No meu reflexo na janela do comboio, vejo um rosto e não me identifico; sou apenas um reflexo que perdeu o corpo que representa.
Deixo-me levar pela paisagem que corre ao meu lado, campos de trigo, sobreiros, aldeias brancas - o que vejo são momentos, efeitos do vento e da velocidade, que duram o suficiente para que eu os veja e depois ficam suspensos, intocáveis, inalteráveis. Eu própria sou também um instante, um encontro entre a massa de que sou feita e tudo aquilo que fiz e que vou fazer, um pequeno ponto de escuridão em movimento numa via iluminada.
Sou eu já um fragmento daquilo que era ontem, apenas uma sombra das consequências do ensinado e do desaprendido. Sou um corpo solto de alma vadia; que se arrepende, se orgulha, se deseja, se esquece.
Desvio o olhar dos campos em fuga e apercebo-me que também eu estou a fugir, tentando-me resguardar da mudança, da inevitável decisão. Decido parar na estação seguinte, sem alcançar a fronteira.
Ao meu lado, apenas uma janela embaciada e uma outra que já não sou eu.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment