ridícula do estão-a-tocar-a-nossa-canção
desaba sobre nós como um trovão.
Passa-nos uma coisa pela cabeça e
lá vamos nós de cabeça meter-nos
na boca do lobo, atirar ao próprio pé,
meter um golo na própria baliza.
Mesmo ao ler duas linhas muito belas,
com a sombra do candeeiro a dar-lhe em cheio,
a breve palavra dos seus lábios era outra.
A simples música dos seus lábios era outra.
Essas linhas já não tinham, por assim dizer,
lógica nenhuma. E eu, tonto, lá ia.
A coisa é de tal forma que ainda hoje
lá vou, a esse rodeio de mistérios repetidos,
força magnética e fatal, onde foste buscar
tanto sangue para meter nas veias?
Que, grossas, despontam sobre a ira
das mãos assanhadas e assim te atraem.
Uma dança parada de costas duras, fasquia
dobrável com truque de mão, alguma coisa
que me prende aqui, quem sabe se nesta casa
não descobri, sem querer, o eixo da terra,
o equador de uma alma relativamente pobre."
Helder Moura Pereira, Segredos do Reino Animal (1949)
O meu Poemário (um dos meus presentes preferidos deste Natal, daquelas surpresas não pedidas) é igual a todos os outros Poemários (implico com a palavra poemário e algo me diz que tal implicância terá a ver com as suas três últimas sílabas) da Assírio & Alvim, de 2008. Quando, por vezes, encontrar, por coincidência (ou não: já espreitei e o poema do dia 18 de Novembro - 24 anos - é um dos meus poemas preferidos de todos os tempos), poemas que goste muito, para aqui os trarei. Dia 2 já teve Cesariny e 3 o O'Neill, mas eu também não posso pôr aqui tudo. Escusado será dizer que, por nove euros e sessenta cêntimos (e com este poema como single de avanço) estes Segredos são um must-have absoluto.
Helder Moura Pereira nasceu em Setúbal, a 7 de Janeiro de 1949. Foi professor no Ensino Secundário e Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa (Departamento de Estudos Anglo-Americanos). No King’s College da Universidade de Londres, como leitor, ensinou Literatura Portuguesa. Leccionou também Português e Técnicas de Expressão do Português nos cursos de Formação Profissional da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa. Ingressou no Ministério da Educação em 1986, tendo exercido funções técnicas na área da educação de adultos, nomeadamente em animação de leitura e nos grupos de planeamento e redacção da revista Forma e do jornal Viva Voz. Foi técnico superior do Ministério da Justiça, em funções no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Em 1990 reuniu os seus livros de poesia publicados até à data em De Novo as Sombras e as Calmas, poesia de 1976 a 1990. Publicou depois outros livros de poesia (Em Cima do Acontecimento, Nem Por Sombras, O Horizonte Basta, Amor Carnalis e Um Raio de Sol) e um de contos para crianças (A Pensar Morreu um Burro e Outras Histórias). O seu livro de poesia, Lágrima, foi publicado em 2002, seguindo-se A Tua Cara Não Me É Estranha, editado em 2004. Tem traduzido regularmente autores como Ernest Hemingway, Jorge Luis Borges, Sylvia Plath, Charles e Mary Lamb, Sade, Guy Debord; e escrito sobre música no Jornal de Notícias.Biografia retirada do site da Assírio & Alvim.
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