Não sei porque é que gosto tanto do O.C. : a música (lembro-me bem do episódio da primeira época em que dava a Float On dos Modest Mouse quando a Marissa estava em casa da Theresa, a banda preferida do Seth Cohen serem os Death Cab for Cutie, os Beastie Boys terem escolhido lançar o Ch-Check it out no episódio passado em Las Vegas, entre tantas outras bandas e tantas outras canções), a Mischa Barton, por ser a desequilibrada de quem se é incapaz de não se sentir ternura e por ser tão incrivelmente bonita e por usar roupas Marc Jacobs e clutches da Chanel como mais nenhuma miúda nascida em '87 (ou mesmo antes), o Seth Cohen, a personagem mais namorado perfeito da história da televisão com as suas parvoíces, o sarcasmo doce, a maneira esquisita de enrolar as palavras, o interesse desmesurado em BD e vela, o cavalinho de plástico, a indiezice, as camisolas às riscas.Não faço ideia porque gosto tanto do O.C. quando a verdade é que gosto, que vejo (e revejo) com todo o prazer os episódios em que a trama se adensa e o drama se intens[ific]a, e os momentos violentos são descontraídos por piadas, algum humor negro ("It's too early for that, even for a Cohen") e trocadilhos com palavras.
A Marissa morreu no último episódio da terceira época, nos braços do homem da vida dela, o Ryan. Na quarta época, agora a ser transmitida na Fox (long live Fox!), as personagens Ryan, Julie e Summer (sobretudo) aprendem a melhor forma para lidar com o luto pela perda de: a mulher da vida dele, a filha e a melhor amiga de sempre, respectivamente. Enquanto isso, na vida real, os produtores tiveram que aprender a melhor forma para lidar com o insucesso televisivo de um O.C. sem Marissa: encurtaram a série para 16 episódios, em vez dos tradicionais 25 ou 26. Ou isso ou o formato esgotou-se, hipótese com grande probabilidade de ser a correcta.
O episódio de hoje contou com a Black Swan do Thom Yorke e foi isso que me motivou a vir aqui, a esta hora da madrugada, escrever sobre o O.C.. The Eraser é o segundo melhor disco de 2006 em 2007 (o primeiro foi o Be He Me dos Annuals, cujo texto está prometido e surgirá em breve). O ano passado não tive paciência herética de ir ouvir a voz arrastada do Camões inglês, mas quando ouvi a Analyse nos créditos finais do The Prestige (é uma coisa muito dvd-like dizer créditos finais e é pior ainda escrevê-lo), percebi que aquele ficheiro zip ia servir para alguma coisa. Belíssimo álbum.
A Summer hoje confessou que, por ter que lidar com a morte da Marissa, não estava a conseguir amar o Seth. Já ouvi desculpas piores, portanto acredito nela: ela tem que lidar com aquilo sozinha. Ela perdeu a pessoa que está com ela desde criança e, provavelmente, quando a Marissa morreu a Summer perdeu parte de si. E com isso de perder parte de si estou eu familiarizada.
Ter que se levantar e erguer imediatamente quando nos cortaram os pés e nos partiram os joelhos é impossível. Não há ses, é realmente impossível e não acontece. O processo é mais longo do que isso e exige manter-se deitada, enrolada sobre si mesma, durante o tempo que levar o crescimento de novos pés e a consolidação das peças dos joelhos. Quando os membros estão finalmente recompostos, ter que pôr-se de pé e voltar a andar são reaquisições igualmente morosas e sacrificantes. Nesta fase, a fragilidade é tal que qualquer movimento brusco, impensado ou imprevisto nos faz regressar exactamente ao ponto inicial. Tudo isto leva o seu tempo e envolve muito medo. Um medo aterrador que surge a qualquer momento, perante qualquer situação. Um medo incapacitante, o mesmo que, mais tarde, impede que se salte e se mergulhe e faz com que se viva na obscuridade, no receio de voltar a perder os pés (em última análise, voltar a perder as asas).
O medo co-habita com a saudade. Não sei qual deles é mais nociceptivo para as vísceras. Para vos ser sincera, não tenho a certeza se isto de olhar à volta e perceber que pessoa X estaria completamente enquadrada em determinado contexto era realmente saudade, se era apenas teimosia. E como doeu a teimosia! Como doeu andar por Lisboa a dar com a cabeça nas paredes por cada burrice que cometia, completamente centrada em mim própria. Em mim e na minha estupidez.
What are the options when someone great is gone?
As opções não são opções. Não há opções de qualquer espécie, porque só há uma saída, diametralmente oposta à espiral de medo/saudade/teimosia/angústia em que se entrou. A saída é exactamente sair pela porta em que se entrou (e isto colocado desta forma parece a coisa mais óbvia e simples do mundo, mais-epá-és-burra-por-não-te-teres-afastado-antes). Só que essa saída é um desmame, é gradual e vai acontecendo. Um dia damos por nós e puf! fez-se o Chocapic e somos nós outra vez, mas com uma grande, uma enorme cicatriz no ventrículo esquerdo.
When someone great is gone. We're safe for the moment. Saved for the moment.
O James Murphy é genial e o Sound of Silver é melhor que o anterior e é melhor que aquela yeah yeah yeah yeah (a melhor música do disco ausente do alinhamento desse disco de sempre). E discos dos LCD fazem falta a todos os anos, sobretudo os ímpares (só porque me apetece, espero que compreendam, ainda estou um pouco zonza da espiral de onde saí).
2007 já é um bom ano porque existe o Sound of Silver, a Someone great, a Get innocuous e a All my friends. Tornou-se ainda melhor (ia falar disto noutro post, mas que se lixe, já que vou lançada aqui vai) porque o Johnny Marr juntou-se aos Modest Mouse para o We were dead before the ship even sank, o novo álbum dos MM. Eu explico: o guitarrista responsável pela forma como soavam os Smiths (e a prova disso é o Morrissey nunca ter soado da mesma forma a solo)- e, sem receios porque até na rádio já o disse, os Smiths são a minha banda sobre todas as bandas - juntou-se a uma das minhas bandas indie preferidas.
O Rodrigo (outro feliz com a contratação da época pelos MM) disse que já ninguém vê o O.C. em 2007. Nunca percebi porque gosto tanto do O.C., mas na verdade passa por lá tudo o que gosto. Até lá estou eu, se bem que disfarçada. E eu gosto muito de mim, como já deu para ver.
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