuso" mas não consigo. Há sempre qualquer parte do corpo que pede play e

Met a dancer
Who was high in a field
From her movement
Caught my breath on my way home
Couldn't stop that expanding force

a In the flowers começa e, quando dou por mim, já estou a ouvir o álbum outra vez. E outra vez depois, porque nunca sei o que ouvir depois de tudo isto. E outra.

Eu não queria enjoar (e por enquanto estou tão longe disso) mas é mais forte do que eu, esta força expansível que não dá para parar.

Ainda assim, a canção do fim de semana foi a I've got you under my skin cantada pela Ella Fitzgerald. Clichés, viva!

17.1.09

Dá-me a tua morada.

A menina usava vestidos magenta cor de rosas de Inverno, como aquela que perdia pétalas enquanto o Monstro esperava o amor. Sentada nas escadas da porta, segurando com as duas mãos as asas do saco que prendia com os joelhos, chupava rebuçados enquanto dissolvia a tarde em calda de açúcar e pôr do sol e era ali que o Amor era só uma personagem num filme bacoco, ali onde espreitava o algeroz que escoava a sujidade da cidade, ali onde ervas daninhas irrompiam nas dobras do cimento do passeio, ali onde o seu vestido não ganhava vincos no degrau frio. Nem olhou para o relógio, não tinha para onde ir, nem sentiu frio - e por isso não vestiu o casaco, como se cumprimentasse as pessoas que andavam na rua e fosse isso agasalho suficiente, uma gota de sangue vivo na página deste livro que se escreve todos os dias.

Depois cansou-se, ficou com sede. Agarrou num pauzinho e escreveu na parede de fungos junto à porta

I've got you under my skin.

e foi embora.


Até hoje não sabemos quem morava lá.

9.1.09

O amor e uma cabana.

Ainda a procissão vai no adro, mas cá vai, aposto, a canção do ano. Daqui a um ano falamos.
There isn't much that I feel I need
A solid soul and the blood I bleed
With a little girl, and by my spouse
I only want a proper house

I don't care for fancy things
Or to take part in a vicious race
And children cry for the man who has
A real big heart and a father's grace
and a father's grace

I don't mean to seem like I care about material things

(like a social status)

I just want four walls and adobe slabs for my girls
Animal Collective :: My girls | Merriweather Post Pavilion (para quem ainda não ouviu, vício já!)

8.1.09

Lembram-se do meu vizinho de cima?

Está a ouvir National agora.

(E há uns meses descobri que é vizinho de baixo.)

7.1.09

Monotemática. (Eu e eu à conversa.)

Há pessoas que foram feitas para nos partirem em bocados e termos de nos colar e enganarmo-nos na montagem das peças e saírmos sempre um bocadinho diferentes do que éramos, ou então isto sou eu bem mais capaz e a pensar friamente e à dist

Isto vai ser sobre amor de novo?

Sobre que queres que fale então?

Não sei, sobre fruta, sobre bosques, sobre uma rua cheia de trânsito.

Não tenho histórias sobre fruta, bosques ou ruas cheias de trânsito, lamento.

Ia ser sobre ti?

Ia ser sobre o outro.

A tal rua podia ter azinheiras nos passeios dos dois lados e pessoas à espera do autocarro.

E estava um casal de mão dada?

Sem amor, Joana, só desta vez.

Ai foda-se, sem amor, mas sem amor o quê? Essas pessoas na paragem são todas individualistas ou o amor não lhes interessa, é isso?

Claro que não, são casadas e têm filhos e cuidam dos pais e dos avós e dos tios e recebem primos da terra em suas cas...

E julgas que isso é sem amor, porra?

É amor, pois claro que é.

Então para a próxima não me interrompas, ora bardamerda.

Deixaram marca, em 2008, os seguintes concertos:

The National :: Aula Magna, 11.05

Animal Collective :: Lux, 28.05

Bill Callahan :: S. Alquimista, 01.06

Extra Golden :: ZDB, 02.07

Beach House :: Maxime, 16.11

The Walkmen :: Tivoli, 04.12

Muita pena por não ter ido a Sines ver a Rokia e a Orchestra Baobab e à ZDB ver um monte de coisas, incluindo Dirty Projectors e No Age. Este ano não dava, mesmo.

4.1.09

2008, o ano do garimpeiro musical.*

Não houve álbum algum que se destacasse para o lugar cimeiro, como nos últimos dois anos. Vou considerar aqui El Guincho e Bon Iver como 2008, apesar de serem de 2007, em mais um fenómeno Arcade Fire 2004/2005 (por acaso o verdadeiro fenómeno Arcade Fire é com Tough Alliance, que para mal meu e para bem das regras destas coisas, não pode entrar catapultado para o número um porque é mesmo de 2007, não há mesmo nada a fazer, não há edição UK que me salve). Bom, assim sendo, vamos lá:

1|Beach House| Devotion
2|Al Green| Lay it down
3|Arthur Russell| Love is overtaking me
4|Bon Iver| For Emma, forever ago
5|El Guincho| Alegranza
6|Air France| No way down EP
7|Hot Chip| Made in the Dark
8|Gang Gang Dance| Saint Dymphna
9|Fleet Foxes| Fleet Foxes + Sun Giant EP
10|Osborne| Osborne
11|Jamie Lidell| Jim
12|Department of Eagles| In ear park
13|Why?| Alopecia
14|Deerhunter| Microcastles
15|French Kicks| Swimming
16|Silver Jews| Lookout mountain, Lookout sea
17|Sebastian Tellier| Sexuality
18|Erykah Badu| New Amerykah
19|No Age| Nouns
20|Buraka Som Sistema| Black Diamond

21|Camané| Sempre de mim
22|Diskjokke| Staying inn
23|Gala Drop| Gala Drop
24|Fuck Buttons| Street Horrsing
25|Excepter| Debt Dept.

E eu que pensava que tinha ouvido pouca coisa este ano... Até fiquei com azia, que vou alegremente curar com chá de menta.

*expressão com copyright André Chêdas, Dezembro de 2008.