Há lugares que são nossos para sempre, mesmo que a eles nunca regressemos. Quatro paredes de história desconhecida, um tecto bolorento, um soalho que estala no vazio. Penso
fui feliz ali
e fui, e sou-o agora porque penso nisso e volto a sê-lo. Eventualmente poderias ripostar comigo - nunca concordámos em coisas insignificantes - e dizeres-me que quando fechei a porta, o momento acabara-se, a energia esgotara-se e o que é já era. Mas na rua ainda demos a mão e na viagem de eléctrico - o 28, sempre, acima e abaixo por toda a cidade que interessa - lembro-me que encostei a minha têmpora direita
oh por favor, senhoras à janela
ao teu ombro esquerdo e que me afagaste a cabeça e eu vi, e não mo podes negar, que olhaste para mim e derreteste-te em doçura perante o meu cansaço e a minha cara franzida do sol.
Não sei porque te fez Deus tão doce.
Como os caramelos que a minha bisavó Julieta dava aos Domingos, sempre antes de ir para casa e lhe dar um beijinho na bochecha. A avó Julieta era grande e morreu já velha. Velhinha. Às vezes quero lembrar-me dela e não sou capaz e fico muito triste comigo porque sei que gostava muito dela. Ela era grande mas agora que cresci, julgo que não era maior do que eu e eu é que era pequena demais para o tamanho dela. Lembro-me que fazia bolinhos na frigideira, bifinhos de vaca que picavam na língua e eu adorava e bolos, muito bolos, bolos de tudo e mais alguma coisa. Não me lembro de ela me pegar ao colo nem de conversar comigo, ou talvez me lembre, se me esforçar. Uma vez deu-me um cabritinho acabado de nascer para o colo e passou-me o biberão.
Tens de o deixar quente
E eu não vi a minha avó fria nem me despedi dela nem a vi morrer. Num domingo fomos jantar a casa dela e eu comi os bolinhos na frigideira, os bifinhos, os bolos e ela deu-me caramelos e Galak Buttons antes de me ir embora. Angustia-me não me recordar se a beijei nesse dia ou se estava simplesmente entretida a comer os Galak Buttons ou aqueles chocolates com molho por dentro que vinham dentro de pratas coloridas. Quero tanto que a memória me leve para esse dia e me mostre o beijo que lhe dei.
Porque na manhã seguinte atendi o telefone e a minha avó, nora da minha bisavó Julieta, disse-me
Passa o telefone à mamã porque a avó Julieta está no Hospital.
E eu estava com um conjunto Benetton, camisola amarela e saia rosa choque e fui trocar porque estava triste, bem mais triste que o amarelo e o rosa da roupa Benetton. Não voltei a ver a minha avó, que morreu no hospital e eu não fui ao seu funeral.
Mas a casa dela será sempre a casa dela e sempre que vamos lá e juntamo-nos todos - os filhos, os netos, os bisnetos e os maridos e mulheres desta gente toda - é ainda
Vamos a casa da avó Julieta
que dizemos.
Portanto, amor, há lkugares que são para sempre nossos e aquele quarto será sempre nosso e aquelas paredes que nos viram amarmo-nos sem e agoras ou entãos encarcerão para sempre aquilo que existiu.
Tal como o meu coração guardou a tua doçura. Não sei mesmo porque te fez Deus tão doce.
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