9.2.09

Mãos quentes, coração frio.

Chupámos sorvetes de citrinos em verde alface que nos pintavam a ponta da língua e nos faziam rir por finalmente parecermos os extraterrestres que realmente éramos. Usava saias pelo joelho, com sapatos de menina, lenços ao pescoço para os ventos da montanha, tu e as tuas camisolas tricotadas, ora flocos de neve, ora losângulos, ora tantos outros motivos geométricos, qual tangram de lã ao peito, ora lisas, sempre cinzentas ou azuis. Passávamos Invernos inteiros em manhãs compridas e tardes de nada, junto à lagoa a ver se gelara, coisa que nunca aconteceu durante uma infância e uma adolescência inteiras (as nossas), perto do rebanho enquanto pastava

lembro-me de tu gostares do cheiro da erva mastigada, um aroma qualquer agridoce que ainda hoje me traz vómitos à boca, e de eu detestar tudo aquilo, aqueles animais molengões na preguiça do mastiga engole regurgita, de invejar os animais por passarem incólumes a tudo, nós a protegê-los e quem nos protegia a nós?

depois no pomar, a ver se brotava qualquer coisa verde, e éramos por isso os primeiros a topar a Primavera quando chegava, graças aos primeiros galhos frescos, porque a Primavera nunca nos chegou em Março, mas sempre em Fevereiro, quando parávamos de comer carne, não por causa da aproximação da Páscoa, apenas porque dos animais que tínhamos, mais nenhum podia morrer, passávamos o resto do mês a castanhas com couves e cenouras e outras raízes que ainda há dias comi num restaurante e logo me veio à cabeça o fim de Fevereiro, o Carnaval, e a hora de almoço ser solarenga e quente junto ao fumeiro e a tarde no pomar, às vezes a subir às árvores ou a fingir que fazíamos piqueniques na terra cheia de musgo.

Este Inverno foi mais frio que o costume e dei por mim a pensar que aí deveria ter gelado finalmente a lagoa e que poderíamos ter cumprido aqueles sonhos de que já me esqueci por completo que sonháramos. Não sei porque desejámos durante um terço da vida que a lagoa gelasse quando agora estamos sós e nos se gelaram os corações - e assim fica explicado porque temos sempre quentes as mãos.

3 comments:

joão martinho said...

joana vintage :>

Joana said...

:D não sei se devo tomar isso como elogio se como crítica. ah, a possibilidade de ter um estilo próprio e a probabilidade dele ser mau! :D *

joão martinho said...

é elogio, obviamente. :)

e, ao mesmo tempo, a celebração por um post que não fala em ac.




e eu cá continuo de mãos frias, mas tenho quase a certeza de que isso, ao meu coração, nem aquece nem arrefece.