29.12.08

Cinzas.

Manchei as paredes caiadas com o sangue escorrendo pelo canto dos olhos, agulhas pela epiderme como bonecas voodoo, acupunctura de sentimentos à flor da pele, à raíz do pêlo, acupunctura reversa, que adoece ao invés de curar. Tinha medo que dentro de mim germinasse ódio, desprazer, e pensei

nunca mais vou poder olhar para a tua cara por tanto te odiar

nunca mais, ouviste?, nunca mais, mas tenho saudades tuas embora já não te chore. Já não sei o que és, portanto, se desilusão, se desgosto, se passado, se evolução natural. Nunca soube o que eras, nada mudou desde a nossa primeira noite, longe vai ela, desde a noite em que eu chorara numa casa de banho imunda, o meu corpo a querer tombar para o chão inundado em mijo e talvez vómito, eu a sair e a limpar as lágrimas e tu, sem nada saberes, em silêncio, a abraçar-me e eu julguei que sabia quem eras pela força dos teus braços enquanto me apertavas e aquelas paredes cheias de hormonas esconderam o nosso namoro, exibindo vaidosas o meu sorriso na despedida, as paredes, tontas das paredes que não me avisaram quando lhes confessei

estou tão apaixonada.

não me disseram

esquece-o.

porque sabiam que era irremediável, e o que não tem remédio remediado está, nunca te hei-de esquecer, tal como hoje em que tenho umas saudades tuas tremendas e quase não consigo respirar porque custa a expandir o tórax,

tudo isto um desperdício, tudo isto sem mais nada valer, porque já não sou tua, deixei-te aí e agora estou aqui, e já não choro nem peso o peso de mil ossos em chumbo carregados pelo lombo curvado de ceifeira de amores quase perfeitos.

Sempre te perdoei depois de chorar uma noite inteira.

Repito, deixei de chorar.

6 comments:

M. said...

fodasse.

primeira asneira pós-natal. mas isto merecia-o.

i can relate to that

joshua said...

Fabuloso!

mbmac said...

A derradeira verdade do momento que corro descrita de fiel forma.

Um beijo

Joana said...

um grande beijo, querida, a ver se combinamos uma sushizada de meninas e arrancamos a joana da ilha para termos quem nos explicar a origem e confecção de cada prato. :) (vou insistir com esta ideia no facebook, pintos e fredericas e coisos e tudo, era giro)

Joana said...

obrigada pelos elogios :) ainda bem que gostaram.

mbmac said...

Era muito giro, um galinheiro à maneira! :) Arrancar a Martins do rochedo é que parece ter de ser a ferro e fogo!

Beijão