27.4.06

Frida Kahlo

"Embora a sua produção pictórica conte com apenas 200 obras de arte , a verdade é que a sua imagem, a sua vida e a sua obra suscitam grande curiosidade e profunda admiração um pouco por toda a parte."
Josefina García Hernandez, in Roteiro da exposição no CCB

Ontem fui ao CCB ver a exposição de Frida Kahlo, aproveitei estar para aqueles lados de Belém, que me são sempre prazenteiros, devo dizer, comi um pastel, olhei para o Mosteiro dos Jerónimos, para o rio. Mas adiante. Fui à exposição.

Fui à exposição e saí de lá em silêncio. Porque olhei com olhos de ver e mais do que olhar, senti. E cada quadro, uns melhores que outros, porque somos todos humanos acima de tudo, transborda vida. E a vida de Frida Kahlo (e a nossa também) foram momentos bons e momentos maus, tempos de dor e angústia, anos de amor e alegria, mas sobretudo muita coragem para enfrentar tudo isto (porque também é preciso coragem para ser feliz). Por entre a poliomielite, um acidente de viação, que a deixa lesada para o resto da vida, um amor maior do que a Terra cheio de altos e baixos por estar cheio de paixão (e a paixão não é a coisa mais saudável do mundo, já o sabemos), três abortos dificultando o grande desejo de ser mãe (e que nunca conseguiu concretizar), Frida foi pintando e cada pincelada, cada tonalidade escolhida nunca foi por acaso.

São quadros que se vêem, que se tocam, que se ouvem, que se cheiram. E que falam connosco. Mexem com os cinco sentidos.

Ia deixar aqui os meus quadros preferidos mas não o faço, se ficaram realmente interessados vão ao CCB (até ao dia 21 de Maio) para que se sintam realmente tocados pela obra e pela vida de Frida Kahlo.

"Sinto-me mal, e ficarei pior, mas vou aprendendo a estar sozinha e isso já é uma vantagem e um pequeno triunfo." Frida Kahlo

25.4.06

A propósito do 25 de Abril

Sejam livres.

Ponta Delgada, freguesia de S. Vicente, ilha da Madeira

O homem da venda perguntava sempre tudo duas vezes

Disseste amendoins?
Sim.
Amendoins?
Hmhm.

Virava-se para o armário e procurava, percorrendo com os dedos as etiquetas

louro, cacau, café, arroz, sal, colorau, pimenta, feijão, grão, amendoins

Os frascos eram enormes, de barro, sempre cheios até cima. Ele tirava com a mão os amendoins, torrados e com casca, e espalhava sobre uma folha de papel pardo. Em três gestos o embrulho ficava feito. Depois pesava numa balança enorme, daquelas que pesam coisas muito pesadas, e o ponteiro muitas vezes nem se mexia com o meu pacotinho de amendoins. Então o senhor José sorria

Que moeda é que tens?

e eu abria a mão, onde reluziam cinco escudos e ele

São cinco escudos.

entregando-me o pacote.

O homem da venda passava o tempo todo fora dela, sentado nos degraus ao pé da porta, vendo quem passava na rua, cumprimentando

bom dia, boa tarde

conforme a hora. Gente que descia para o mar ou para a Igreja, que já o sabiam de cor, que sem o ver já diziam

bom dia, boa tarde

comforme a hora.

E a sua mercearia cheirava a tudo e a nada e eu gostava de lá ir e de o ver conversar com o primo mudo, que me reconhecia e que sempre me intimidara sem eu saber porquê.

O primo mudo, não lhe sei o nome, sempre o chamaram o Mudo, era velho e comunicava sem falar, porque nascera surdo e nunca ninguém o ensinara a falar. Era meu primo afastado como toda a gente em Ponta Delgada é minha prima afastada. Ele não era excepção. Quando eu passava, os dois sentados nas escadas à conversa por gestos e sons e eu ouvia

Lá vai a neta do senhor Baptista, bom dia

o que fazia com que o Mudo reparasse em mim e me chamasse à maneira dele, mas eu não gostava de me aproximar porque tinha medo ou vergonha, não era como a minha prima Amélia que falava aos gritos como se o aumento de volume fosse fazer vibrar qualquer coisa

VAMOS PARA A PISCINA!

e ele encolhia os ombros mas a Amélia cada vez mais alto

VAMOS PARA A PISCINA!

e ele acenava que sim, porque lia nos lábios, e perguntava com a mão pelo meu avô, ao menos eu sempre achei que ele estava a perguntar pelo meu avô quando fazia aquele gesto com a mão

está em casa

e a voz era sumida e os lábios semi-cerrados e as mãos dentro dos bolsos, por isso a Amélia, freneticamente apontando rua acima

ESTÁ EM CASA!

e depois rua abaixo

NÓS JÁ VAMOS!

e eu tirava a mão do bolso e acenava.

Houve um Verão em que a venda estava fechada e as escadas vazias. E eu fiquei com o coração apertado.

23.4.06

"Tiny tears make up an ocean, tiny tears make up the sea

Let them pour out, pour out all over,
Don't let them pour all over me"

Tindersticks

21.4.06

The difference will make the difference.

15.4.06

Mentiroso

Cheio de sonhos e de promessas, garantes-me

Não sou nada romântico.

E logo sugeres-me um passeio à beira-mar, um jantar à luz de velas, a nossa mão entrelaçada pela cidade e um beijo sob as estrelas.

Sair à noite na Madeira

"Burn down the disco
Hang the blessed DJ
Because the music that they constantly play
IT SAYS NOTHING TO ME ABOUT MY LIFE
Hang the blessed DJ
Because the music they constantly play
...
HANG THE DJ, HANG THE DJ"

(Panic, The Smiths)
Com o punho da camisa limpaste-me as lágrimas uma por uma, e fez-se primavera dentro de mim quando as pontas dos teus dedos tocaram nas minhas, a medo.

Come one step closer

E levas com uma chapada. Ai se levas.

11.4.06

Marítimo II

De maneira que estávamos de acordo que o mar.

Marítimo I - (Ri)Mar

Quieto,
Mudo
Repousa sobre o mar.
Desconstruído,
Levita,
Flutua
Sem nunca navegar.

7.4.06

Uma pergunta

De que é que vale sentir quando é tudo tão escasso, tão insuficiente, tão efémero, por mais verdadeiro que seja?

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Ao álbum da Joana Machado, CRUde. Que coisa deliciosa, que entra por nós como chocolate derretido. E aqui há links para ouvirem qualquer coisa ( e mais elogios claro).