"É um amanhecer calmo. Este. Sem vitórias nem derrotas para depois. Nem triste nem alegre, música apenas, com a evidência da vida no meio - porque estás triste? Não estou. Vou à janela da marquise, olho em baixo as árvores trémulas de luz - gosto tanto desta música. Ouvi-la até me entrar no sangue, porque estás triste? E como se de o não saber, mais triste assim. Oh, não, melancolia agora, não. Ser simplesmente um homem. Com alegrias pequenas e grandes, chatices quotidianas e das que dão a volta à vida toda - na coragem simples de existires. Mas esta súbita solidão, instantâneo o desamparo a toda a roda em deserto. Os bons propósitos, pois, os bons propósitos. São sempre despropositados. Sente-se com o corpo todo e com tudo o que está nele. Mas pensa-se com um mecanismo qualquer independente que se compra nas lojas do pensar."
"As "intermitências do coração", um tipo disse. E com efeito. Se não te vejo, se na corrente dos dias os mil acidentes diários, a força absoluta das coisas. Mas que te veja no acaso de um encontro que raramente é um acaso. E logo tudo volta outra vez, com uma força multiplicada pela imaginação do intervalo. (...) Um outro tipo, a propósito, falou em "cristalização". (...) A cristalização. É uma criação do nada. Mas esse nada é o tudo pela minha invenção. Que estupidez - mas é a estupidez da vida."
Vergílio Ferreira- Rápida, a sombra
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