Apetece-me começar este post com um cliché gigantesco, daqueles clichés que por serem tão clichés irritam, começar, por exemplo, com a frase "a memória prega-nos partidas". A memória prega-nos partidas- a memória é tão conveniente - e eu não me lembro bem de como começou a minha quarta-feira em Sines. Sei que estive na praia, com uma ansiedade maior do que o normal por começarem nesse dia concertos no espaço épico e acolhedor que é o Castelo. Também sei que o Dário e a Joana chegaram neste dia, e a Tânia e o Jorge. Lembro-me ainda que jantámos na garagem que já não é uma garagem e tem cadeiras de design - e lembro-me que na garagem bebi vinho e já cheguei etérea (ou etanólica?) ao Castelo. E lembro-me que entrei com o meu passe catita (obrigada, Vítor) naquele espaço que, apesar de não ser - e ter-se provado insuficiente para a enchente de sábado -, pareceu-me, pelo menos naqueles dias, com um lar. Que bela imagem, o Castelo de Sines como o meu lar.
Há uma certeza: Trilok Gurtu, diziam-me, tinha sido dos melhores concertos do FMM de 2006 e voltou a sê-lo este ano. Sem qualquer espécie de dúvida. Acompanhado de excelentes músicos, mas sem nunca perder o protagonismo, é capaz de fazer música e gerar ritmo de qualquer coisa que faça barulho. Um indiano que parece ter crescido no meio de Bollywood e amadurecido num qualquer clube de Nova Orleães: é obra, não sei se exclusiva, mas pelo menos peculiar. Baldes de água e vassouras e logo uma dança, uma batida contagiante e uma felicidade imensa. Estrondoso concerto, daqueles para o top 5, porque foi realmente bom e porque eu sou uma curiosa e acho que a música deve nascer de qualquer som - até do simples bater das teclas do portátil da minha mãe.
[Ora pois que se até agora não estava verdadeiramente alcoolizada, apenas algo ébria e feliz, tenho que o confessar, depois do concerto de Trilok Gurtu já estava - e bem. Aqui a memória trai-me e é por culpa, não de esquemas subterfugidios freudianos, mas sim da cerveja Super Bock que escorria dos barris como se de um riacho se tratasse.]
Acho que não assisti ao início do concerto dos Bellowhead. Acho, pois. Se assisti, desculpem lá, mas não achei grande coisa: estava mais interessada em concluir que a Lua no sábado estaria a rebentar de tão cheia (e estava, de facto). O que é facto, e não há imperial que o contradiga, é que os Bellowhead foram-me conquistando e, lá para o meio do concerto, entre uma ou outra música dignas, e não o digo como elogio, de um espectáculo Eurovisão (comparação para a qual contribuía o visual à The Hives da quantidade enorme de músicos em palco, qual Broken Social Scene da world), eu era pulos e festa e abraços e alegria. Mais um concerto que veio confirmar a minha bem provável costela bretã e mais um concerto a figurar, surpreendentemente, entre aqueles que melhores - e reparem na ironia- recordações me deixaram. De forma puramente matemática, Bellowhead = festa pela certa. Não os percam, nem que seja através de vídeos no youtube.
Falou-se de alma há alguns posts atrás. Alma, essa entidade secreta que sentimos existir mas não o conseguimos provar a quem nunca a sentiu. A alma em Sines fervilha, bem como todas as partes que fazem de nós seres humanos, e foi a alma que foi tocada durante o concerto da Oumou Sangaré, essa voz do Mali que me pôs as emoções à flor da pele - quase literalmente: o coração que batia mais depressa, as lágrimas pelo rosto abaixo, mãos dadas, abraços e beijos, a descoberta de almas gémeas e afins. Coisas boas. Oumou é soul e é afrobeat e eu não creio que haja algo mais tocante do que juntar o toque da alma com o movimento do corpo, quando é feito deste modo tão sentimental, tão cheio de entrega. Merecia a lua mais cheia (e o copo também).
Eu devia agora falar da Oki Dub Ainu Band mas assumo a minha incompetência para o all the matters dub-related: a paciência esgotou-se ao fim de duas canções e fui descansar (ou beber mais? não me lembro) para o set do António Pires (um amor de senhor com ésse grande, quase meu pai musical no que à world diz respeito - o blog é obrigatório - e com quem partilhei o tecto, a sala de fumo, cervejas e copos de vinho a todas as horas possíveis do dia, ensaios de set e muita, muita conversa - um privilégio, só vos digo) e do Gonçalo Frota. Um mimo que me levou para a cama já o Sol tinha nascido há muito.
Se a memória não me trai, foi neste dia que percebi que Sines não é só amor; Sines é o Amor a acontecer. Se a memória não me trai, pensei "como prometem os dias seguintes no Castelo e Avenida da Praia!" (ok, não pensei por estas palavras, mas vocês percebem-me.)
Continua.
P.S. Por falar em António, não percam as Gamíadas, esse poema épico sobre um grupo de 20 tresloucados amigos, eternamente apaixonados por música, que atracaram no Porto de Sines para pertencer à festa da música mais bonita do país: aqui, os primeiros actos, acoli o segundo, e infelizmente último, acto da saga.
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