16.1.06

Sapatos vermelhos

Ao fim da tarde corria pelo prédio o aroma da chegada dos vizinhos a casa, ouviam-se chaves nas fechaduras, bater das portas, panelas e tachos na lufa-lufa do jantar, a água dos banhos das crianças corria pelos canos e de repente todo o prédio ganhava vida, os passos humanos para cá e para lá aquecendo cada andar.

Era aí que ela tirava os sapatos vermelhos, de baile,e os calçava, punha a tocar o seu bolero preferido de maneira a que todo o prédio parasse para ouvi-la e rodopiava, só, pela sala, pequenos passos para diante, outros em redor de si mesma, passos para trás e para ao lado em movimentos delicados.

Quando a música acabava, ela, exausta, tirava o disco da grafonola e guardava-o na estante; quanto aos sapatos, esses, desde que os comprara que os sentia apertados, por isso escorregavam para o armário aos últimos acordes, os pés doridos deslizavam lentamente pelo soalho até à cama onde se enroscava até ao dia seguinte.

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