20.2.06

Sugestão da semana

Todos os blogs, ou a grande parte deles, tem posts com sugestões de leitura, de audição ou de programação nocturna. Creio que o Desumanos peca por defeito nesse sentido. A sua autora, que é como quem diz eu própria, raramente sugere alguma coisa porque não gosta de se meter na vida dos outros, mas hoje decidiu lembrar aqui a genialidade de um poeta com que tanto se identifica. Mário de Sá-Carneiro. Sei que a maior parte dos que frequentam este blog, se é que se pode chamar frequência às vossas esporádicas visitas, estão familiarizados com a sua obra, mas nunca é demais recordar quem o merece e para aqueles que não conhecem fica aqui uma amostra para despertar a curiosidade.

DISPERSÃO

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
(...)
Desceu-me n'alma o crespúsculo
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crespúsculo.
(...)
Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço...
A hore foge vivida,
Eu sigo-a mas permaneço.

SERRADURA

A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
(...)
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa. (...)

A QUEDA

E eu que sou o próprio rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.
(...)
Não me pude vencer mas posso-me esmagar,
- Vencer às vezes é o mesmo que tombar -
E como inda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais, ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...

Das obras Dispersão e Indícios de Oiro, de Mário de Sá-Carneiro.

Z3

Hoje o vento trouxe-me o aroma dos nossos beijos e eu rendi-me à saudade de te ter.

Curso de Francês I

"Et maintenant, au coeur de la nuit comme un veilleur, il découvre que la nuit montre l'homme: ces appels, ces lumières, cette inquiètude. Cette simple étoile dans l'ombre: l'isolement d'une maison. L'une s'éteint: cette une maison qui se ferme sur son amour."

Antoine de Saint- Exupéry
Vol de Nuit, 1931 (1 ére édition)
Gallimard

19.2.06

Domingo

Rio por dentro, por fora e finalmente lembro-me de mim e reconheço-me, sou aquela que descalça os sapatos e molha os pés nas poças de água, que enfrenta o sol franzindo a testa sem medo de rugas, que canta e desafina porque sim.

Existe algum momento em que mudamos definitivamente porque crescemos ou somos perenes e o nosso crescimento aponta para cima em busca do sol? Hoje dei comigo a fazer perguntas sem procurar respostas imediatas como era meu costume, se calhar o que amadureceu foi a minha capacidade para aguardar por uma resposta, um resultado, um sentimento, um projecto.

Se calhar quando se cresce dentro de nós há origem e não fim.

E de qualquer maneira quando é que se pára de crescer? Nunca? Amanhã? Dentro de três dias e afinal só daqui a um mês? E se alguma vez se parar, para quê crescer? Torna-nos pessoas melhores, ponderadas, verdadeiras, com noção do que é importante e do que é dispensável? Ou em casos particulares, piores, incluindo exacerbação de defeitos antes subtis?

Em todo o caso, melhor ou pior, os meus passos não tocam o chão porque levito sobre mim própria apesar de carregada com o passado. Talvez amadurecer seja isso mesmo: ter um presente indissociável do passado.

Apesar de tudo, continuo sem respostas.

16.2.06

Coimbra tem mais encanto a qualquer hora do dia

E hoje passou a ter ainda mais, porque descobri que os Wraygunn, e portanto o Paulo Furtado, e os Belle Chase Hotel, e portanto o fantástico maravilhoso JP Simões, entre outros, são bandas nascidas em Coimbra.

Gosto de Coimbra, de passear sob o ar compungido dos seus habitantes, de inspirar história e expirar poesia, de ver o rio, a Universidade, os jardins.

Adorava apaixonar-me em Coimbra. É assim, ao lado da Madeira e de Lisboa, o outro sítio onde me sinto bem neste país de ... *Ai que hoje não me apetece ofender-me*... neste país de portugueses.

Uma frase que eu gostava de ter escrito mas não escrevi (é de uma animação portuguesa)

"Era uma vez uma menina cujo coração batia mais depressa do que o das outras pessoas."

Simplicidade.

Quanto mais repito esta frase, mais sentido ela faz

"Eu acho que o facto de homens e mulheres serem mesmo amigos, sem nunca haver atracção sexual ou sentimentos no mínimo unilateralmente, é um fenómeno que contraria a natureza normal da vida e por isso mesmo é uma grande farsa em que todos fingimos acreditar."

Viagens de avião exigem altas pressões que o sistema pode não compensar

Acho indecente a forma como os seres humanos se descartam uns dos outros, como se fôssemos todos papéis de rebuçado.

Aliás a analogia não é aleatória, usamos de cada um aquilo que nos é agradável (chupar o doce do rebuçado) e depois, tal qual o plástico de embrulho (que ainda por cima faz aquele barulhinho irritante), deitamos fora o que não nos interessa.

1.2.06

Parabéns atrasados

Com este 119º post celebra-se o 1º aniversário dos Desumanos.

Longa vida ao meu blog!!!

(Ou não, ou não...)

Sabes que é para ti

Um dia vais reconhecer que tudo isto foi um grande erro e que esta distância que nos impões é um dispêndio da economia humana. Posso parecer muito forte por fora, mas por dentro fico de rastos cada vez que me atiras com aqueles teus olhares frios de quem-não-quer-saber-e-na-verdade-está-se-mesmo-nas-tintas.
Dói pensar que isto foi para ti a gota d'água quando nem deveria ter significado nada para uma amizade que é tão jovem como é honesta.
Pensei que me conhecesses melhor, e eu a mim também, mas quero falar sobre ti hoje, quero-te dizer que tu mereces mais do que aquilo que te fiz, tens razão nisso, mas não tens razão quando não me perdoas nem és sincera comigo o suficiente para me dizeres que ficaste magoada e que provavelmente nos próximos tempos vais querer distância de mim.
Fico preocupada contigo, sabes quem és, se não sabes eu digo-te, és a minha melhor amiga, és mais do que isso até, és a irmã mais velha que nunca tive, és a primeira pessoa na minha cabeça de manhã e a última antes de me deitar.
Podia estar aqui a recordar o início atribulado e repentino da nossa amizade, cada peripécia em que nos envolvemos, todas as vezes que precisei de ti e tu estavas disponível ou em que me ligavas e mentias "está tudo bem, mas não queres vir aqui?" e o meu coração ficava pequenino porque sabia que estava qualquer coisa mal, cada gargalhada feliz que demos, cada lágrima que chorámos juntas, as mensagens e telefonemas tardios, as surpresas, as rotinas, as obrigações, os pequenos prazeres.

Sabes que gosto muito de ti e que não sou burra nenhuma, já percebi que precisas de espaço e de tempo. Mas enquanto isso faz-me um favor, não te esqueças de mim, querida.

Z2

Penso em ti e vêm-me à cabeças as coisas que te queria dizer mas que me ficaram entaladas na garganta como espinhas de peixe.
Lembro-me que a luz entrava grandiosamente pela janela, enchia a sala de uma Primavera inusitada, nós conversávamos enquanto olhávamos sem ver para a televisão, que transmitia um jogo da Liga Inglesa, recordávamos juntos a noite em que nos tínhamos conhecido e todas as outras que vieram a seguir. E apeteceu-me tanto te dizer coisas bonitas para que nunca mais me esquecesses mas o teu entusiasmo sobrepunha-se ao meu medo de falar, por isso ouvi-te embevecida sem te interromper e ficou tanto por dizer.

Agora tenho medo que me esqueças, que a rapariga (mulher?) de vestido castanho tenha menos medo do que eu e te diga as coisas bonitas que eu gostava de ter dito.

Z1

Agarrei num pincel e pintei-te. Não me esqueci de nada, os teus lábios carnudos mas suaves, os teus olhos castanhos e grandes, o teu nariz genialmente esculpido na tua face ossuda, que também desenhei, aqueles dois sinais que tens mesmo ao lado do olho direito. Demorei algum tempo com o teu cabelo, sabes que é difícil desalinhá-lo e deixá-lo ao mesmo tempo penteado como tu fazes.

Confesso, não fui capaz de captar o teu sorriso, de roubar aquele brilho do olhar que me põe as pernas a tremer, de pintar aquelas madeixas grisalhas que tanto te preocupam ou de passar para o papel as tuas rugas de expressão enquanto sorris e fechas as pálpebras, por isso o meu desenho, que se exigia ser uma fiel representação de ti, não passa de rabiscos de criança ao lado da imensidão da tua beleza. Porque tu és bonito para além do teu aspecto físico, há mais qualquer coisa em ti que eu não consigo explicar nem, talvez por isso mesmo, consegui transmitir com o meu pincel.

Guardei os pincéis e os óleos e decidi procurar-te dentro de mim. E rapidamente descobri o que falta à minha pintura para se parecer contigo, são as tuas mãos a agarrarem-me na cintura enquanto a tua voz me pede "Não vás.".

Relações

Não te consigo tirar da cabeça.

Não digas isso.

Mas não consigo, o que é que queres que faça?

Não digas isso, Joana.

Porquê?

Pára com isso.

Pára de me dar ordens.

Não o estou a fazer.

Tens saudades minhas?

O que é que achas?

Sei lá, se soubesse não te perguntava.

Pára com isso.

‘Tás-me a dar ordens outra vez.



Hoje estás impossível.

‘Tou nada.

Tens vontade de estar comigo?

Tenho vontade de apanhar um avião e ir a Lisboa, se é isso que queres saber.

É mais ou menos isso que quero saber, sim.

Só não sei fazer o quê.

Não?

Não, mas tu deves saber. Sabes sempre tudo.

Mas desta vez não sei. Estar comigo, suponho.

Depois apanho outro avião e voltamos a estar longe.

Não que estejas apaixonado.

O teu ouvido está melhor?

Está. Não mudes de assunto.

O que é que estar apaixonado tem a ver com isso?

Tem a ver que só custa estar longe da pessoa por quem se está apaixonado.

Não é bem assim.

Vês, não estás apaixonado.

E tu, estás?

Estamos a falar de ti.

Eu sei.

E então?

Então que gosto muito da Joana que está na Madeira.

Que Joana é essa?

És tu.

Mas eu não estou na Madeira.

Pois não.

Portanto não gostas desta Joana que está a falar contigo ao telefone.

Não, dessa Joana tenho saudades.

Hoje estás impossível.

E tu repetitiva.

Não te consigo tirar da cabeça.

Nem eu.