Portanto, é claramente Outono e chove. Chove a cântaros e mal se ouve o disco que toca pelo barulho da borrasca nas janelas fechadas e o gotejo do beiral para o chão do pátio. A janela fechada, não fosse a sala inundar, e uma penumbra miliar como se as persianas estivessem corridas, pontos ténues de luz entrecortados de humidade sufocante. É, portanto, Outono e chove e é Domingo e escrevo. Circular. É agora, portanto, que chove e que é Outono, que oiço outra vez Scott Walker e tenho a certeza que acabou.
Posso hoje, que chove e é Outono e já passou, imaginar que não chovia nem fazia frio e que toda eu era calor metafórico nem que seja por alegria incandescente e reciclável, nem que seja por tamborilar coração e se derreterem sistemas circulatórios. Recriar sol e brechas de tempo onde dois dias de alegria naquele Janeiro tomam o lugar de dois anos de inferno e Inverno e migração. Não sei onde encasquetar-te a ti ou aos outros que vieram depois ou durante, por tua causa, tomar-me de relâmpago e ventania, mulher por um dia, Madalena, Maria, por todos os outros, por semanas, choro e higiene obsessiva. A lista, meu Deus, a lista, mas sobretudo tu, terreno e gélido e nós, ou eu e tu e todos eles, em calor artificial, incubando ilusões palpáveis por segundos para depois puf, nada, vácuo. E como doía o vazio, ou as frases transparentes, de partida e adeus, de regresso e perdão inócuo.
Posso hoje, que chove e é Outono, desculpar-te, não; com a sua licença, posso desculpar-me e perder o medo, obrigada por tudo, adeus e até um dia.
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