7.1.07

Enough is enough

Há uma ténue linha que separa a cegueira da persverança. Quando finalmente dói, foi ultrapassada. Na cegueira não há dignidade nem clareza. Não há dignidade.

Há uma sucessão de acontecimentos e há uma pessoa no meio de tudo isto. Como que impávida e serena. Como se isso fosse possível. Alguém que perde tudo o que importa e, no entanto, está bem.

Quando se perde alguém - e não estou a falar de uma criança se desencontrar da mãe no supermercado, há uma boa parte de nós que se vai ou esvai. Não há serenidade: há, sim, a necessidade de tentar mais uma vez. E outra. E ainda mais uma. As prioridades são redefinidas constantemente, mutação óbvia de cometas e estrelas que não se auto-limita. Por isso, perde-se parte de nós e, como se isso não bastasse, todos os outros detalhes quotidianos, parte de rotinas estudadas ao longo de anos e testadas até atingir a perfeição, simplesmente acabam. É quando tudo isto acaba que chega a incapacidade de ver. De olhar para além de.

Um dia, deitamo-nos. Já sabemos há muito tempo que é um mito aquilo de as lágrimas secarem - quando há vontade de chorar, há lágrimas, ponto final. E aquele dia é mais um igual a tantos outros, depois de mil sorrisos e ainda mais gargalhadas, sentes-te cansado e choras. Não estás cansado porque o dia foi duro no trabalho ou porque estiveste a correr durante duas horas, não. Choras porque estás saturado. Deitas-te.
Em teu redor um túmulo, estás decidido a finalmente morrer mas não estás morto. Naquele caixão cabe a tua vida até então, olhas em redor e vês os teus amigos, um por um, e os teus familiares, todos te acenam e sorriem. Cabem as frases que disseste e as respostas que ouviste. Há espaço para os livros que leste e as músicas que ouviste. Restam cantinhos que preenches com sabores, com imagens, com sorrisos e beijos.

Mas há uma frase que subitamente retumba nas paredes frias do teu túmulo. Uma frase estúpida a que nunca deras importância alguma, mas que hoje, ao repeti-la enquanto vagueia pelo teu túmulo, airosa, soa-te diferente no seu significado.

Tu que estavas deitado sob a terra, tu que tinhas perdido toda a dignidade que almejaras e atingiras, tu que passavas em revista os teus anos para poderes descansar de olhos fechados. E desistir deixa imediatamente de fazer sentido, porque aquela frase dirige-te algures por entre a compreensão e o entendimento. É uma frase crua e sobretudo cruel, que te fere como punhais, que é afiada e cortante como se fosse filha de uma fieira de dentes de tubarão. E ao memso tempo, espicaça-te e sentes-te outro.

Olhas à volta e vês o teu túmulo - e pensar que tu pegaras na pá há um ano e começaras a cavá-lo sozinho- e isso faz-te ter vontade de escapar, qual The Bride no Kill Bill, daquela horrível caixa que te encerra, a ti e aos teus sonhos. E escapas.

"Já chega, pensas, enough is enough."

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