26.4.05

Volátil

Sei que és presunçoso e que tens a mania que és um génio. Sei que adoras tratar mal as pessoas. Sei que te fechas sobre ti numa cápsula isolada, que evitas contar seja o que for seja a quem for. Sei que és enigmático, misterioso. Sei que é impossível ver-te sorrir a um desconhecido, que só sabes fazer caras feias, torcer o nariz e grunhir monossílabas à frente de estranhos. Sei que és incapaz de olhar nos olhos de ninguém, de ser frontal, que só sabes dizer meias-palavras enquanto desvias o olhar para elementos de distracção.

Sei que me achas presunçosa e com a mania que sou um génio. Mas sabes que adoro tratar bem as pessoas, que me abro com facilidade aos meus amigos, que sou um livro aberto, que tenho sorriso fácil e gargalhada mais fácil ainda, que falo falo falo e não me calo, falo ainda mais, que te olho nos olhos e nos olhos daqueles que merecem a minha frontalidade, que digo tudo o que penso de dedo espetado no ar.

Nós sabemos isto tudo e por isso também sabemos que somos peças complementares neste puzzle de milhões de peças que é a vida. Sabemos que só precisamos de um dia encaixar (as mãos de uma criança? a destreza de um adolescente? a maturidade de um adulto?) para assim ficarmos juntos, as minhas curvas nas tuas reentrâncias, o meu azul que se continua no teu, os olhos de uma cara que está na tua peça.
Temos um mundo em comum, apesar das diferenças aparentes. Porque o essencial é invisível aos olhos, disse o Saint-Exupery, e reafirmo-o eu, aqui.

Já leste O Principezinho? É um livro intemporal, devias lê-lo, cada vez que eu o leio aprendo algo de novo, é tão bonito. Li-o a primeira vez quando tinha oito ou nove anos e agora releio-o todos os anos. Podia oferecer-te o livro. Talvez to ofereça um dia.

Por mais que tente, não consigo alhear-me de ti, da tua presença. Reconheço-a até nas opções que faço, nas grandes e nas pequenas, e pressinto que o nosso dia vai chegar mais cedo ou mais tarde. Como não poderá ele chegar se estás cada vez mais aqui, mais comigo. Não conheço o teu perfume, mas de olhos fechados sei onde estás porque estamos para além do mero estado físico.

Às vezes sinto-me volatilizar só para estar mais perto. Às vezes quero chorar e não o faço.

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