6.7.08

Pediatria.

Quando se é criança e se está muito triste e/ou assustado, corre-se para os braços dos pais, seja a que horas for. Se for de noite, ocupa-se aquele espaço pequenino entre os dois na cama, ouve-se a inspiração mais pesada do pai e a mãe dá-nos um beijinho na testa e, entalada sob os corpos de ambos e o edredon pesado, adormece-se em paz, sem sonhos maus. Durante o dia, pode-se chorar alto em público, no meio da rua, que alguém vem logo em nosso socorro "perdeste a mamã?" e a mamã aparece ao fundo do corredor, ar consternado, "onde andavas? perdi-te no corredor dos champôs!" - acontecia-me imenso, distrair-me nos corredores do supermercado, ficar a olhar para os cremes, cheirar os aromas dos Ultra Suave todos, ver qual era a minha cor de cabelo segundo o catálogo da Elnett (era o Louro Dourado, na altura), deslumbrar-me com as cores dos batôns e as sombras de olhos - e depois a mãe abraça-nos e as lágrimas secam e, se tudo correr bem, ainda comemos um gelado à saída ou podemos ir ao corredor dos livros "mas depressa!" escolher um para ler quando se chegar a casa.
Não há decisões difíceis porque não as precisamos de tomar: o nosso lugar é ali, junto a eles, perto dos avós, dos tios e dos primos, o nosso único interesse é fazer os trabalhos de casa, cantar As Pombinhas da Catrina e ouvir os discos do pai, brincar com os Pin y Pon, fazer desenhos, moldar plasticina e pintar livros de colorir com números. Os afectos que temos pelos colegas da escola, por amigos que se fazem na praia ou no parque resumem-se a questões de idade, de companhia - e são esquecíveis, na medida em que quando o pai aparece, rapidamente nos levantamos e dizemos adeus. Os pais ajudam-nos se estamos indecisos em ver a VHS da Branca de Neve ou dos Peanuts, em comer iogurte de morango ou natural, em dormir em casa da amiga Carolina ou ir para Ponta Delgada com os primos.

Agora que se tem ancas, interesses próprios, amizades construídas com base nesses interesses em comum, nesses afectos, numa altura de mais ou menos necessidade de um amigo, objectivos definidos e metas delimitadas: os pais não podem decidir por nós porque invariavelmente teremos a sensação de que decidiram mal, nem se pode chorar na rua (ainda ontem contive as lágrimas, qual Maria Madalena) porque já se é grande e ocupamos demasiado espaço na cama de casal para nos podermos lá enfiar (além de que a cama está demasiado longe).

Não sei o que faça.

4 comments:

Anonymous said...

A minha resposta ontem n foi assim tão louca qto isso. A vida é assim, não tarda nada estamos nós no papel de pais e alguém a sentir o q estás a sentir neste momento.

Vamos todos fazer filhos! :p

inominável said...

Faz o que dá menos trabalho :D

Anonymous said...

vai mas é trabalhar como as pessoas.

Anonymous said...

Os pais são todos iguais. Todos aprendizes do dr. Bambo. Conseguem resolver joelhos esfolados com um beijinho e escolher o iogurte certo sabe-se lá como!Bruxaria certamente!
Depois saímos enganados. A vida é diferente.
Felizmente, digo eu. Talvez.
Robin