8.12.09

Um dos grandes momentos do ano foi claramente ouvir isto #1

O Francisco diz que fazer listas de final do ano é mesmo coisa de geek das internetes sem vida social aprazível e com isto arrumou imediatamente setenta por cento dos meus amigos, pelo menos aqueles com quem partilhei horas-todas-somadas-dias de concertos, dj sets e imperiais repetidas à conversa a falar sobre a última grande descoberta, o mais recente disco do ano, a melhor malha de sempre, etc.
Devo dizer que o primeiro ano de ordenados não foi bem aquilo que estava à espera: talvez a forretice tivesse a ver, afinal, com forretice por si só e não mesada parca (e -bem - gasta em bilhetes para os ditos concertos). Contava comprar um disco por dia e despachar assim a minha colecção discográfica, tornando-a razoável ao final de um ano e gigante ao final de dois ou três. Descobri que não é assim que as coisas funcionam, o que, por outro lado, só me dá mais prazer ainda: não se compram discos pelo seu número, mas pelo seu valor. E sim, podia ter comprado LPs por 30 euros, podia, pois, mas não era a mesma coisa *juro por Deus que não houve aqui nenhum trocadilho idiota com aquelas publicidades da Zon*que comprar LPs por 8 e saber que tinha feito uma compra do carai. E sim, podia ter comprado montes de discos de que gostei maisoumenos e ter o inevitável gozo de os ter ali na estante, mas nunca mais os pôr a rodar. A verdade é que, mais ou menos euros na conta a prazo, oiço música da mesmíssima maneira. Pior, tornei-me mais exigente, mais e mais.
No meio do ecletismo, das pancadas com duração mínima de três semanas, e do ai, agora só oiço música da Etiópia ou de equivalentes países com fome e seca, ai agora voltei aos esquisitinhos de Brooklyn, ai eventualmente agora só quero ouvir música com mais de quarenta anos, algures a meio disso, vai-se lá saber como, tornei-me mais facilmente aborrecível. Há música hoje em dia que me dá sono, é altamente soporífera na ausência de temor, de risco, de novidade. Outra que é, única e exclusivamente, gente a fazer barulho por barulho. Barulho arrojado, mas ainda assim barulho. Bocejo nisso tudo. O bom nisso tudo é que já sou eu que me surpreendo a mim mesma "oh diabo, pensei que fosse mesmo gostar disto e afinal estou a apanhar seca" ou precisamente o inverso (substituindo "gostar" por "odiar" e "apanhar seca" por "achar brutal" ou expressão equitativa).

Isto vinha a propósito de alguma coisa que agora já não me lembro, mas, tendo em conta que comecei a escrever o texto a ouvir Fool's Gold, sou rapariga para acreditar que tenha tudo nascido nestes instantes dourados da Surprise Hotel. Talvez tenha vindo cá chamar-lhe uma das canções do ano, é provável, porque o é. Fool's Gold são o exemplo perfeito de que não basta ser engraçadinho para fundir, para criar, é preciso ser genuíno. E esta merda, personificada logo na primeira faixa do álbum, é a melhor canção africana não-africana do ano. Assim uma espécie de sashimi de espada preto com banana, mas que correu bem. Muitíssimo bem.

Não há muito para dizer. Friso de guitarrada repetitiva, daquela que se dança arrastando o corpo, xadrez de vozes de palavras pouco perceptíveis, e ritmo incansável. Uma coisa que dita assim parece assustadora, bem sei. Quando a malta se arma em africana, ui, fujo logo. Não é caso disso.

Surprise Hotel é brilhante. É difícil batê-la, mesmo eles próprios, e provavelmente não o conseguem. Mas todo o álbum é uma lente de filtros vários por onde passou muita (mas mesmo muita) da grande música que já ouvi na vida e o resultado final é tenebrosamente fresco e acolhedor. Sem vácuos.

Grandes Fool's Gold. Grandes, pá, enormes.





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