17.10.06

"He poos clouds"

Ele faz cocó de nuvens.

Não me canso de dizer isto, como quem descobriu qualquer coisa, a cura para o cancro, qualquer coisa.

Ele faz cocó de nuvens e em cada nuvem me sento e contemplo enquanto decorre a viagem. Basta fechar os olhos e aproveitar para descolar enquanto Owen vai samplando o seu próprio violino com os seus pedais mágicos.

Não há tripulação nesta viagem, para além do piloto Owen Pallet e dos pedais mágicos - que são piloto automático nas horas vagas. Reflectem-se, como numa aula do Liceu, imagens e animações artesanais, sobreposições de papéis e folhas de acetato, recortes e colagens. O nosso piloto afasta-se para o lado que as vejamos melhor.

"I can't sing, I can't play the piano, I can't play the violin, so I brought along these guys."

Vemos a cor ser adicionada aos poucos, como numa ilustração com números, há castelos e cavaleiros, palácios e sapos. Não há princesas. Um envelope com uma carta abre-se à nossa frente. A viagem continua.

"Can you please make the room darker?". Not dark enough yet. "Like a cinema."

Há o público e um homem que canta para dentro do seu violino. Nós e uma espécie de William Tell musical que guarda o arco atrás das costas para dedilhar as cordas do seu instrumento.

Estamos ainda sobre a nuvem mas não nos recostamos para trás porque as canções sobressaltam-nos. Percebemos que estamos perante a banda-sonora das nossas vidas e que cada acorde esteve presente em todos os momentos. Desde a tarde de domingo passada no sofá a ver filmes de segunda categoria como aquele pôr-do-sol sobre o rio que inundava de ternura quente uma boa conversa.

A nossa vida decorre lá em baixo (devo-me sentir culpada por não querer fazer parte dela?) e as imagens tornam-se cada vez mais negras, à medida que estranhas silhuetas

cadáveres? aves de rapina?

se juntam para escurecer a imagem até que apenas reste um ponto de luz.

Seguem-se dois encores, o primeiro com a Took you two years to win my heart, a minha preferida, em que a letra e o instrumento se fundem como em mais nenhuma outra, em que o dramatismo das notas parece acompanhar o batimento do coração.

"They say heartbreak is good for the skin but all that it's helped is my drinking."

Com o fim do concerto, acaba a viagem, mas não a vida.

Final Fantasy @ Club Lua, 15.10.2006

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