1.10.07

Sapos

No Outono lembro-me de apanhar sapos (pequenos como besouros) junto às fontes e aos bebedouros. O primo António, miúdo catita de ideias rápidas e sorriso expressivo, ficava sempre muito desiludido porque os tais anfíbios tinham um ar mais ternurento do que nojento e ele não conseguia assustar-nos com os bicharocos. Ainda assim, meninas como éramos, soltávamos gritinhos de excitação, enquanto chapinhávamos nas poças lodacentas para tentar apanhá-los.

E como pulavam, os estuporezinhos, olhando-nos de lado como a desafiar-nos.

Apanhávamo-los com copos, roubados à sucapa da cozinha, e acabávamos a caça - num sentido figurativo, pois obviamente soltávamos as pobres criaturas quando nos chamavam para o lanche, hora oficial para o fim das brincadeiras na fazenda - com as calças ou collants tornadas castanhas pelo menos até ao joelho e os bibes enlameados, os sapos em copos virados ao contrário, alinhados no muro que separava o casario da quinta ao lado

com terrenos a perder de vista e os telhados da casa grande entre a copa das árvores

e depois - como se ganhássemos asco repentino àquela pele lisa e húmida ou aos olhos esbugalhados dos sapos - jogávamos ao par ou ímpar para decidir quem soltava os sapos na levada.

Uma vez, em que estavam oito sapos à espera da liberdade, fiquei eu responsável por os soltar. Tudo correra bem até ao sétimo sapo, quando o último

e eu que estava com a cabeça distraída, com a cabeça no chocolate quente e no pão-de-ló que me esperava sobre a toalha aos quadrados da mesa da cozinha, e que, por cada sapo que soltava, pensava o quanto preferia estar a ouvir os gritos da mãe enquanto nos encontrava, a mim e aos meus irmãos, naquela figura, que todos os dias se repetia - como a gritaria, os castigos, os banhos antes de lanchar (quando a fome era mais que muita)

quando o último sapo, assustado, dá um salto pequeno e cai-me no pé e depois salta-me para a saia e para o bibe, e todos fugindo em crescente berreiro, os mais novos choravam - sem eu perceber bem se pelo sapo atarantado se pelo meu infortúnio - e as mães saíram, pensando que algum de nós já devia ter que ir ao hospital.

A minha mãe encontrou-me sem roupa, com os olhos dos primos postos em mim, apenas de cuecas, meias e botins, e o meu corpo esguio, com os mamilos que os miúdos nunca tinham visto antes, escorrendo água e o diabo do sapo saltando sobre o bibe.

Nunca dantes o percebera, só agora o percebi, porque é que nessa noite não lanchei com a família toda nem jantei nem fui mais apanhar sapos para o poço da fazenda.
Um corpo de criança quer-se plano como uma folha de videira e o meu, nessa tarde, mostrava claramente que deixava de o ser.

Como disse a minha avó, quando lá foi a costureira dias depois "a gente nem dá por elas, mas quando vai ver estão feitas mulheres". Juro que pensei que ela estava a falar na minha prima que se ia casar.

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