30.4.05

THE BUILD-UP (ou mais uma razão para ter comprado este álbum mais cedo)

"The build-up lasted for days, lasted for weeks, lasted too long.
Our hero withdrew, when there was two, he could not choose one, so there was none.
Worn into the vaguely announced.

The spinning top made a sound like a train across the valley,
Fading,
Oh so quiet but constant 'til it passed,
Over the ridge into the distances written on your ticket to remind you where to stop,
And when to get off."

Kings of Convenience

Já devia ter comprado este álbum há muito tempo

"Sorry or please

Five weeks in a prison, I made no friends.
There's more time to be done, but I've got a week to spend.
I didn't pay much attention first time around, but now you're hard not to notice, right here in my town.
Where the stage of my old life meets the cast of the new. Tonights actors: me and you.

Each day is taking us closer, while drawing the curtains to close.
This far, or further, I need to know.
Your increasingly long embraces, are they saying sorry or please?
I don't know what's happening - help me.

Through the streets, on the corners, there's a scent in the air.
I ask you out and I lead you.
I know my way around here.
There's a bench I remember,
And on the way there I find that the movements you're making, are mirrored in mine.
And your hand is held open, intentionally - or just what I want to see?

Your increasingly long embraces, are they saying sorry or please?
I don't know what's happening - help me.
I don't normally beg for assistance, I rely on my own eyes to see,
But right now they make no sense to me,
Right now you make no sense to me."

Kings of Convenience

26.4.05

Volátil

Sei que és presunçoso e que tens a mania que és um génio. Sei que adoras tratar mal as pessoas. Sei que te fechas sobre ti numa cápsula isolada, que evitas contar seja o que for seja a quem for. Sei que és enigmático, misterioso. Sei que é impossível ver-te sorrir a um desconhecido, que só sabes fazer caras feias, torcer o nariz e grunhir monossílabas à frente de estranhos. Sei que és incapaz de olhar nos olhos de ninguém, de ser frontal, que só sabes dizer meias-palavras enquanto desvias o olhar para elementos de distracção.

Sei que me achas presunçosa e com a mania que sou um génio. Mas sabes que adoro tratar bem as pessoas, que me abro com facilidade aos meus amigos, que sou um livro aberto, que tenho sorriso fácil e gargalhada mais fácil ainda, que falo falo falo e não me calo, falo ainda mais, que te olho nos olhos e nos olhos daqueles que merecem a minha frontalidade, que digo tudo o que penso de dedo espetado no ar.

Nós sabemos isto tudo e por isso também sabemos que somos peças complementares neste puzzle de milhões de peças que é a vida. Sabemos que só precisamos de um dia encaixar (as mãos de uma criança? a destreza de um adolescente? a maturidade de um adulto?) para assim ficarmos juntos, as minhas curvas nas tuas reentrâncias, o meu azul que se continua no teu, os olhos de uma cara que está na tua peça.
Temos um mundo em comum, apesar das diferenças aparentes. Porque o essencial é invisível aos olhos, disse o Saint-Exupery, e reafirmo-o eu, aqui.

Já leste O Principezinho? É um livro intemporal, devias lê-lo, cada vez que eu o leio aprendo algo de novo, é tão bonito. Li-o a primeira vez quando tinha oito ou nove anos e agora releio-o todos os anos. Podia oferecer-te o livro. Talvez to ofereça um dia.

Por mais que tente, não consigo alhear-me de ti, da tua presença. Reconheço-a até nas opções que faço, nas grandes e nas pequenas, e pressinto que o nosso dia vai chegar mais cedo ou mais tarde. Como não poderá ele chegar se estás cada vez mais aqui, mais comigo. Não conheço o teu perfume, mas de olhos fechados sei onde estás porque estamos para além do mero estado físico.

Às vezes sinto-me volatilizar só para estar mais perto. Às vezes quero chorar e não o faço.

Liberdade

Liberdade de pensar, escolher, dizer, encontrar, criar, gostar, detestar, desisitir, mudar de opinião, ouvir, criticar, debater, fazer, refazer, existir, sonhar, ser.
Sobretudo liberdade para construir, para empreender.
Liberdade de viver. Liberdade para dar aos outros liberdade.

Queria ver o mar,
os veleiros, os barcos sem amarras.
Pertencer às ondas, ser espuma,
e ela também,
envolver-me num enleio húmido,
na areia fria.

Olhar o horizonte e saber que posso.


25 DE ABRIL

"Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo "

Sophia de Mello Breyner Andresen



Um bom 25 de Abril para todos (quando tiver um filho vou querer que ele nasça neste dia).

Post scriptum: Neste blogue a liberdade é celebrada em cada post que é publicado.

Em repeat

No meu leitor de CDs, toca Rufus Wainwright e a sua banda. Tudo para recordar o grande concerto de ontem, no Coliseu, onde a nudez (literalmente, por acaso) e a simplicidade tornaram as canções ainda mais bonitas, mais melódicas, mais imponentes do que quando ouvidas em casa. A sua belíssima voz preenchia espaços vazios dentro de nós e o facto de estarem sete pessoas em cima do palco não impediu um ambiente intimista, de profunda identidade entre cada um de nós e o que nos era oferecido.

(Incompreensivelmente, a sala estava semi-cheia, num país onde os bilhetes para concertos esgotam à velocidade da luz, mas para gáudio de todos nós, os presentes souberam fazer a festa e acho que o Rufus gostou de cá vir. Por isso quem não foi não fez muita falta.)

Uma nota para Joan as Police Woman, ou Joan Wasser, que fez a primeira parte do concerto ( e depois foi violinista, guitarrista e segunda voz do concerto do Rufus), tem uma voz muito sensual
e toca lindamente violino.

Quero mais concertos assim.

18.4.05

As escadas

Eram umas escadas bolorentas, que emanavam bafio, esburacadas do caruncho, de corrimão pouco seguro. Entre a parede e o degrau, um rodapé marcado por buracos de ratazanas gordas, camuflados por vasos de plástico, com fetos e plantas de interior algures entre a vida e a morte, apenas alimentados pela humidade daquele corredor.

Às quatro horas, a mesma mulher, todos os dias, descia-as degrau a degrau, passo a passo, as duas mão sobre o corrimão instável, o corpo numa alucinação vertiginosa de queda iminente. Às sete horas, a mesma mulher, subindo-as, as duas mãos ocupadas com sacos do mercado, pretos e pequenos, o odor a sardinha chamando as ratazanas ao patamar. Depois, o borbulhar do óleo, as sardinhas fritas, o barulho dos talheres e dos pratos, primeiro na mesa, depois na pia.

Hora do terço. A mulher vinha à rua e deitava para o corredor as espinhas e as peles dos peixes, cantarolava "Ponha a mão na mão do meu Senhor", fechava a porta, ligava a telefonia.

Sentava-se na cadeira de baloiço, também ela corroída pela falta de cuidado, o rosário de prata entrelaçado entre os dedos, a Bíblia com os cantos roídos pelos ratos, tanto que as marcas visíveis dos seus dentes aguçados não deixavam ler o último parágrafo de todas as páginas do Novo Testamento.

Nove horas e o filho que não lhe ligava, há nove anos que assim era e, mesmo assim, todos os dias ela debruçava-se sobre o telefone preto, de olhos brilhantes, coração na mão. E o silêncio sepulcral na casa vazia, cada dia mais triste, mais só, mais morta.

Um dia, nas escadas, o cheiro a morte tornou-se insuportável. A vida perecera naquele corredor, de repente sem passos, sem óleo ou sardinhas, sem o ranger da madeira.

Sem um único telefonema do filho.

1.4.05

"É em nós que é tudo"

" Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do Sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali,
A vida é jovem e o amor sorri.

Talvez palmares inexistentes
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.

Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri. "

Fernando Pessoa

À espera de vida

"Levantava-se da cama com uma história no coração. Desejava sentar-se numa cadeira, agarrar numa caneta ou, ainda melhor, num lápis, para que nunca se lhe acabasse a tinta, porque sabia que, assim que começasse, as palavras brotariam, qual fonte termal, e se alinhariam no leito de uma folha branca."


"Foi sem pressa que te beijei, que aos poucos os meus lábios se afastaram dos teus, que o meu olhar se desviou para o horizonte, que dei três passos para trás.
Fiquei a remoer os teus argumentos de jovem ideólogo, porque desde o princípio de todas as coisas que me soubeste levar, convencer, deixar."