5.5.07

Coração metálico* que dá pontapés em esquinas de móveis

Parece fazer pouco sentido beber um sumo de laranja natural e misturá-lo com beterraba, mas a mistura é boa, garanto-vos: a minha avó faz um bolo de chocolate com um creme de queijo fresco que fica divinal e também sempre me soou demasiado estranho.

No que toca à cozinha, o importante é não misturar alhos com bogalhos e torcer o pepino em pequeno. Não sei porque me deu para citar provérbios populares a esta hora da madrugada - e antes de ir dormir o sono dos justos, ou o dos injustos, ou dos injustiçados, um sono qualquer -, não sei tanta coisa e ainda assim faço-a.

No que toca à minha vida, farto-me de errar - e quem não erra? Erro atrás de erro (mas não o João Palma), cabeçada atrás de cabeçada. Por acaso em relação ao erro, gosto da metáfora do pontapé na esquina do móvel (a melhor maneira de descobrir móveis em corredores escuros é pontapeá-los). Já muita gente partiu dedos dos pés assim e não é coisa que, a não ser que se seja estupidamente parvo, se faça de propósito. Já cabeçadas na parede umas atrás de outras não creio que sejam erros, mas sim burrices.

Os próprios erros, se exaustivamente repetidos, são também eles burrices. Não julgo, e olhando em retrospectiva, que sejam erros - e, por conseguinte, burrices - propositados e conscientes. Nisto da vida e do erro sistemático, o material está viciado, tal como o dado que pesa mais na face oposta à face "seis" (que é a "um", acho).

A própria matemática tenta simplificar a vida, mas as contas aritméticas sucedem-se umas atrás de outras e a calculadora humana perde-se entre somas e perdas e divisões (multiplicações são raras, infelizmente). Deveria haver um exercício no exame de Bioestatística:

Suponha que J. errou já por três vezes ao avaliar e julgar uma pessoa. Partindo do pressuposto que conhece 10 pessoas por mês, calcule:

a) a quantidade de vezes que poderá ir jantar fora.
b) a probabilidade de se desiludir com 7 em cada 10 pessoas.
c) a probabilidadde de se enganar no julgamento dessas pessoas, sabendo que o número de pessoas que a desiludem é significativamente maior que o número de pessoas que acabam por surpreendê-la.
d) a probabilidade de ser iludida ou mesmo ludibriada por todas elas.


Já não é a primeira vez que leio numa canção que há uma sensação falsa de felicidade até a hora em que se desliga a luz e se fica a sós, de olhos e ouvidos nos próprios pensamentos. É aí - e sempre aí, invariavelmente - que me apercebo que isto de ser feliz é mais frágil do que a própria fragilidade. A felicidade é como uma teia de aranha, construímo-la a pulso e basta uma criança armada em chica-esperta para destruir o trabalho de meses.

Estou à defesa e não me sinto bem. Pareço um cavaleiro da Idade Média, iluminada por archotes (e a dar pontapés em móveis como se não houvesse amanhã porque a luz do archote é mínima), vestida e armada da cabeça aos pés com a cota de malha, o escudo, a lança, o capacete, a espada. Devia usar a espada muito mais vezes - para cortar a cabeça aos que me chateassem a minha, para trespassar o peito àqueles que fizessem o meu estalar. Estou à guarda de um castelo, nem sei o que guardo, nem sei quem me mandou aqui ficar. E o pior é que o que guardo nem é provavelmente nada de especial, é só um coração pequenino que bate muito depressa, um coração apertado numa caixa feia dentro de um quarto enorme.

A Cat Power está a dizer-me que se eu estiver à procura de coisas fáceis, é melhor desistir. As coisas difíceis dão pica, são intrigantes e desafiam-nos até à medula, instigam os reflexos e as respostas rápidas corticais. Eu tenho medo das coisas, sejam elas fáceis ou difíceis. É como se até então tivesse perdido o chão cedo demais. Não consigo assumir dentro de mim nada, mas quero que o façam por mim e não o fazem.

Não sei em quem acreditar, se naqueles que dizem que somos capazes de dar voltas à vida, se naqueles que dizem que dá-nos a vida a volta a nós. Os erros são tantos que se atropelam uns aos outros, já nem fazem fila para acontecerem. Eu atravesso a nado as dúvidas e os medos, quase me afogando a cada inspiração.

Oiço os pragmáticos dizerem que a vida dá voltas de 180º, que num instante estamos aqui e depois estamos no nosso antípoda se assim o quisermos. Eu nunca fui céptica, mas dizem-me os meus dedos dos pés,, doridos e cheios de hematomas, que a minha vida está sempre a dar voltas de 360º. Parece mudar, parece, parece, mas depois fica ali, como na Roda da Sorte, quase quase quase no milhão de não sei que moeda e acaba por calhar no prémio de valor mais pequeno. Comigo, nem dinheiro recebo; só estas nódoas negras nos pés e uma vontade de receber um abraço que nunca vem.

*Pergunta-me ainda a Cat Power que raio escondo eu no meu coração metálico; depois, empertigada - deve ter bebido demasiado hoje, ela - diz-me que o meu coração metálico não vale nada. E não vale mesmo, não sei porque o guardo tanto. Não sei, ó Chan, o que estou a tentar provar escondendo escondendo escondendo. Mas isso que dizes é verdade, eu estava cega e depois vi-o, agora quanto a isso de me ter encontrado, já tenho as minhas dúvidas. E sim, sou egoísta, mas também sou sempre verdadeira e estou encerrada numa triste triste canção.

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