8.2.07

Disse, diria ou havia de dizer.

Conheceram-se numa festa.

Ela não ia, a princípio; o namorado ia estar a viajar - e ela perdera a paciência para festas e celebrações que não incluíssem celebrar o amor. Coisas entre amigos, copos, danças estúpidas, já nada disso lhe interessava. Estaria velha? Não sabe, mas ao menos foi isso que disse a Tânia, nessa manhã, ao telefone

Estás a ficar velha. Qualquer dia estás desdentada.

e ela chamou-a de cruel, que aquilo não era velhice.

Querida, se isso não é velhice, é pelo menos acomodação.

Joana preferiu não responder. Desligou o telefone e sentou-se de sofá. Ligou a televisão e aprendeu a fazer uns biscoitos e uns acepipes. Desligou a televisão e foi experimentar as receitas para a cozinha. Pensou

Se o Tiago cá estivesse, levávamos isto para casa da Tânia.

mas também pensou que ali sozinha ao menos estava sossegada, sem ninguém a chatear. Levou o bule de chá para a sala e sentou-se a ver um filme. Viu um, dois, três filmes. Telefonou ao Tiago.

- Onde estás?
- Estou a entrar no Museu do Prado.
- Está bom tempo?
- Esteve sol a manhã toda, agora está a ficar mais frio. Daqui a nada chove.
- Aqui está calor.
- Já chego amanhã.
- Eu sei. Já almoçaste?
- Já. Não foi nada de especial.
- Tapas?
- Não. Olha, tenho de desligar.
- Beijinhos.
- Adeus.


Agarrou num livro. Que aborrecimento.

De nada lhe servia aquele amor. Para Madame Peyroux o amor proibido era apenas um passatempo. Um passatempo nada divertido, diria Madame Gaulleix, se a ouvisse. Que outro passatempo - ou jogo voluntário - implicaria tanto desgosto, tanta cabeça cortada?

Como tantas vezes afirmara François Duchamp, alta figura da nobreza parisiense, "as mulheres julgam que a caça é um desporto violento; pois, para um homem, nada é mais violento que o jogo do amor".

Que seca de livro. E o chá que arrefecera na chávena. Ficou com vontade de sair e beber umas cervejas. Ligou à Tânia.

Vou aí ter, estou a sair de casa.

Conduziu até Mora e a viagem passou num instante. Mal chegou foi recebida com garrafas de vinho, abraços, comboios pelo jardim. A noite estava quente e húmida, noite de mosquitos como dizia a avó, e a bebida escorregava palato abaixo, apressada.

Olá, sou o Francisco.

Ela olhou-o, ergueu o olhar (e a nuca) para cima, bem para cima, porque ele era alto. Ao fazer este movimento, sentiu a cabeça a andar a roda e agarrou-se a um braço dele.

Desculpa, é do calor.

Ele riu-se. Ou do vinho, talvez?

Riram-se os dois.

Francisco levou-a para o alpendre. Sentaram-se numa cadeira de baloiço, encostados, a conversar. A madrugada ia perdendo a música e ganhando os sons dos grilos e da barragem. Quando se apercebeu do que estava a fazer, Joana estava a beijá-lo porque ele já a beijara e os seus lábios tremiam de prazer. Quando se apercebeu do que estava a fazer, Joana pensou em Tiago, em chá frio, em Madrid onde antes estava sol e agora chuva e não deixou que nada disso a impedisse de beijar aquele semi-desconhecido, de agarrar-lhe a mão.

No dia seguinte deixou Francisco conduzir o carro para Lisboa. Podia ter deixado as coisas como estão e nada daquilo ter passado de uma alucinação alcoólica. Ninguém os vira, ninguém soubera de nada. Não quis.

Disse ao Tiago, no aeroporto,

Apaixonei-me.

e voltou a entrar no carro.

Para grandes males, grandes remédios, havia de lhe dizer a Tânia, quando daí a uns tempos lhe contou tudo.

No comments: