28.2.07

Hip-hop de raízes e folhas

No meio de tanta música, às vezes não há nada que eu oiça e que me encha as medidas. Nada, nada. As audições tipo cultura intensiva, em que nenhuma parcela de terreno é deixada em pousio, e o mesmo disco gira ininterruptamente (não sejam preciosistas e pensem "hey mas tu não tens gira-discos!", que eu sei nem um cd gira nem há mp3s que andem aí à roda dentro do disco rígido, mas para o caso pouco interessa), ... Onde é que eu ia? Ah, isso. O disco gira ininteruptamente e eu ou saturo ou deixo de me identificar com o disco a certa altura (uma forma mais elaborada de saturação, na verdade). Nesses dias estou tão musicalmente descomprometida (e com tanto tempo livre em mãos -- viva as férias de Carnaval!) que viajo pela internet a fora a ouvir as quatro faixas que cada artista com quem me cruzo disponibiliza no seu myspace.

(Introdução caótica para dizer que hoje trouxe ao Desumanos um artista que apenas conheço de faixas no myspace e no youtube.)

E o que é que me encheu as medidas depois de dois meses a ouvir folk e cantautores e bandas indie? O quê, meus amigos? Hip-hop vindo de Toronto com cheiro a África. (A prova que o Canadá não morreu com os Arcade Fire.)

K'Naan não é novidade para muita gente e o nome não me era estranho, porque esteve presente no belíssimo, enorme, genial, sublime e outras hipérboles que tais Festival de Músicas do Mundo de Sines - edição de 2006, onde eu tive o prazer (juntar aqui hipérboles não utilizadas na expressão acima) de estar presente a um só dia de concertos para ver o Toumani Diabaté, tendo acabado a noite apaixonada pelos Gaiteiros de Lisboa (ADIANTE! chiça, que isto da verborreia é patológico!). Sinceramente não me lembro se os meus amigos que lá estiveram gostaram (ou não) do concerto do K'Naan.

A música de K'Naan não cheira só a África, como vos disse primeiro. A música fede a África, transpira África, é um bocadinho de África. O rap, não sei se sabem, tem origem numa ancestral tradição de contar histórias através da poesia entre pais e filhos (ao menos, foi isso que eu li e é uma origem bonita, por isso, se não for, who cares?). O que o K'Naan faz em todas as canções que já ouvi dele é transpôr essa tradição e fazer poesia sobre música quase tradicional. Ouvem-se cordas, guitarras, palmas e percussões. A voz - e a poesia - é usada como instrumento musical, ou seja o flow (acho eu, não percebo nada disto) é ferpeito.

Poderíamos estar algures na África Central numa celebração de uma tribo que isso não nos provocaria a mínima estranheza (mas provocaria a máxima comoção, o que é assunto para outro post), mas não, estamos numa cidade, onde há trânsito, pessoas a mais, companhia muitas vezes a menos.

Numa altura em que o hip-hop que oiço é urbano e contém os contornos da cidade, a profundidade das estações do metro e velocidade dos passos na calçada, foi bom descobrir que o hip-hop pode regressar à música que mais o influenciou para criar canções mais terra e menos betão. Há festa na In the beggining (música do camandro), os pés e as ancas não conseguem evitar mexer-se mal começa e o corpo perde todo e qualquer peso aos 57 segundos.

A conferir aqui.

A pedido de várias famílias, vídeos do youtube! :D


K'Naan conta a sua história (depois de ver isto, não é preciso ler mais nada!)


K'Naan :: Struggling (esta canção não está no myspace)


K'Naan :: Soobax (tãããããããão bom)

Merda.

Estou a ouvir a Apple de novo. Isto não pode ser um bom sinal.

Em boca fechada não entra mosca nem sai asneira

A Joana alertou-me "tem cuidado!". Lembro-me de ter olhado para ela, espantada.

"Tem cuidado contigo", repetiu.

Eu não tive nenhum. Agora eu que me aguente.

(Que fique bem claro, e isto sou eu a falar comigo, que só cometo o mesmo erro uma vez. Não sou pessoa para andar a bater com a cabeça na parede sempre pela mesma coisa.)

17.2.07

À tarde

Para o Sebastião

Tinham deixado de discutir. Ou melhor, tinham deixado de discutir pelo que interessava, e por ora debatiam qual o melhor lote de Nespresso, onde ir jantar fora, as cuecas no chão, a tampa da sanita, a hora do despertador. Ele por quase nada levantava a voz; ela por quase tudo contrariava-o.

O apartamento num bairro típico qualquer ou a mudança para outra cidade ou país já não os fazia conversar. Ele respondia "hmhm depois vemos." e ela também já não puxava o assunto, farta que estava de ouvir aquela resposta, mas bem se lembra da primeira vez que ele falara nisso, num miradouro com vista para o rio.

Podíamos morar juntos e adormecer e acordar a ver o rio.

E ela na altura não soube o que lhe responder e hoje não sabe porque raio não lhe disse que sim, que também o amava, em vez da festa desajeitada no cabelo que realmente acabou por fazer. Porque ela olhava para ele e encolhia os ombros, mas sabia que nada daquilo era indiferença.

Mas também desde aquela festa no cabelo que ele deixara de tentar percebê-la. Desistira de fazê-la acreditar neles, porque no fundo era isso que ele achava: que ela não sabia o que estava a fazer com ele. E ele deixara de saber o que estava a fazer com ela.

Hoje, combinaram almoçar. Ele chegou mais cedo que o habitual (nestas coisas, o cliché é ela chegar tarde e assim foi), escolheu uma mesa à janela; pela rua atravessava-se o eléctrico, para cima para baixo, para cima para baixo. Ele não fuma, mas nesse dia precisou de o fazer e pediu ao empregado que lhe trouxesse um maço para a mesa. Hesitou na marca, teve que pedir isqueiro.

Ele tinha a certeza: ela fartou-se. E o medo, que até então nunca sentira por nada nem ninguém, apoderou-se dele e a mão direita ocupada fazia-o sentir-se mais seguro. A falsa sensação de que se acalmava a cada passa inebriou-o e ele ria agora, sozinho, naquela mesa. E cantarolava o JP Simões, que vinha a ouvir no carro, a caminho.

Tinha-te a ti e tinha paz num país que era ainda sonho
Onde a tristeza não tinha lugar
Pois era uma canção que não te ouvi cantar
No tempo das crianças não se pode chorar

Ela não chegava e ele cantarolava e ria, tão triste, ali só.

Ela chegou e desfez-se em desculpas. E mal estava sentada, perguntou-lhe "desde quando é que fumas?".

"Desde hoje" e ele não viu para além daquela crítica em forma de pergunta; não leu no vislumbre doce do maço sobre a mesa o "amo-te tanto, e se fumares podes ficar doente e eu não quero." A comunicação sem palavras que só existe se for comunicação com atenção. As trocas de olhares equívocas, ele ouvia

Já não te amo.

quando ela teria dito

Amo-te tanto, meu tolo.

Ele usou as palavras para:

- Bom, ambos sabemos porque me trouxeste até aqui. Porque não queres ir para além daqui. Nada que nunca me tenha passado pela cabeça. Sobretudo ultimamente. Passou. Escusamos de almoçar juntos e de à sobremesa me dizeres que acabou tudo, que não sou eu, és tu, para eu ficar com a mousse de chocolate entalada na garganta, que depois a mousse não sobe nem desce e isso não pode fazer bem à minha esofagite. E, já agora, eu sei que sou eu e não és tu.

Ela não retorquiu logo. Enfiou a cabeça dentro de um saco e tirou de lá prospectos de uma imobiliária. Apartamentos para comprar com obra por concluir, recém-acabados, restaurados. Ele apagou o terceiro cigarro e levou com aquilo no prato vazio, as folhas pousaram sobre o guardanapo de pano dobrado em quatro, não usado. Ela não retorquiu, aliás. Levantou-se, os olhos bem abertos para não chorar em frente dele, a pele num arrepio (de frio? de ofensa?). E foi-se embora.

*******************

Não acendera as luzes desde que chegara a casa. Tirou o cinzeiro de dentro do armário e sentou-se no chão, mas encostado ao sofá, olhos postos no vazio da janela por onde só se via o entardecer cinzento e pantanoso.

E a alma dele, cinzenta e pantanosa.

Ela chegou, na breve desculpa de tirar de casa dele o pouco que levara. A conjuntiva sanguinolenta na certeza de só ter parado de chorar já no corredor do prédio.

Perguntou-lhe "Ficamos assim?": ele não desviou o olhar da janela e não disse palavra, solenemente fumando o cigarro. Ela fingiu ter perguntado aquilo por descarga de consciência com um encolher de ombros e um revirar das íris e foi para o quarto encher a mochila que trouxera, vazia, a tornar-se pesada.

E a alma dela, pesada e vazia.

Pôs a mochila às costas e dirigiu-se para a porta.

"A chave está aqui na mesa."

"Espera."

Espera.

"Não vás."

Não entres tão depressa nessa noite escura. E a mão dela sobre a maçaneta da porta, a mochila que pesava sobre os ombros.

"Vamos ao Rio, os dois. Comprei os bilhetes de avião, o vôo é daqui a nada, vamos."

"Isso não se faz. Há quatro horas disseste-me que acabou. Isto não se faz."

"Por favor, vem."

O olhar dele invadiu-a por dentro como quando se apaixonaram e ele estendeu-lhe a mão. "Anda."

Ela pousou a mochila e toda ela tremia de entusiasmo, de medo, de risco. Deu-lhe a mão.

Deram as mãos.

16.2.07

O meu top de artistas da semana passada

Tem coisas muito boas.



Do last fm (ver premissas do post anterior).

15.2.07

Acontece que tomei clonix...

...Para a dor de dentes e fiquei a pensar na dor de corno, por isso resolvi oferecer-vos esta canção dos The Shins. O álbum novo - Wincing the night away - já saíu. Não consigo dar uma opinião imparcial, nem estou com grande paciência para escrever. Tenho a cabeça em água e o exame de Medicina aí à porta (tipo, amanhã). E uma puta de dor de dentes que só passa mesmo com clonix, rai's parta - os sisos, cabrões.

O álbum é muito, muito bom. Dá um vício danado. Como com qualquer álbum que eu goste, as canções que vou ouvindo vão batendo uma por uma. Lá para inícios deste mês, era esta que hoje vos mostro. No fim de Janeiro, outra (a Girl Sailor, acho). Meados do mesmo mês, outra (Sea Legs). E a primeira vez que ouvi foi a Phantom Limb (mostrei-vos o vídeo aqui).

Por acaso agora tenho andado a ouvir mais outras coisas (por exemplo, Annuals, uma paixão recente de que vos hei-de falar assim que tiver tempo, cabeça e disponibilidade), mas hoje ouvi isto, tomei clonix e pronto, chega de paleio, tomem lá:

The Shins :: Turn on me
(é só clicar para ouvir directamente, a página tem um leitor integrado)

Encontrei esta letra, agora sim para efeitos de karaoke (e de recado lá p'ra casa):

You can fake it for a while,
Bite your tongue and smile,
Like every mother does an ugly child.
But the stars are leaking out,
Like spittle from a cloud,
Amassed resentment counting ounce and pound.

You're entertaining any doubt,
Because you had to know that I was fond of you,
Fond of Y-O-U
,
Though I knew you masked your disdain.
I can see that change was just too hard for us,
Hard for us.
You always had to hold the reigns,
But where I'm headed, you just don't know the way.

So affections fade away,
And do adults just learn to play
The most ridiculous, repulsive games?

On the faith of ruddy sons,
And the double-barreled guns,
You better hurry,
Rabbit, run, run, run.
'Cause meeting you was fun,
And there's a lot of hungry howlers in this one cell.
We’re taking it over,
Their brittle, thorny stems,
They break before they bend,
And neither one of us is one of them.

And the tails will never mend,
‘Cause you had it in for me so long ago.
Boy, I still don't know,
I don't know why and I don't care,
You don't hide me anymore,
If you'd only seen yourself hating me.
Hating me,
When I've been so much more than fair.
But then you had to lay those feelings bare,
One thing I know still got you scared,
You're all that cold iron,
And never once aired of our dead.

You had to know that I was fond of you,
Fond of Y-O-U.
So I took your lips at the time,
And to change like that is just so hard to do,
Hard to do.
Don't let it whip-crack your life,
And bow out from the fight,
‘Cause oh, how your sisters will write.
The worst part is over,
Now, get back on that horse and ride.

P.S. Os Shins têm letras com uma ambiguidade grande, que dá azo a múltiplas interpretações. A minha interpretação desta letra é minha. E a vossa é vossa. Façamos como em fóruns de música por essa internet a fora e debatamos em espaço próprio (a caixa dos comentários, ora essa) qual o sentido desta canção para vocemecêzes. Eu começo. Esta canção parece-me uma conversa entre um rapaz e uma rapariga, uma espécie de Father and son do Cat Stevens versão eu-gostava-de-ti-ó-estúpida-e-tu-nada. Bom dia*

Para o meu amigo L.

Deixa lá, um dia havemos de rir disto tudo. Adoro-te.

13.2.07

O meu vizinho de cima...

Está a ouvir a Evil dos Interpol a altos berros. Ele é giro, tem um cocker preto e branco e eu também pus a tocar a Evil a altos berros. Estamos a estabelecer comunicação.

Mas não, não estou a tentar engatá-lo. Só quero que ele perceba que a musiquinha a altos berros está a incomodar-me um bocado.

E, vá lá, eu gosto mesmo muito de Interpol. Mas preciso de estudar, porra.

Eu e a métrica, hã?

Dos versos. Isto deve ser uma corrente estilística ainda por criar. Corrente estilística as in bad poetry.

Do paradoxo.

Que nada te cale
Na última hora ou no primeiro momento.
Nem o cantar de um pássaro,
Nem o voar do vento.
Que sejas
Pedra sem peso,
Borboleta sem asas,
Dor sem tormento.
Sê quem queres ser
Sê quem és
Se da primeira hora ao último momento
Te ergueste pelos teus pés.

Da solidão.

Viver.
Viver por inteiro.
Jogar aquele jogo que se joga a dois,
Sozinha. E depois,
Pelas pedras da calçada,
Pelos becos, pelas ruas,
Ser eu, ser só, ser mais nenhuma.

12.2.07

MAS QUEM É QUE PRECISA DE DENTES DO SISO?

Eu não, certamente.

(Muita, muita, mas mesmo muita dor.)

Songs for the dawn of a new day II



Avey Tare (Animal Collective) & Kristín Valtýsdóttir(ex- Múm) :: I've got mine

Songs for the dawn of a new day I



Múm :: Green grass of tunnel

11.2.07

Essa coisa chamada last fm...

...Diz que os artistas que eu mais ouço ao computador são:



Resultado não muito fiável porque:

1) não oiço tudo no leitor do computador;
2) o scrobbler, que detecta isto, nem sempre está ligado;
3) tenho álbuns em que o iTunes não reconhece o artista.

Vale o que vale, mas tem a sua graça.

Uma canção. De madrugada.

Há uma vontade de chorar, amarga, como todas as vontades de chorar. Vem pela madrugada a dentro e parece cortante como uma lâmina afiada há pouco a tempo. (Por um afiador. Que é feito dos afiadores, com o seu assobio triste?)

O coração jaz pequeno, num tórax que enche de ar e de dor a cada inspiração. O coração. Não sabe se bate ou se cessa a sua batida constante e pensa nisso com regularidade. Ou será ela quem pensa nisso? Sentir as extremidades do corpo frias e a alma dissociar-se da pele que a prende. Sem saber se corre sangue por todas as artérias - será circulação desnecessária?

Um corpo tão grande, que ocupa tanto espaço útil da superfície terrestre, e tão vazio. Retumbam imagens como fotografias antigas - e, ainda assim, não tão antigas quanto isso - pelas suas paredes; retumba a angústia que nunca o abandona. A ter alguma coisa, este corpo, será a sua angústia. A mágoa por todas as coisas serem efémeras. A mágoa por todas as coisas serem efémeras e se ter consciência disso. E isso a apoquentar.

Há uma vontade de chorar e uma alma cansada. Há uma canção que alguém lhe canta mentalmente, quando fecha os olhos. Já há muito tempo que não ouve, mas percorre a estante em busca daquele álbum. Tanta coisa nova que ouve todos os dias, mas só esta canção a aninha em seus braços, pelo menos hoje. Envolve-a num abraço e cada palavra faz sentido, mesmo após tê-la ouvido cinquenta vezes. Só este início calmo balança o seu corpo hoje; só esta ponte fá-la reconsiderar as alternativas; só este final subitamente agressivo fá-la libertar-se de alguma revolta. E hoje, só esta canção lhe beija o pescoço e suspira, melosa, "Está tudo bem." Porque está.



dEUS :: Instant Street

You're probably right, seen from your side, that I've been lucky
but I've been meaning to crack all week.
Yes I've been involved, it never resolved into anything shocking.
And pain's playing yoyo in my body as we speak.

And now I found something to look for, but I can't decide,
'Cause I might find that to stroll behind is better than to score.
Just like I did before.

It wouldn't be true, not towards you, to say that I'm staying.
When on every single impulse, on every other move I react.

'Cause in any old creek, with changing technique, you'll see me playing.
After any old motherfucking blow I'll be back.

We turned away from instant stuff
Our cracking codes were breaking up
Our words were sucked out, it made them clean.
And after lowness say it
And after more let it be known
Our codes are grown into something mean.

You're probably right, as for tonight, you're making me nervous.
What is it you want me to be thinking of?
I'll put on a movie, I'll play something groovy
as a matter of service
And I'll chuckle when you smile as a matter of love.
'Cause you know it's not my style to be giving up now.
And this pain in my side, I had enough.

This time I go for Instant Street
This life's a soulless excuse for all abuse and parenthesis.
The flyspecked windows and the stinking lobbies
they'll remain all the same, all the same.

This time I go. This time I go...

(Desta vez, a letra não é um fait-divers nem está aqui para propósitos de karaoke. Está aqui porque completa o texto. Por favor leiam, para que mais coisas façam sentido.)

9.2.07

Dizer coisa com coisa

Não sei se me pretendes cansar, mas aviso-te já que quem corre por gosto não cansa. Tenho exame amanhã e quando te foste embora, disseste-me que voltavas. Disseste "volto já". Já acabei de estudar e por isso deixei-me pensar em ti. Não voltaste e eu fiquei à tua espera à noite toda. Que exagero, não foi a noite toda. Eu até sei que te deitas cedo.

Não sei muito mais sobre ti, de qualquer maneira. Onde foste hoje? Também não sei se quero saber. Parece que quando finalmente eu decido dar-me realmente a conhecer a uma pessoa e a seta também percorre o trajecto contrário e alguém dá-se-me a conhecer - não faço ideia se este português está correcto, "dá-se-me"? - dá sempre asneira. Há sempre uma desilusão qualquer à espreita.

É um raio de uma regra que nem tem excepção para confirmá-la. É mesmo assim, pronto.

Tenho medo que te desapontes comigo por alguma razão. Acho que pensas que tenho a maior auto-estima do mundo e que sou a rapariga mais confiante de sempre, mas não. Não sei onde falho mas acho que falho sempre algures e acabo por afastar as pessoas. Os rapazes. Ou homens. Consideras-te um homem? Tens cara de puto, mas tens uma serenidade que não se adequa nada ao teu sorriso malandro. Como se fosses adulto por dentro e miúdo por fora.

Estou cansada. Estou a ouvir Phoenix. Agora lembro-me de ti quando oiço este álbum. Antes não (até me lembrava de outra pessoa) mas agora és sempre tu.

Aliás ultimamente tens sido sempre tu, mesmo quando não estou a ouvir Phoenix. E tenho um bocado de medo disso.

8.2.07

Disse, diria ou havia de dizer.

Conheceram-se numa festa.

Ela não ia, a princípio; o namorado ia estar a viajar - e ela perdera a paciência para festas e celebrações que não incluíssem celebrar o amor. Coisas entre amigos, copos, danças estúpidas, já nada disso lhe interessava. Estaria velha? Não sabe, mas ao menos foi isso que disse a Tânia, nessa manhã, ao telefone

Estás a ficar velha. Qualquer dia estás desdentada.

e ela chamou-a de cruel, que aquilo não era velhice.

Querida, se isso não é velhice, é pelo menos acomodação.

Joana preferiu não responder. Desligou o telefone e sentou-se de sofá. Ligou a televisão e aprendeu a fazer uns biscoitos e uns acepipes. Desligou a televisão e foi experimentar as receitas para a cozinha. Pensou

Se o Tiago cá estivesse, levávamos isto para casa da Tânia.

mas também pensou que ali sozinha ao menos estava sossegada, sem ninguém a chatear. Levou o bule de chá para a sala e sentou-se a ver um filme. Viu um, dois, três filmes. Telefonou ao Tiago.

- Onde estás?
- Estou a entrar no Museu do Prado.
- Está bom tempo?
- Esteve sol a manhã toda, agora está a ficar mais frio. Daqui a nada chove.
- Aqui está calor.
- Já chego amanhã.
- Eu sei. Já almoçaste?
- Já. Não foi nada de especial.
- Tapas?
- Não. Olha, tenho de desligar.
- Beijinhos.
- Adeus.


Agarrou num livro. Que aborrecimento.

De nada lhe servia aquele amor. Para Madame Peyroux o amor proibido era apenas um passatempo. Um passatempo nada divertido, diria Madame Gaulleix, se a ouvisse. Que outro passatempo - ou jogo voluntário - implicaria tanto desgosto, tanta cabeça cortada?

Como tantas vezes afirmara François Duchamp, alta figura da nobreza parisiense, "as mulheres julgam que a caça é um desporto violento; pois, para um homem, nada é mais violento que o jogo do amor".

Que seca de livro. E o chá que arrefecera na chávena. Ficou com vontade de sair e beber umas cervejas. Ligou à Tânia.

Vou aí ter, estou a sair de casa.

Conduziu até Mora e a viagem passou num instante. Mal chegou foi recebida com garrafas de vinho, abraços, comboios pelo jardim. A noite estava quente e húmida, noite de mosquitos como dizia a avó, e a bebida escorregava palato abaixo, apressada.

Olá, sou o Francisco.

Ela olhou-o, ergueu o olhar (e a nuca) para cima, bem para cima, porque ele era alto. Ao fazer este movimento, sentiu a cabeça a andar a roda e agarrou-se a um braço dele.

Desculpa, é do calor.

Ele riu-se. Ou do vinho, talvez?

Riram-se os dois.

Francisco levou-a para o alpendre. Sentaram-se numa cadeira de baloiço, encostados, a conversar. A madrugada ia perdendo a música e ganhando os sons dos grilos e da barragem. Quando se apercebeu do que estava a fazer, Joana estava a beijá-lo porque ele já a beijara e os seus lábios tremiam de prazer. Quando se apercebeu do que estava a fazer, Joana pensou em Tiago, em chá frio, em Madrid onde antes estava sol e agora chuva e não deixou que nada disso a impedisse de beijar aquele semi-desconhecido, de agarrar-lhe a mão.

No dia seguinte deixou Francisco conduzir o carro para Lisboa. Podia ter deixado as coisas como estão e nada daquilo ter passado de uma alucinação alcoólica. Ninguém os vira, ninguém soubera de nada. Não quis.

Disse ao Tiago, no aeroporto,

Apaixonei-me.

e voltou a entrar no carro.

Para grandes males, grandes remédios, havia de lhe dizer a Tânia, quando daí a uns tempos lhe contou tudo.

3.2.07

Chega de saudade

"Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela
Não pode ser, diz-lhe numa prece
Que ela regresse,
Porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade,
A realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai."



João & Bebel Gilberto | Chega de Saudade

"Mas se ela voltar, se ela voltar,
Que coisa linda, que coisa louca,
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca.
Dentro dos meus braços,
Os abraços hão-de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim,
Qu'é p'ra acabar com esse negócio de viver longe de mim.
Não quero mais esse negócio de você viver assim.
Vamos deixar esse negócio de você viver sem mim."

2.2.07

SHARK INFESTED WATER :: MESSAGE IN A BOTTLE


Antipop Consortium | Tragic Epilogue

Houve uma altura da minha adolescência em que torcia o nariz a tudo o que fosse hip-hop e não fosse Beastie Boys. Este álbum, ouvido no ano 2000 (ou 2001? algures por aí), foi um estalo de luva branca. Cria atmosferas sinistras, negras, com melodias minor-key e linhas de baixo soturnas. Hoje fui buscá-lo e ouvi-o de novo, de fio a pavio, e descobri que aquilo que o dubstep anda a fazer já este album começara a fazer há 7 anos. Incrível como em termos de produção este álbum podia ter sido lançado ontem.

1.2.07

A campanha do referendo para o aborto é autêntico...



... Folclore político. De bradar aos céus.

Tesão de mijo (e depois desta vou mesmo dormir)

Desde o início deste ano (já passou um mês desde que começou 2007, meodeos!) que ouvi pelo menos cinco vezes uma expressão de que nunca dantes tinha ouvido falar: tesão de mijo. Já percebi que tem uma certa conotação negativa e que quem tem tal coisa (i.e. quem tem tesão de mijo) é menosprezado por quem o diz. Eu própria, num fórum público, afirmei sarcasticamente que "tinha tesão de mijo". Sarcasticamente por três razões:

1) Tinham acabado de dizer que as bandas que eu gostava davam tesão de mijo.
2) Não gosto que digam mal das bandas que gosto.
3) Já nessa altura não sabia o que queria dizer tesão de mijo.

Se eu for a decompor a expressão e a pensar no que é tesão de mijo, claro que consigo perceber que é qualquer coisa que entusiasma mas que afinal não era nada de especial, tal como os homens que ficam com o seu órgão sexual erecto por uma mera vontade de de ir à casa de banho fazer uma micção (sim, também sei dizer isto de outra maneira: os homens ficam com tesão só porque têm vontade de mijar).Mas em que circuntâncias é que eu devo usar esta expressão? E é demasiado ofensiva (as in levo uma chapada depois de afirmar que alguém tem tesão de mijo) ou até se riem se eu a usar? As mulheres também têm tesão de mijo? Não há tesão de mijo que acabe em verdadeira ejaculação?

E este blog: está cheínho de tesão de mijo?

Questões, caros amigos, que urge responder.