28.3.07

A Primavera

Apercebo-me que não escrevo há muito, há demasiado tempo. Que diferença, supõem vocês, existe entre o demasiado e o muito? Ponho-me a pensar nisso, penso nisso e noutras coisas. Há tantos poucos que são demasiados.

O pouco sabe sempre a pouco, por muitas voltas que o mundo dê. O muito nem sempre é demasiado, aliás às vezes o muito não chega a ser suficiente, quanto mais ser acima da conta.

Penso nestas parvoíces. Penso na Primavera e na palermice que é toda a gente dizer é da Primavera quando alguém diz que está apaixonado. Desde que já tenha passado o dia 21 de Março, é da Primavera.

É da Primavera. penso eu, para me convencer. Se for só da Primavera, chega-se ao dia 21 de Junho e passa, acaba, finito, over. Não me parece, portanto párem lá com essa desculpa idiota da Primavera.

Da Primavera ou não, há qualquer coisa diferente no ar. Sim, brilha o sol, regressam as andorinhas, as flores desabrocham, os passarinhos fazem os ninhos e as árvores ganham novas e verdejantes roupagens. Sim, na Primavera há isso tudo, mas isso já escrevíamos nós nas redacções da quarta classe.

(Redacções essas que invariavelmente acabam com Eu gosto muito da Primavera.)

Do que eu mais gosto da Primavera é da surpresa diária. Bom, eu gosto de ser surpreendida todos os dias, em qualquer estação do ano, mas a Primavera é, de todas as estações, a que tem doutoramento em surpresa. Ora é uma árvore que recuperou a sua folhagem, ora é um novo ninho, ora um casal de passarinhos que namoram, ora um canteiro florido. Isto do canteiro florido é uma forma bem parva de reduzir aquilo que mais gosto na Primavera a um canteiro florido: como é bom olhar para os cantos da cidade que nos rodeia ou ir passear de carro por estradas recônditas e descobrir as flores e deliciar-se com a forma como ocupam o seu espaço, às vezes um quadrado de terra, às vezes os ramos de árvores ou arbustos, às vezes muros de quintais. Comover-se com a organização irrepreensível das cores, as amarelas, as brancas, as rosas, as liláses.

Ah, como eu gosto da Primavera.

(Peço desculpa se não estou deprimente/ deprimida mas a vida não me tem dado razões para isso, muito pelo contrário. Aliás, acho que escrevo pior quando estou assim mais tranquila. É no que dá escrever para expulsar fantasmas.)

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