O vento corria rasteiro sobre a areia. Um barco encostava no quebrar das ondas, dois (ou três?) homens de pele queimada e barba por fazer, puxavam por cordas fazendo-o atracar. Traziam redes cheias de peixe; um bando enorme de gaivotas rodeava-os desde alto-mar, roubando um ou outro. As poucas pessoas na praia àquela hora aproximavam-se também, curiosas ou mesmo interessadas. Via-as afastarem-se minutos depois, sacos na mão, os miúdos contentes a mexerem nas escamas, nas barbatanas.
Foi um instante para aquela confusão acabar e eu finalmente ficar a sós com o mar.
O vento cada vez mais frio e o sol que desaparecia longe. Eu abraçada às minhas pernas pensava em mim. Mas em mim de uma maneira diferente, porque só pensava em mim por não conseguir deixar de pensar em ti.
Como se pensar em ti fosse uma maneira de te ter aqui.
De alguma maneira associava cada detalhe desta praia que adoravas a um pedacinho da tua vida. De alguma maneira sentia-me abraçada por ti, apesar da nossa etérea distância.
Vem dar um mergulho, a água está óptima!, dizias-me - ou a criança dentro de ti, acenando por entre braçadas.
Fizeste de mim irmã do mar, do vento, dos relâmpagos, confidente das algas e das conchas, amante da areia e do sol. Entregaste a minha paternidade ao Verão, às chuvas quentes, ao céu limpo, ao chocolate derretido.
Mas nenhum deles é capaz de me consolar agora que aqui já não estás.
Ontem, antes de te ver sob sete palmos de terra, sentia um profundo ódio por isto: nunca foste um pai muito presente excepto quando aqui vínhamos os dois e eu sempre pensei que isso um dia mudaria. E quando soube, que tinhas
Desculpa, mas ainda não consigo dizê-lo
quando soube que tinhas ido para outro sítio qualquer, julguei que me abandonavas, pai, que finalmente assumias que tinhas desistido de mim. Foi ao ver o teu rosto no velório que te perdoei, que desejei estar ali deitada a teu lado para que juntos pudessemos conhecer todas as praias por este mundo a fora.
Desejei morrer para te deixar ser meu pai só mais uma vez.
[Cada vez mais frio nesta praia cada vez mais deserta. Dentro de mim, um sangue que não me aquece, um coração que bate apenas o suficiente para me manter viva, um corpo seco que já perdeu todas as suas lágrimas.]
Decido adormecer na areia gélida no nosso último dia de praia juntos. (Avisa à mãe que fico cá a dormir.)
Anoitece sobre o mar, o espelho negro reflecte a luz da lua. O vento cada vez mais agreste cobre-me de areia e eu sinto-te aqui. Pões a mão no meu ombro
Eu sei que não podes estar aqui a pôr-me a mão no ombro mas eu sinto-te, não sei explicar
e o vento e as ondas falam comigo, dizem-me aquelas coisas que eu gostava de ter ouvido da tua boca. Sei que és tu, aqui.
Sei que serás tu para sempre aqui.
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