11.7.06

Lugares-comuns

Passo as páginas do livro sem as ler, não leio palavras nem frases porque já nenhuma me diz seja o que for. Decidida a escrever a minha própria estória, sem intromissões nem compromissos, abro um caderno em branco, folhas vazias que esperam os meus instantes.

Penso que só acreditamos em príncipes encantados porque foi isso que nos ensinaram na infância.

E assim começo, a caneta bic roída na tampa desliza sobre o papel rugoso

folhas recicladas porque sou environment-friendly

E conto uma história e invento floreados e olhares e instantes que não existiram

porque quem conta um conto, acrescenta sempre um ponto

e geralmente está vento

e hoje em Lisboa o vento soprava com força, trazendo cheiros de outras nacionalidades

e arranjo qualquer coisa bonita para dizer sobre a forma como os cabelos estavam despenteados e a chuva consegue ser romântica porque toda a gente se recolhe debaixo de algum tecto

e, vinda do nada, ou talvez daquelas nuvens além, sinto gotas no rosto, primeiro no nariz, depois nos lábios e só então molham-me o cabelo - e o guarda-chuva em casa - e eu acelero o passo dirigindo-me a lado nenhum

e o ar que se respirava, que era já húmido, torna-se ainda mais sufocante, mas eu descubro maneira de fazer com que um olhar tímido se cruze com outro e duas pessoas, até então desconhecidas, sorriem e vão beber uma imperial e falar sobre a vida.

Dou por mim e apaixono-me pela minha caneta, pelo meu caderno, pela música que oiço, pelos livros que leio. Dou por mim e sou mais uma da carneirada com a mania que sou diferente (não melhor, só diferente). Agarro na minha caneta bic e parto para o egocentrismo: assino o meu nome em todas as folhas brancas do caderno, faço trocadilhos, desenho figuras geométricas e, cansada de esperar que alguém o faça por mim, preencho cada espaço vazio restante com uma cara sorridente (vulgo smiley).

Fecho o caderno e guardo-o na gaveta. Saio para a rua e está a chover, mas o ar está quente, seca-me por dentro. Era um belo momento para inspirar profundamente e sentir o cheiro da terra, mas se eu inspirar profundamnete agora, fico com uma grande dor de cabeça e o máximo que consigo cheirar é fumo de escape.

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