13.12.06

E já agora, um pedido de desculpas

Lamento nunca mais ter escrito histórias sobre vidas paralelas à minha. Como imaginam, a maior parte dessas histórias acaba por beber da minha realidade, o que exige de mim um esforço suplementar - um quase sacrifício - e eu ando a dar férias às emoções demasiado fortes.

Inspirada no meu velho amigo Ricardo Reis, deixo os sentimentos à flor da pele para outros e passo pela vida silenciosamente e sem desasossegos grandes, de mãos desenlaçadas.

Não sinto vontade de abrir a arca dos desejos e das frustrações e encontro o prazer em cada coisa que me é apresentada. Talvez estes últimos meses tenham sido, apesar de tudo, aqueles em que mais disfrutei de mim própria como ser único, individual e independente.

Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!

E como são prazeirosas as coisas mínimas! Libertar-se - aos poucos, é certo - do caos modernista álvaro-camposiano em que a minha vida se tinha tornado, em que as sensações se sobrepunham aos medos, em que o ruído se sobrepunha à música, e ser Lídia, à beira do charco sentada vendo as rosas, deixando que corra vida pelo riacho invés de ser ela a correr pela vida.

Parece desistir, mas não o é na verdade: desistir seria demasiado fácil e acessível. Leio Ricardo Reis - que sempre foi o meu heterónimo preferido - e aprendo a existir, isso sim. E existir está nos antípodas de desistir.

Existo de forma perfeitamente lúcida. Recuso-me a ser mais uma na carneirada dos vazios, mas também rejeito um lugar no grupo dos que sentem demasiado acabando por desperdiçar também demasiado. Come what may.

Ah a ataraxia: como uma forma de vida resumida numa palavra vai evitar que recorra a anti-depressivos e coisas que tais. Imperturbável e estóica, assim sigo, conduzida por linhas tranquilas.

Lembro-me de Epicuro e de como Reis escreveu

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.

Andava a exagerar e a excluir. Mas com o frio e estes dias de luz intensa, chegou esta paz morna e esta nova percepção de ser eu toda, por inteiro, nada a mais nem a menos, eu. Porque só na ilusão da liberdade / A liberdade existe.

No comments: