22.4.07

Esta sala está cheia de destroços de mim; tantos e tão dispersos que já não sei quem é esta que se levanta pela manhã para ir para o trabalho. Fiz de mim uma jarra partida - e agora estou pela sala toda, pelos tacos de soalho, pelo sofá, pela mesinha do café.

Olho para mim ali atrás como que a partir de um retrovisor de um carro e assim não oiço o que tocam as estações de rádio dos outros carros, não sou eu agora como naquele tempo: fugida, ferida, fingida. E o era porque me doíam os ossos da pancada, doía-me a alma da queda vertiginosa, doía-me ser eu, porque não gostava do que era. Eu como objecto, elemento pura e simplesmente decorativo. Ser meramente acéfalo sem opinião nem vontade, que absorvia as vontades dos outros - ou do outro - e fazia delas sua bandeira.

Era como se eu não pudesse ser feliz ou, mesmo podendo, não quisesse porque não o merecia.

E por isso arranjei mil vestes em seda e brocados em cores garridas e com elas cobri o corpo nu, julgando erradamente que assim não me expunha - quando era exactamente o contrário, quanto mais mostrava as várias camadas, mais se via que aquelas camadas não eram a minha pele nem nunca o seriam.

Não se é - e este é é o verbo ser na sua forma mais abstracta - sem escolha, sem desfrute, sem mágoa. E antes de ser feliz e exigi-lo a si próprio e aos outros, há que ser - e sê-lo com orgulho.

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