Se soubesse o que sei hoje, em vez de escolher uma faixa do Blue (foi a Case of you, não foi? também se adequa, ainda assim) como fiz (só porque era o meu álbum preferido da Joni), punha na compilação que te ofereci esta do Court and Spark, porque dá-me a ideia que, mesmo em 1974, ela escreveu-a a pensar em ti e em nós.
Joni Mitchell :: Help me Help me. I think I'm falling in love again. When I get that crazy feeling, I know I'm in trouble again. I'm in trouble cause you're a rambler and a gambler And a sweet-talking-ladies man And you love your lovin, But not like you love your freedom.
Help me.
Help me. I think I'm falling In love too fast, It's got me hoping for the future And worrying about the past. cause I've seen some hot hot blazes Come down to smoke and ash. We love our lovin', But not like we love our freedom.
Didn't it feel good, We were sitting there talking, Or lying there not talking, Didn't it feel good? You dance with the lady, With the hole in her stocking, Didn't it feel good? Didn't it feel good?
Help me, I think I'm falling in love with you. Are you going to let me go there by myself, That's such a lonely thing to do. Both of us flirting around, Flirting and flirting, Hurting too. We love our lovin, But not like we love our freedom.
*O idiota que inventou o "longe da vista, longe do coração" devia ser torturado até à morte, de olhos vendados com um ferro com a ponta em brasa a queimar-lhe o peito, a ver se ele acha mesmo que o longe da vista significa realmente longe do coração.
Ando a ouvir A Tribe Called Quest (confesso: conhecia uma música aqui e acolá, de compilações ou assim), porque o Rodrigo me mostrou uma fonte para a discografia toda (sacar álbuns da net, eu? De todo!).
"Educa-te" disse ele. Ando a perceber o porquê a cada audição. Uma maravilha.
:: Electric Relaxation, Midnight Marauders, 1990.
:: Check the Rhyme, The Low End Theory, 1991.
:: Bonita Applebum, People's Instinctive Travels and the Paths of Rhythm, 1993.
Um dos meus discos preferidos de todo o sempre (há sempre um punk dentro de nós, e eu não sou excepção) está por lá disponível na íntegra em dois vídeos. Fica aqui, para quem não conhece.
O álbum é este e macacos me mordam se os Wire não são pais e avós e tios afastados de todas as bandas rock deste século. Foda-se (Ó P'RA MIM BUÉ PUNK), É DOS MELHORES DISCOS DE SEMPRE E ESTÁ NO YOUTUBE.
Creio que no decorrer da História Universal haverá, à semelhança do nascimento de Cristo (a propósito, passaram bem as festas?) uma época pré-youtube e uma época pós-youtube. Já estou mesmo a ver as datas de lançamento de um álbum seguidas do epíteto aY ou dY (ou, em inglês, bY - b, de before - e aY - a, de after). O Tempo virá a seu tempo, como é costume, e dará como certo aquilo que prevejo. Cá estaremos, deslumbrados.
(Deslumbrem-se mas é com um dos melhores álbuns de sempre. É por estas e por outras que só arranjo namorados esquisitos. Eu adoro os Clash (rai's parta a minha punk interior) mas quando falo em punk rock - é raro, mas pode acontecer - com um gajo só quero que ele me responda com o seu punk interior "Foda-se, estás a brincar? O Pink Flag é um dos álbuns da minha vida. Só me apetece mandar toda a gente p'o cara*o [N. da A.: haja decoro, um palavrão por post, foda-se] e partir esta m*rda toda!". Depois de recuperar da emoção - de mãos transpiradas, olhos brilhantes de lágrimas contidas e o coração na boca, batendo depressa - eu perguntaria "Casamos onde?".)
1. Sair da quase-depressão, ou lá o que aquilo foi. Conseguir desfrutar outra vez, aproveitar cada instante - o que torna este "momento" o mais importante de todos, porque sem ele nenhum dos momentos seguintes teria tido valor.
2. Ter cada vez mais certeza que quero fazer anestesiologia para o resto da minha vida. Relacionado com isto: o fim de semana em que fiz os cursos do INEM, que me recordaram porquê e para quê tinha ido eu estudar medicina.
3. Vir à Madeira matar saudades dos meus irmãos - e o Verão, em que eu e o André, após o nosso primeiro mês de contínua convivência, nos passámos a reconhecer como irmãos.
4. Namorar com o não-namorado: primeiro a surpresa do beijo, das trocas de olhares, das primeiras dores de barriga, dos entusiasmos de adolescente na expectativa do reencontro, depois a familiarização com os braços na minha cintura, o perfume no seu pescoço que se transferia para o meu antebraço, a cumplicidade sempre crescente e aqueles abraços serem as melhores horas da semana.
5. As tardes no Noobai, de olhos postos no rio e na paisagem industrial da margem sul, a receber os primeiros raios de sol da Primavera.
6. As noites, os concertos, as ruas do Bairro Alto e as entradas em grande no Left, em Santos, e os amigos que me iam acompanhando: Jenny, Dário, Catarina, Joana, Filipa. Todos os outros que iam lá ter depois.
7. O regresso da Lúcia de Berlim: a confirmação que não há machado que mate a raíz ao pensamento nem distância que aniquile uma amizade a valer.
8. Por falar em Left: os sets de CIMENTO., um atrás do outro, um pouco por todo o lado.
9. Por falar em CIMENTO.: eles os três, claro, e a amizade com o Rodrigo ("SEXO." em vez de "olá" e qualquer dia tenho de matá-lo por ele saber demais) e com o Ilo, a única pessoa com quem falo sobre amor e romance ao mesmo tempo que discutimos cortes de cabelo. Conhecer a Sara, a Joana Vooa. Dançar com o Ramos.
10. Encontrar-se com o Luís por tudo e por nada.
11. Por falar em sets: Bailarico Sofisticado (um pouco por todo o lado também, mas sobretudo em Sines). Uma hora de banghra. Born Slippy. A lua e o nascer do Sol. Estar presente e, melhor ainda, fazer parte daquilo tudo (acordar pela manhã a ouvi-los discutir o alinhamento).
12. Por falar em Sines: o FMM e, mais uma vez, os concertos e a famiglia. Carlos Bica, Azul e o DJ Illvibe. Trilok Gurtu. Descobrir o prazer de dançar ao som de big bands (l'Etruria Criminale Banda, Bellowhead). A famiglia - a partilha, os abraços, a felicidade conjunta, os copos, as danças, os pequenos almoços nos Galegos com o Vítor, a praia, os problemas postos de lado naquela semana abençoada.
14. Ver os The National na Sala Apollo. Ir a Barcelona passar o fim de semana do meu aniversário. Ficar rouca por saber as canções de cor, ir ao backstage confraternizar, chorar com a About Today sem conseguir recompôr-se. Passear, comer croissants, as Ramblas, o Barrí Gotic, o Born, o Passeig de Gracía, a Barceloneta. Dançar com o Diplo no Razz. A Tânia, a Ana. Rencontrar o André e a Isabel.
15.A semana no Porto Santo, com a família emprestada e o Pedro, o amigo de todas as horas, para o resto da vida.
16. Voltar a ler mais e melhor. Começar a ver cinema a sério, com o leitor de dvd novo. Comprar revistas, montes de revistas sobre tudo e mais alguma coisa, e devorá-las.
17. Rir. Sempre, sempre, sempre. Chorar. Sempre que preciso: a ver Grey's Anatomy, por exemplo.
"É para cortar direitinho atrás, sem este triângulo que aqui fica."
"E depois escadear?"
O pânico, o horror. Nâo sei a resposta. A minha mãe disse, depois de lhe mostrar quinhentas mil fotografias de cortes de cabelo, que eu queria desbastar. Será a mesma coisa?
"Sim.", respondo rapida e inconsequentemente. E então a cabeleireira escadeou (não que eu saiba, mas presumo que se ela disse que o faria, assim o fez).
Qual Sansão, tenho o cabelo, outrora pelo fim das omoplatas, pelos ombros. E uma faaaaaaaaaaaalta de forças.
Impossível não adorar a ironia. (Melhor ainda, é isto dar na MTV 2 que é tudo aquilo que ele desdiz.) Apesar dos Smiths, dos Beach Boys, dos LZ e dos Pixies não serem just a band, há por aqui grandes conselhos.
Thou shalt not steal if there is direct victim. Thou shalt not worship pop idols or follow lost prophets. Thou shalt not take the names of Johnny Cash, Joe Strummer, Johnny Hartman, Desmond Decker, Jim Morrison, Jimi Hendrix or Syd Barrett in vain. Thou shalt not think any male over the age of 30 that plays with a child that is not their own is a pedophile - Some people are just nice. Thou shalt not read NME. Thou shalt not stop likin' a band just 'cause they’ve 'come popular. Thou shalt not question Stephen Fry. Thou shalt not judge a book by its cover. Thou shalt not judge Lethal Weapon by Danny Glover. Thou shalt not buy Coca-Cola products, thou shalt not buy Nestle products. Thou shalt not go into the woods with your boyfriend’s best friend, take drugs and cheat on him. Thou shalt not fall in love so easily. Thou shalt not use poetry, art or music to get into girls’ pants - use it to get into their heads. Thou shalt not watch Hollyoaks. Thou shalt not attend an open mic and leave as soon as you done your shitty little poem or song, you self-righteous prick. Thou shalt not return to the same club or bar week in, week out, just ’cause you once saw a girl there that you fancied but you’re never gonna fucking talk to.
Thou shalt not put musicians and recording artists on ridiculous pedestals no matter how great they are or were.
The Beatles - Were just a band. Led Zeppelin - Just a band. The Beach Boys - Just a band. The Sex Pistols - Just a band. The Clash - Just a band. Crass - Just a band. Minor Threat - Just a band. The Cure - Were just a band. The Smiths - Just a band. Nirvana - Just a band. The Pixies - Just a band. Oasis - Just a band. Radiohead - They're just a band. Bloc Party - Just a band. The Arctic Monkeys - Just a band. The Next Big Thing - Just a band!
Thou shalt give equal worth to tragedies that occur in non-English speaking countries as to those that occur in English speaking countries. Thou shalt remember that guns, bitches and bling were never part of the four elements and never will be. Thou shalt not make repetitive generic music, thou shalt not make repetitive generic music, thou shalt not make repetitive generic music, thou shalt not make repetitive generic music. Thou shalt not pimp my ride. Thou shalt not scream if you wanna go faster. Thou shalt not move to the sound of the wickedness. Thou shalt not make some noise for Detroit. When I say “Hey” thou shalt not say “Ho.” When I say “Hip” thou shalt not say “Hop.” When I say, he say, she say, we say, make some noise - kill me.
[Ah, forgot where I was, hang on]
Thou shalt not quote Me Happy. Thou shalt not shake it like a Polaroid picture. Thou shalt not wish your girlfriend was a freak like me. Thou shalt spell the word “Phoenix” P-H-E-O-N-I-X, not P-H-O-E-N-I-X, regardless of what the Oxford English Dictionary tells you. Thou shalt not express your shock at the fact that Sharon got off with Brad at club last night by saying “Is it.” Thou shalt think for yourselves.
And thou shalt always, thou shalt always kill.
Dan Le Sac vs Scroobius Pip :: Thou shalt always kill
Uau, uau, uau. Pára tudo já! Não imaginam, meu Deus, vocês não fazem ideia:
O Francisco Rebelo (Cool Hipnoise, Spaceboys) fez um comentário no meu blog, a propósito disto. Está aqui.
Francisco, se algum dia se tornar premente a utilização de um sósia, conta com o Pedro! Não fundou uma banda tão cool como os Cool Hipnoise (por quem sinto profunda admiração e respeito desde os primórdios pela evolução, pelo assumir de riscos, pela boa onda) but he's got the looks.
(A propósito, vi-o nas Amoreiras sexta-feira e o meu amigo disse "olha lá vai o teu primo*".) *primo = Pedro
Quando és condescendente comigo - quase paternalista - como se a nossa mísera diferença de idades fizesse diferença, ou como se fosses imune a saudade, a tremeliques dos joelhos, a almas irrequietas, a canções lamechas (logo tu!), tenho que confessar que me irritas.
Se calhar o amor nunca nos apanhou em toda a sua propriedade por sermos mais fortes do que ele. Há a mania generalizada de que o amor é o sentimento mais poderoso, mais geograficamente instável - por se crer que move montanhas. Maior que o amor, julgo eu, é o ego - essa estranha habilidade humana em colocar-se no epicentro das emoções e dos factos. Convenhamos, tu e eu: egos demasiado grandes que, ou por isso ou por outra razão qualquer, se aproximaram. Nesse sentido, aquilo que tivemos foi e é um constante nutrir de auto-estima, um afagar de egos - eu o teu, tu o meu, eu o meu, tu o teu.
Estava a tentar perceber se é mesmo um comboio ou um helicóptero ou que diabo é aquele sample demoníaco e deparei-me com isto. Juro que ainda não tinha lido a crítica da Pitchfork ao Strawberry Jam.
"For Reverend Green" fades into the structurally similar but tonally different "Fireworks", arguably forming the greatest back-to-back in the Animal Collective's catalog. "Fireworks" is about the pleasure of simple things, but also about how hard they can be to appreciate: "A sacred night where we'll watch the fireworks/ The frightened babies poo/ They've got two flashing eyes and they're colored why/ They make me feel that I'm only all I see sometimes."
Animal Collective are never a band I listened to for lyrics-- on those early records, they were pretty hard to make out-- but the words in "Fireworks" match perfectly the song's complex mood: There's a romantic sense of longing, an air of celebration, but also tinges of doubt, loss, and acceptance. That it's all rendered so beautifully, with tempered banshee vocals, some spacey dub elements to kick off the middle break, and one of the band's best melodies-- and layered and varied enough to have had two or three good songs built from it-- reveals the band's mastery of complex, experimental pop songcraft.
Este ano, talvez pela primeira vez desde que penso nisso d' "os melhores discos do ano", tenho o primeiro, segundo e terceiro lugares bastante claros na minha cabeça (e em todo o lado do meu corpo que ouve música, que, desconfio, seja todo ele). Obviamente que, para manter o suspense (que até nem é muito, se o leitor se tratar de alguém das minhas lides quotidianas), não vou revelar os priveligiados desses lugares cimeiros.
A porca torce o rabo no que toca aos lugares seguintes - já pensei fazer uma lista com apenas três lugares e, desta forma simples, acabar com esta angústia. Doismilesete foi pródigo em óptimos discos (ou então eu é que ando a ouvir muita coisa boa - e pouca má, uma vez que o tempo é escasso e eu cada vez estou mais selectiva em relação àquilo a que sujeito os meus ouvidos).Como se o primeiro semestre do ano não tivesse sido suficientemente bom, também o fim do Verão/ início do Outono - considero-os coisas distintas, com o primeiro acabam as férias, com o segundo começa o frio - trouxe discos maravilhosos (ao meu computador e à minha estante). O frio, o aproximar desta melancolia que obriga a puxar dos casacos quentes, dos cachecóis (de cache - cou e pescoços que brincam às escondidas, surgindo de vez em quando para beijinhos e dentadas), do chocolate quente a qualquer hora do dia, do chá de menta à noite, toda a dolência que temperaturas inferiores a 20 graus Celsius implicam ao meu metabolismo (sou friorenta, e com muito gosto!) fazem-me ouvir música e querer - ainda mais - passar os dias envolta em mantinhas rodeada de discos atrás de discos.
Não há grande disco sem, pelo menos, uma grande canção. É o mínimo que se lhe exige: 2 a 10 minutos, ou coisa que o valha, de um clássico instantâneo. Não um otoverme nem um hit nem aquela canção que vamos ouvir na rádio até morrermos - não, não, nada disso. Clássico instantâneo, aqui, é a canção que mais nos toca, a que vai, como se de um passe livre trânsito se tratasse, da alma à mente aos pêlos dos braços para arrepiá-los e de volta ao coração, para lá ficar guardada. Muitas vezes, e isso acontece sobretudo nos discos maiores que a própria vida, nos discos que, durante um tempo indefinido, comandam a nossa biologia por fazerem coincidir os nossos ritmos com a sua própria cadência, o clássico instantâneo é flutuante e vai percorrendo todas as faixas (assim o foi - e o é - com o meu disco #1). Todos, todos os enormes, razoavelmente grandes, às-vezes-grandes-outras-vezes-mais-pequenos e médios discos de 2007 têm essa canção (a lista pode ficar para outra vez, pode?).
A canção que aqui interessa está alinhada no Strawberry Jam, dos Animal Collective - álbum que, por si, é talvez inferior à minha santíssima trindade da banda (registe-se, por ordem crescente de antiguidade: Feels, Sung Tongs e Here Comes the Indian). Deus sabe o quanto amo os Animal Collective - o quanto lhes estou grata, o quanto os admiro, o quanto eles fazem parte de mim como "musicalmente tolinha".
Fireworks pode ser incrivelmente desfeita em bocados, em vários momentos que fazem dos seus 6 minutos e 50 segundos os seis minutos e cinquenta segundos mais perfeitos do ano, como um coração que se parte ou uma história de amor feita de episódios vários - todos eles igualmente bonitos. Foi sempre isso que gostei nos Animal Collective: o facto de da decomposição, do recorte, da colagem, da edição resultar uma canção geralmente fascinante que é também dez canções mais pequeninas igualmente fantásticas.
Começa com um sample em loop do que me parece (e parecerá, para toda a eternidade) um comboio em rápida movimentação pelos carris. Diga-se que, mal isto se ouve, o coração começa a bater compassadamente com este comboio - que parte? que chega? que interessa? Sabe-se que este sample não abandona a canção em qualquer momento. Depois entra a pièce de resistance do primeiro episódio desta história de amor: os coros que cantam ú-ú-í-ú-ú-í-ú ou algo semelhante, como uivos de melancolia, de agonia, de sentimento de pertença- mas pertença a quem? - e isso, aqui, está por todo o lado: uma tristeza quase inacessível, mas ao mesmo tempo, a tristeza mais tranquila, mais segura de si, mais consciente, que algum dia dia vi numa canção. Instrumentalmente é ritmada, melódica, fluida ao longo de percussão gorda e repetitiva. As guitarras recortam-na, criam microclimas de êxtase, de desespero, de pacificação - os tais episódios da história de amor, os altos e baixos do romance, as mãos que se soltam e que se dão nas relações amorosas que nunca o foram. O mais surpreendente na Fireworks não é tudo isto, porque a coisas assim boas já nos têm habituado os Animal Collective. O que é absolutamente novo aqui é como a beleza da música coincide tão perfeitamente com a beleza das vozes, entoando letras que significam precisamente o mesmo que aquilo que os instrumentos e os samples transmitem. Não, nunca liguei grande coisa aos Animal Collective pelas letras - nem é coisa para a qual eles vivam, muitas vezes nem dá para perceber que raio estão eles para lá dizer. Não era suposto, de todo, reparar nas palavras escondidas, nos versos estranhos das suas canções. Até agora.
Fireworks é uma lição de compromisso, de saudade, de insatisfação, de dúvida, de conformismo, de serenidade, de pertença. Um portentoso épico sobre a vida e a ternura - como amar (entre tantas outras coisas) pode ser, ao mesmo tempo, a melhor e a mais fodida coisa do mundo. Sobre a perenidade e a fragilidade dos instantes - como o fogo de artifício, que sobe céu acima para logo rebentar e fim!, tudo começa, tudo acaba, e estar por aqui é uma sucessão de inícios e de fins (e do que a meio fica, tantas vezes o melhor e o mais esquecido.) Sobre esquecer, sobre lembrar, sobre desistir, sobre tentar de novo. Sobre mim, sobre ti, sobre todos nós.
Now it's day and I've been trying to get that taste off my tongue. I was dreaming of just you, now our cereal, it is warm. Attractive day in the rubble of the night from before. I can't walk in a vacuum, I feel ugly, feel my pores. It's the trees of this day that I do battle with for the light. Then I start to feel tragic, people greet me, I'm polite.
"What's the day?" "What are you doing?" "How's Your Mood?" "How's that song?"
Man it passes right by me, it's behind me, now it's gone. I can't lift you up cause my mind is tired. It's family beaches that I desire.
A sacred night,
Where we'll watch the fireworks.
The frightened babies poo.
They've got two flashing eyes and they're colored why. They make me feel that I'm only all I see sometimes.
I was eating with a good friend who said "A Genii made me out of the earth's skin" but in spite of her she is my birth kin, she spits me out in her surly blood rivers. All the people life lurking in dominions of a hot Turk dish. If elephants are reaching for our purses, then meet me after the world with the shivers.
"What's the day?" "What are you doing?" "How's your food?" "How's that song?"
Man it passes right by me it's behind me now it's gone. I can't lift you up cause my mind is tired, it's family beaches that I desire. That sacred night where we watched the fireworks. They frightened the babies and you know they've got two flashing eyes and if they are color blind, they make me feel, that you're only what I see sometimes.
Chegou Dezembro e o Natal e o fim do ano. A Baixa fica intransitável - valha-nos a transladação da maior árvore de Natal do mundo para o Porto (é de transladação que se trata, não?, visto aquele mamarracho não constar da lista de seres vivos criados por Deus Nosso Senhor), os supermercados com filas que percorrem os corredores onde é suposto estar a escolher as compras (a sério, com quanta antecedência se pode comprar um peru, um mês? dois?), as pessoas saem à rua para ir ver as luzinhas e as iluminações (atenção, por favor: saem à rua parair ver as luzinhas, não é que vão tomar café ou comer castanhas ou assim), os putos entram em túneis escuros que supostamente são a casinha do Pai Natal na Praça Central do Colombo, enquanto a mãe grita "Ó Zé Manel, despache-se que a mãe ainda tem de ir ali à Vista Alegre comprar presente para a Tia Tita" (a semelhança com factos reais não é coincidência, esta mãe e este filho e esta frase realmente aconteceram) e parece que todo o propósito do Natal é irritar-se e apressar-se e apanhar trânsito e esperar em filas e reclamar.
Comes with the business, I suppose. E a verdade é que toda a gente se queixa invariavelmente: do dinheiro que gastam, do tempo que ocupam, da esperança de vida desperdiçada. E isso não os leva a nada, porque continuam a focar o seu Natal nas coisas de somenos importância (lindo, sempre quis usar a palavra somenos num texto). Não pretendo salvar o mundo nem agitar consciências nem tão pouco dizer que a minha família é diferente de todas as outras - há o mesmo stress, a mesma ansiedade, as mesmas discussões.
Mas é impressão minha ou o Natal não é, de todo, suposto ser isto? Ah, longe vão os tempos da fraternidade e do amor ao próximo. Ou então, toda esta guerra civil do advento é só uma forma feia de se atingir uma noite perfeita. Mas não, não é bem isto. Até porque, diz-nos a wikipedia:
O Advento (do latimAdventus: "chegada", do verbo Advenire: "chegar a") é o primeiro tempo do Ano litúrgico, o qual antecede o Natal. É um tempo de preparação e alegria, de expectativa, onde os fiéis, esperando o Nascimento de Jesus Cristo, vivem o arrependimento e promovem a fraternidade e a Paz. No calendário religioso este tempo corresponde às quatro semanas que antecedem o Natal.
Ora bem, não vejo aqui nenhuma referência a "ei, eu vi isso primeiro, dê cá!" ou *buzinadela* "veja por onde anda, seu filisteu!". Para já, porque ninguém usa a palavra filisteu para insultar outra pessoa. Mas deviam, o mundo seria um lugar mais bonito.
Recentes estudos sugerem que um sono sem sonhos - ou, pelo menos, aqueles em que de manhã não nos lembramos do enredo que o subconsciente criou - são os sonos mais recompensadores. Não ter sonhos precisos significa menos tempo em sono REM "Rapid Eye Movement" - aquele em que a actividade neuronal encefálica é igual à da vigília. No fundo, o sono REM é o que têm as pessoas que "mesmo a dormir, estão acordadas".
Também acontecem sonhos na fase IV do sono não-REM: são sonhos mais profundos, tranquilizantes, com actividade neuronal vestigial.
Durante a fase I e II do sono não-REM e em todo o sono REM, a probabilidade de acordar é grande. A fase I - já todos devemos ter passado por isto - acontece quando estamos calmamente a adormecer e de repente vemo-nos a cair sem rede. Às vezes, pontapeia-se o ar (ou a pessoa que está ao nosso lado). Dormir profundamente significa estar na fase III ou IV do sono não-REM.
Sonhar pode, portanto, ser mau. Acordar com dores de cabeça, fatigado ou mesmo exausto, ansioso, deprimido - tudo isto pode acontecer se o sono não for o suficiente para entrarmos na fase III não-REM. Na vida, também: ter sonhos, projectos claros e precisos daquilo que queremos que nos aconteça, daquilo que teremos de fazer para que as coisas ocorram, de tudo o que temos de construir para atingir certos patamares, pode vir a ser prejudicial, impedindo que esses mesmo sonhos se tornem realidade.
Toda, toda a vida sonhei demasiado: sonhei alto, todos os dias, sem esconder qur o fazia. Ir ali, viver acolá, ficar aqui, fazer isto, conseguir aquilo, tentar aqueloutro, conseguir tudo isto. Projectos, planos, expectativas - em demasia. "Ter expectativas é meio caminho andado para a desilusão" disseram-me há algum tempo, e eu, optimista, não concordei.
É muito mais simples não planear e viver ao sabor da corrente (irra! frase irritante!). Não esperar nada de nada, de ninguém, viver por viver simplesmente. Em vez de viver em pulgas, em acções de rápida movimentação dos olhos, desfrutar um dia de cada vez, sem grandes ideias sobre o amanhã. Pensar primeiro no que se vai jantar hoje antes de pensar no que se vai cozinhar amanhã. Fazer o que tem de ser feito hoje, em vez de programar minuciosamente as actividades do dia seguinte. Ler um capítulo de cada vez, em vez de pensar "acabo de ler este livro depois de amanhã".
Uma vida tranquila para batimentos cardíacos mais tranquillos. Com sonhos (o direito ao sonho é o direito à vida e pumba! mais um cliché!), mas dos apaziguadores, dos profundos, dos realmente importantes. Viver em fase IV não-REM - calmamente, sem pressas, sem exigências irreais. Nada mais interessa se formos grandes na vida.
Creio que falar, hoje em dia, está absolutamente sobrevalorizado. Toda a gente tem uma opinião a dar, toda a gente tem sempre algo a dizer sobre alguma coisa, qualquer coisa, tudo. Algo a acrescentar mesmo quando tudo já foi dito antes por outras pessoas. O mundo não é uma coisa nova, já cá está há milhões de anos e, mesmo assim, quem vive nele e sobre ele, julga que pode mandar bitaites sobre tudo.
Falar, hoje em dia, está sobrevalorizado. Repito-o porque tenho a certeza disto.
"Já falaram?". Merda para esta pergunta. Que se foda esta pergunta. Quero lá saber. Eu não quero saber se já falámos, eu não preciso de falar porque eu já sei. Não preciso de ouvir aquilo que já sei e que já sei porque o mundo gira há muito mais tempo (mas mesmo muito mais) do que aquele que por cá ando. O que me acontece já aconteceu a outras pessoas antes, está a acontecer a muita gente agora e vai acontecer a muita gente depois de mim.
Falar está completamente sobrevalorizado. Para que preciso de ouvir outra vez o que já sei. Ou, pior, muito pior, para quê falar se me vão mentir? Ou então vão me baralhar porque se vão contradizer, vão usar palavras diferentes para encher chouriços de frases, parágrafos, discursos vazios que nada dizem, para quê ouvi-los mais uma vez? Para além do mais, tenho muito medo daquilo que poderia ouvir. A sério. Mais vale viver sem palavras, sem essas verdades absolutas que se dizem quando se abre a boca.
Há tanto para dizer sem palavras. Ouvir para além da voz, perceber-se num olhar, num abraço, num sorriso, no desespero de um telefonema. Nesse sentido, já ouvi tudo o que tenho de ouvir.
As pessoas andam demasiado taxativas: ou se fez ou não se fez, ou se disse ou não se disse, ou se quis ou se foi embora. Para quê?
Quem me pergunta se já falámos (a mesma porra repetida durante um ano inteiro, é que cansa, caramba!) nunca parou para pensar. Porque, se o fizesse, saberia - olharia para nós, aqueles que deviam falar - sem precisar que eu o dissesse. Toda a gente já o sabe. Eu já o sei.
Saber é completamente diferente de assumir. Como um cancro. A pessoa sabe que tem um cancro, sabe o que é um cancro - um monte de células estúpidas que, um dia, por não terem mais nada para fazer e por assim estar inscrito no seu código genético, desatam a multiplicar-se, sabe quem tem de fazer tratamentos (tirar cirurgicamente um cancro, radiação, químicos), sabe que, se não se tratar, ou se já for tarde demais, o cancro estará metastizado - esse monte de células estúpido decidiu emigrar e fixar-se noutros sítios do corpo. Sabe que pode ficar mal. Sabe que pode morrer. Sabe, mas não precisa necessariamente de o assumir. Nem essa pessoa nem quem a rodeia, contornando a situação com "vais ficar bem" ou "vai resultar".
Ao mesmo tempo, não assumir é diferente de estar em negação. Porque a negação implica estar dormente, a verdade rolar sobre nós como se alisasse alcatrão e não nos afectar. Negar não é fingir que não sabe. Negar é não só fingir que não sabe mas também fingir que está tudo óptimo, nunca se esteve melhor, ó para mim tão feliz. Não assumir é, simplesmente, ainda não ter desistido. É saber que há mais, muito mais, do que aquilo que falam.
Vejamos o que poderia acontecer se tivéssemos, como toda a gente quer, falado - vejamos a coisa de uma forma generalista. Eu ouviria o que queria ouvir, independentemente daquilo que tivesse ouvido, mas o que me seria dito seria também dito de forma a contornar um monte de perguntas. Perguntas que eu nunca faria porque estaria mais do que satisfeita com o que estaria a ouvir.
Por favor, párem de me perguntar se já falámos. Não falámos - falámos uma vez, e de que me serviu? - nem vamos falar.
Era criar uma coima para quem falasse quando não há nada para dizer. Era ver este mundo em silêncio. Como ia saber bem!
Learn to say the same thing What defeats people is a double confession. One time they will confess one thing, on the next they will confess something else. Talk to them, they will say: Learn to say the same thing Let us hope fast to saying the same thing.
Never give up, no never give up If you're looking for something easy then you might as well give it up.*
É tão relativo o que e quanto se quer. Uma moeda, um tecto, uns sapatos, um livro, uma viagem, um avião particular, uma ida à Lua.
Hoje, 16 de Outubro, é o Dia Mundial da Nutrição mas na Baixa parecia o Dia Mundial da Pobreza. Fico sempre triste e incomoda-me - não o pedido desesperado, mas saber que há pessoas em condições tão precárias, mas sou de uma hipocrisia atroz. Hipócrita, é como me sinto.
É só isso, é para mim um grande mistério. Aquela máquina, com um vidro através do qual se vê uma espécie de distribuidor, ou dispensador, as fotografias de esparguete à bolonhesa com péssimo aspecto, o fundo azul piscina, o slogan "Leve a sua refeição num minuto" ou "O seu jantar no Metro": é tudo para mim demasiado confuso e incógnito.
Gostava de escrever-te uma carta. Manuscrita, na caligrafia mais bonita que conseguisse fazer, em papel pardo, para pintar com aguarela umas flores nos cantos ou fazer um friso no cabeçalho.
Penso nisso - em como começaria essa carta (o coloquial "Olá, como estás?", o afectuoso "Querido indivíduo" ou o directo "Indivíduo" seguido de uma vírgula e de uma mudança de parágrafo e, aqui, substituir indivíduo pelo teu nome, cada letra desenhada com a caneta a forçar a folha, sem rasgar). Penso nisso e penso em como começar isto (seja lá o que isto for).
É bom conhecer-te - e é bom quando te dás a conhecer. Da mesma maneira, sabe bem ouvir as tuas confissões, os teus receios, as tuas dúvidas, as tuas crises de auto-estima, mesmo que não faças por mas contar: eu topo-as, eu leio em cada palavra tua a verdade por trás escondida. Conheço-te melhor do que toda a gente que julga conhecer-te. Sei que não tem sido fácil. Que a vida abandonou-te demasiadas vezes para que acredites nela - ou melhor, que a morte desatou demasiados laços e agora não te apetece encontrar novas fitas. Que, por vezes, olhas à volta e estás só tu, só, por tua culpa - e nesses dias, sentes-te a pior pessoa do mundo, tão nojento quanto uma barata (e, ainda assim, não sobreviverias a um ataque nuclear). Que tens medo de não estar à altura daquilo que te propões - e, provavelmente por isso, não te propões a nada.
Às vezes, nas pequenas coisas, regresso à infância, a uma era em que o mundo era uma ilha, uma praia, uma família e se estava tão bem assim.
Ali, mais nada era preciso: nem o amor por um outro, nem a superação cultural, nem a necessidade de valorização (própria e pelos outros), nem o sexo. Podia ser ingenuidade, por si só – não conhecer mais nada significava não querer mais nada e o mar limítrofe daquele rectângulo isolado ser suficiente para aquilo que se conhecia. Os carrinhos de choque no Natal, o fogo de artifício no fim do ano, os disfarces no Carnaval, as flores e os passeios ao Parque de Santa Catarina na Primavera, a praia, o mar e Ponta Delgada no Verão. Os primos que iam e vinham, cruzando o mar de avião para passar as férias, os tios afastados que vinham por longas temporadas, que eu nunca reconhecia como tais (e de quem, durante os anos de distância, acabava por me esquecer), as férias de quinze dias num país a nove horas de distância.
Nunca ninguém tentou esconder-me nada, muito pelo contrário: empurraram-me para a estante da minha mãe desde cedo e eu li. Li muito, de luz quase apagada, o corpo quase a fazer o pino, os braços a doer por estarem a agarrar o livro, li em todo o lado, a qualquer hora, e li de tudo. Escolhi ler muito livro horrível na vida (que eu própria arranjava, raramente eram da estante da minha mãe), e até gostava por contarem uma bela história de amor lamechas e piegas e estúpida, sobretudo estúpida. Tem graça pensar nisto assim porque, à distância, todos os livros que me custaram mais a ler quando era miúda (O Principezinho, Papalagui, Robinson Crusoé, os livros do Dickens, por exemplo), são os livros que agora me trazem uma saudade enorme e uma imensa vontade de redescobri-los. Por volta dos dez anos, ou lá o que foi, li A Tulipa Negra do Dumas e A Volta ao Mundo em 80 Dias do Júlio Verne e comecei a ler outros livros deles, e dizia, quase inocentemente – nunca se é inocente em nada, nem aos dez anos – que eram os meus escritores favoritos. E, a partir daí, reconheço-o, comecei a ler a sério, mais por vontade de ser uma melhor leitora do que pelo livro em si. Ou, por outra, lia mais pelo prazer de ler do que pela fruição do livro.
No fundo, sempre quis imaginar. Criar um mundo e outro dentro do meu mundo, criar uma ilha sobre a minha ilha. Conceber um espaço que fosse para além do mar que rodeava os quatro pontos cardeais. Ser mais do que um ilhéu em contínuo contentamento com o que estava diante dos seus olhos. Talvez por isso tenha crescido e me tornado tão complicada, tão preocupada com as minudências da vida que quase que não me consigo encantar com o que vejo.
Mas não, é provavelmente errado pensar isso de mim. Nada me faz mais feliz do que as pequenas coisas da vida, aquelas que me fazem regressar a essa infância. Essas pequenas coisas que vejo, todos os dias, e que me lembram sempre que sou eu mas, na essência, sou eu e o mundo inteiro dentro de mim, pronto a implodir e a precipitar em instantes.
Raramente me satisfaço com a satisfação e nunca consegui ser feliz no contentamento. Por isso tantas vezes escrevi que a minha felicidade é um momento, breve, frágil, perene - quanto mais o agarro, menos o possuo.
É como se nem todos os seres humanos tivessem vindo à Terra para serem felizes, e com isso lido eu muito bem.
No Outono lembro-me de apanhar sapos (pequenos como besouros) junto às fontes e aos bebedouros. O primo António, miúdo catita de ideias rápidas e sorriso expressivo, ficava sempre muito desiludido porque os tais anfíbios tinham um ar mais ternurento do que nojento e ele não conseguia assustar-nos com os bicharocos. Ainda assim, meninas como éramos, soltávamos gritinhos de excitação, enquanto chapinhávamos nas poças lodacentas para tentar apanhá-los.
E como pulavam, os estuporezinhos, olhando-nos de lado como a desafiar-nos.
Apanhávamo-los com copos, roubados à sucapa da cozinha, e acabávamos a caça - num sentido figurativo, pois obviamente soltávamos as pobres criaturas quando nos chamavam para o lanche, hora oficial para o fim das brincadeiras na fazenda - com as calças ou collants tornadas castanhas pelo menos até ao joelho e os bibes enlameados, os sapos em copos virados ao contrário, alinhados no muro que separava o casario da quinta ao lado
com terrenos a perder de vista e os telhados da casa grande entre a copa das árvores
e depois - como se ganhássemos asco repentino àquela pele lisa e húmida ou aos olhos esbugalhados dos sapos - jogávamos ao par ou ímpar para decidir quem soltava os sapos na levada.
Uma vez, em que estavam oito sapos à espera da liberdade, fiquei eu responsável por os soltar. Tudo correra bem até ao sétimo sapo, quando o último
e eu que estava com a cabeça distraída, com a cabeça no chocolate quente e no pão-de-ló que me esperava sobre a toalha aos quadrados da mesa da cozinha, e que, por cada sapo que soltava, pensava o quanto preferia estar a ouvir os gritos da mãe enquanto nos encontrava, a mim e aos meus irmãos, naquela figura, que todos os dias se repetia - como a gritaria, os castigos, os banhos antes de lanchar (quando a fome era mais que muita)
quando o último sapo, assustado, dá um salto pequeno e cai-me no pé e depois salta-me para a saia e para o bibe, e todos fugindo em crescente berreiro, os mais novos choravam - sem eu perceber bem se pelo sapo atarantado se pelo meu infortúnio - e as mães saíram, pensando que algum de nós já devia ter que ir ao hospital.
A minha mãe encontrou-me sem roupa, com os olhos dos primos postos em mim, apenas de cuecas, meias e botins, e o meu corpo esguio, com os mamilos que os miúdos nunca tinham visto antes, escorrendo água e o diabo do sapo saltando sobre o bibe.
Nunca dantes o percebera, só agora o percebi, porque é que nessa noite não lanchei com a família toda nem jantei nem fui mais apanhar sapos para o poço da fazenda. Um corpo de criança quer-se plano como uma folha de videira e o meu, nessa tarde, mostrava claramente que deixava de o ser.
Como disse a minha avó, quando lá foi a costureira dias depois "a gente nem dá por elas, mas quando vai ver estão feitas mulheres". Juro que pensei que ela estava a falar na minha prima que se ia casar.
Que eu gosto do Kanye West é uma fava contada, portanto é com alegria que recebo a notícia das vendas do Graduation terem sido maiores do que as do Curtis, álbum do gajo-que-foi-baleado-nove-vezes-e-sobreviveu. Polémicas (e necessidade de protagonismo) à parte, ambos têm mais em comum do que a cor da pele e a secção da loja de discos onde se encontram os seus álbuns.
Não consigo deixar de fazer-vos notar que "I'm tired of using technology, won't you come sit on top of me", versos de AYO Technology, um dos singles que 50 Cent lançou, e em que partilha o papel principal com o Justin Timberlake, e "I need you to hurry up now 'cause I can't wait much longer", do single Stronger, do Kanye, têm em comum a temática - autoritarismo e desejo sexual, mas partilham também oportunismo. 50 aproveitou-se do Justin Timberlake, cantor pop de quem tem sido permitido gostar e comprar disco (o que o deve, não só ao seu falsete, mas também a Timbaland - ó-ó, devo falar de oportunismo outra vez?). Kanye aproveitou a onda French Kiss, com os Justice a pôrem o nome Daft Punk na boca do mundo mesmo que estes nem tenham lançado nada de novo - ok, a ver se me faço compreender agora: os Daft Punk não precisam que ninguém fale neles, bastou-lhes fazerem discos memoráveis e terem um dos melhores vídeos de sempre (Around the World, do Gondry) para jamais serem olvidados, mas já os Justice precisam de ter um nome como os Daft Punk por trás para que alguém fale neles (hm, e um bom vídeo também). Stronger sampla a Harder, better, faster, stronger, num ano em que anda toda a gente com saudades dos Daft Punk, e segue, criteriosa e detalhadamente, a linha estética gaulesa da Ed Banger.
Nada de novo, portanto. O Graduation é um disco bom, apenas bom. O Curtis não ouvi, mas aposto que é pior.
Poderia começar: Imagino um filme em transe e por trás música trance, luzes, efeitos de luzes e fumos, o corpo descontrolado num corredor onde pessoas, homens e mulheres, mulheres e mulheres, homens e homens se beijam. Beijos molhados à la Shortbus, beijos com o corpo todo - as mãos, as víseceras, os pénis e clítoris, roupas que caem pelo chão, uma por uma, peça a peça, depressa.
Poucas expressões me irritam tanto como à la. Acabei de usá-la, bem sei. É um estrangeirismo incomodativo: ó sim, a crítica de estrangeirismos que passa metade da vida a falar em francês, inglês ou castelhano. Não posso criticar ninguém porque eu própria faço tudo aquilo que me irrita. E continuo a criticar, o que é surpreendente.
VOltando ao filme. Afinal não passa música trance, mas passa Von Südenfed na discoteca de paredes sujas. A rapariga que circula - um autêntico lugar-comum, numa má trip, aliás, numa péssima trip, a miúda de franja e cabelo castanho claro, cortado a direito nos ombros, o corpo ossudo e longilíneo - dá encontrões aos casais encostados à parede (alguns nem casais são, são grupos de três ou quatro pessoas, de afectos misturados). Falta-lhe nitidamente alguém - como se tivesse alimentado o corpo e faltasse alimentar o espírito. Um rapaz agarra-a, tem grande parte dos dentes podres mas uns olhos extremamente profundos e tenta beijá-la. Ela nem o vê nem o sente imediatamente, quando o faz, só a boca está ao alcance do olhar - os dentes negros, a halitose, os buracos pela falta de peças dentárias. Ela contrai-se num espasmo - primeiro pensa-se que é a dançar, como que a provocá-lo, depois não, é um espasmo emético, um vómito biliar, de dentro de si para o chão [agora ainda mais] imundo, para logo ser pisado por pés e espalhar-se pelo pavimento, em pegadas progressivamente mais finas, até se diluir com o visco que cobre a alcatifa.
Poderia começar assim, e continuar, com um olho nos últimos filmes que vi, e os dedos no últimos livros que li. Os ouvidos certamente presos às Tromatic Reflexxions, que me fazem pensar em sub-woofers e na necessidade imperiosa de ter, em Lisboa, um sistema de som decente, onde se oiça cada som, cada vibração, para que as paredes dancem, estalem e caiam objectos ao chão e toda a casa me persiga e, em vez de uma discoteca suja, onde há suor e droga a mais, por onde passeio o corpo e abano os membros - também eu longilínea e ossuda, embora sem franja e com o cabelo escadeado. A casa cada vez mais estreita contraindo-se em meu redor, para logo asfixiar-me em tinta branca e betão armado. A casa impecavelmente limpa, arrumada, numa organização sem par em qualquer outra área da minha vida - o resto é sempre o caos, com as ideias por arrumar, os amores por perceber, os laços por atar.
Os posts grandes onde alinho ideias que só fazem sentido agora - as ideias, boas ou más, só aparecem uma vez. Também é assim com tudo o resto: a vida é uma metáfora de si mesma; o simbolismo dos exemplos são sentidos práticos de factos acontecidos ou por acontecer. Uma má trip - ou um mau dia, se é que eles existem. Tromatic Reflexxions: faz-me sorrir, parece que hoje tudo encaixa, tudo se encadeia. Finalmente. Não há coisas más, nem acontecimentos maus nem más trips, nem nada. Há lugares traumáticos (lugares, num sentido lato, de tive este momento, estive ali, com tal pessoa, a fazer tal coisa) e lugares agradáveis, a que- nem que seja com a memória - queremos voltar.
Poderia acabar: ela deitou-se, ou caíu, e acabou por adormecer (ou ficar inconsciente). Foi um final feliz.
Este Verão andei completamente desligada do computador (uma benção, digo eu), mas sempre que vinha ver os mails tinha um mail da Topshop, porque estou inscrita na mailing list. A Topshop é uma cadeia de lojas inglesa, com lojas por muito lado excepto Portugal e com colecções do melhor que existe - roupas com carisma, distintas e cheias de estilo.
Como era a minha correspondente virtual mais assídua, acho que posso considerar a Topshop a minha melhor amiga virtual de Agosto de 2007. Entretanto, chegou a colecção da Kate Moss para o frio que se avizinha - honestamente, e pondo de parte o que ela usa no nariz, a Kate Moss é uma czar dos trapinhos.
Maybe the sun will shine today The clouds will blow away Maybe I won't feel so afraid I will try to understand either way
Maybe you still love me maybe you don't Either you will or you won't Maybe you just need some time alone I will try to understand Everything has its plan Either way I'm going to stay right for you
Maybe the sun will shine today The clouds will roll away Maybe I won't be so afraid I will understand Everything has its plan either way
Como é bom não ter palavras para descrever nada disto, nem a minha cabeça no teu colo, nem as tuas mãos no meu cabelo, nem os nossos beijos ou sorrisos sincronizados. Como é bom estar tranquilamente a ver isto acontecer-nos de novo.
Como diz o Jeff Tweedy, happenstances have changed my plans so many times e como é bom não ter sabido nem conseguido prever nada disto, como é bom, como é bom.
i will live in you or you will live in me until we disappear together in a dream (...) on and on and on we'll be together yeah on and on and on on and on and on we're going to try (...) you and i we'll stay together yeah you and i will try to make it better yeah
Às vezes penso seriamente se tenho caruncho na cabeça. Ando a mil, mesmo em férias, e o sistema não pára nunca de carburar, de apagar, de inserir - até me dá para fazer analogias com informática.
Falei dela aqui. E hoje, depois de um burguês passeio de veleiro, é esta canção que não me deixa em paz e o maldito verso "ooh are you the one i've been waiting for?", uma merda de pergunta que me tenho feito mil vezes de há uns tempos para cá, uma pergunta tão simples que imediatamente se complica quando custa ao questionado dar uma resposta como deve ser.
Às vezes penso seriamente que tenho caruncho na cabeça - mas o pior é que não estou sozinha, andamos todos cheios de caruncho. Que o nosso cérebro não se desfaça dos furos.
Naquele dia de que não me lembro de ter sido dia, o dia de noite eterna, o dia inerte, escuro, cinzento e frio, eu estava só. Consigo precisar onde andavam todos os outros e eu também, amolecida em tédio de viver no sofá, com a televisão desligada. O silêncio e a falta de luz e aquele instante exacto, nem antes nem depois, em que desejei morrer para nunca mais sentir uma dor tão grande como aquela, uma dor que não passava com analgésicos, uma dor que sangrava sem pingar o chão, só os meus sonhos por terra, um por um e depois todos juntos, troçando primeiro das minhas lágrimas, depois, à medida que iam secando, juntando-se nas cordas vocais, eu afónica, depois na traqueia, eu apneica, dispneica, e aquela dor que me batia e me empurrava. A dor cada vez maior e os olhos secos, e a dor de cabeça que me encostou a um canto do corredor, eu pequena, minúscula, ocupando um espaço de nada em casa, na cidade, na Terra, um grão de pó contra as paredes vazias, e a pancada que continuava e as gargalhadas que ouvia e eu, finalmente cansada, finalmente adormecida sobre o soalho, enrolada sobre mim mesma, gélida por dentro e por fora.
Apetece-me começar este post com um cliché gigantesco, daqueles clichés que por serem tão clichés irritam, começar, por exemplo, com a frase "a memória prega-nos partidas". A memória prega-nos partidas- a memória é tão conveniente - e eu não me lembro bem de como começou a minha quarta-feira em Sines. Sei que estive na praia, com uma ansiedade maior do que o normal por começarem nesse dia concertos no espaço épico e acolhedor que é o Castelo. Também sei que o Dário e a Joana chegaram neste dia, e a Tânia e o Jorge. Lembro-me ainda que jantámos na garagem que já não é uma garagem e tem cadeiras de design - e lembro-me que na garagem bebi vinho e já cheguei etérea (ou etanólica?) ao Castelo. E lembro-me que entrei com o meu passe catita (obrigada, Vítor) naquele espaço que, apesar de não ser - e ter-se provado insuficiente para a enchente de sábado -, pareceu-me, pelo menos naqueles dias, com um lar. Que bela imagem, o Castelo de Sines como o meu lar.
Há uma certeza: Trilok Gurtu, diziam-me, tinha sido dos melhores concertos do FMM de 2006 e voltou a sê-lo este ano. Sem qualquer espécie de dúvida. Acompanhado de excelentes músicos, mas sem nunca perder o protagonismo, é capaz de fazer música e gerar ritmo de qualquer coisa que faça barulho. Um indiano que parece ter crescido no meio de Bollywood e amadurecido num qualquer clube de Nova Orleães: é obra, não sei se exclusiva, mas pelo menos peculiar. Baldes de água e vassouras e logo uma dança, uma batida contagiante e uma felicidade imensa. Estrondoso concerto, daqueles para o top 5, porque foi realmente bom e porque eu sou uma curiosa e acho que a música deve nascer de qualquer som - até do simples bater das teclas do portátil da minha mãe.
[Ora pois que se até agora não estava verdadeiramente alcoolizada, apenas algo ébria e feliz, tenho que o confessar, depois do concerto de Trilok Gurtu já estava - e bem. Aqui a memória trai-me e é por culpa, não de esquemas subterfugidios freudianos, mas sim da cerveja Super Bock que escorria dos barris como se de um riacho se tratasse.]
Acho que não assisti ao início do concerto dos Bellowhead. Acho, pois. Se assisti, desculpem lá, mas não achei grande coisa: estava mais interessada em concluir que a Lua no sábado estaria a rebentar de tão cheia (e estava, de facto). O que é facto, e não há imperial que o contradiga, é que os Bellowhead foram-me conquistando e, lá para o meio do concerto, entre uma ou outra música dignas, e não o digo como elogio, de um espectáculo Eurovisão (comparação para a qual contribuía o visual à The Hives da quantidade enorme de músicos em palco, qual Broken Social Scene da world), eu era pulos e festa e abraços e alegria. Mais um concerto que veio confirmar a minha bem provável costela bretã e mais um concerto a figurar, surpreendentemente, entre aqueles que melhores - e reparem na ironia- recordações me deixaram. De forma puramente matemática, Bellowhead = festa pela certa. Não os percam, nem que seja através de vídeos no youtube.
Falou-se de alma há alguns posts atrás. Alma, essa entidade secreta que sentimos existir mas não o conseguimos provar a quem nunca a sentiu. A alma em Sines fervilha, bem como todas as partes que fazem de nós seres humanos, e foi a alma que foi tocada durante o concerto da Oumou Sangaré, essa voz do Mali que me pôs as emoções à flor da pele - quase literalmente: o coração que batia mais depressa, as lágrimas pelo rosto abaixo, mãos dadas, abraços e beijos, a descoberta de almas gémeas e afins. Coisas boas. Oumou é soul e é afrobeat e eu não creio que haja algo mais tocante do que juntar o toque da alma com o movimento do corpo, quando é feito deste modo tão sentimental, tão cheio de entrega. Merecia a lua mais cheia (e o copo também).
Eu devia agora falar da Oki Dub Ainu Band mas assumo a minha incompetência para o all the matters dub-related: a paciência esgotou-se ao fim de duas canções e fui descansar (ou beber mais? não me lembro) para o set do António Pires (um amor de senhor com ésse grande, quase meu pai musical no que à world diz respeito - o blog é obrigatório - e com quem partilhei o tecto, a sala de fumo, cervejas e copos de vinho a todas as horas possíveis do dia, ensaios de set e muita, muita conversa - um privilégio, só vos digo) e do Gonçalo Frota. Um mimo que me levou para a cama já o Sol tinha nascido há muito.
Se a memória não me trai, foi neste dia que percebi que Sines não é só amor; Sines é o Amor a acontecer. Se a memória não me trai, pensei "como prometem os dias seguintes no Castelo e Avenida da Praia!" (ok, não pensei por estas palavras, mas vocês percebem-me.)
Continua.
P.S. Por falar em António, não percam as Gamíadas, esse poema épico sobre um grupo de 20 tresloucados amigos, eternamente apaixonados por música, que atracaram no Porto de Sines para pertencer à festa da música mais bonita do país: aqui, os primeiros actos, acoli o segundo, e infelizmente último, acto da saga.
Sines não são só concertos e praia, aliás, falar de Sines e só referir os concertos e a praia é como deixar a missa a metade. Sines é também aquele grupo de pessoas com quem partilhámos os roncos, os copos de cerveja - e consequente as bebedeiras -, as saladas de pimentos, os mergulhos no mar gelado, as danças e as coreografias, os jogos de matrecos, os coros e as palmas, as gargalhadas, os bons dias, os fanatismos, o polvo e os búzios, as listas de melhores e piores concertos, os croissants mistos tostados nos Galegos, os metros quadrados de areia.
A Petra, por exemplo, faz uma feijoada vegetariana que é de chorar por mais (para além das suas outras qualidades que noutra ocasião poderei realçar). Foi para bem saborear a sua feijoada que por pouco não perdemos o concerto da Lula Pena - ouvimos três canções. E que bonitas que eram! Continua a fazer a sua fusão de poesia cantada com canção falada, viajando entre o fado, a cantautoria, a bossanova, com pitadas de tudo aquilo que absorve e vai vivendo. Ouvimo-la cantar - e ela respira Lisboa - juntar versos de Culture Club a um fado triste sobre uma rosa que sou eu, sem tirar nem pôr. Mexeu tanto comigo que fumei três cigarros antes do concerto seguinte.
E que concerto,o seguinte! Jackie Mollard Acoustic Quartet numa lição de uma hora e picos sobre como transmitir emoções - um largo espectro delas - em instrumentais felizes. Um violino como deve ser - um fiddler, não on the roof mas sobre o palco em constante jogo de improviso estimulando quem o segue, acompanhado por uma contrabaixista, um saxofonista e um acordeonista diatónico - os tais seguidores. Música bretã invocando campos verdes de melancolia. E o privilégio do segundo encore no bar da SMURSS, uma jam session que só existe em Sines porque há lá vontade de ouvir e deleitar-se com música e com cultura. Foi um dos melhores concertos do Festival.
(No bar da SMURSS - sigla para, salvo erro, Sociedade Musical União Recreativa e Social Sineense, acabaram as duas noites de concertos no Centro de Artes: jogos de matrecos, vinho a rodos para aquecer e sempre, sempre, óptimas conversas e boa música.)
[Prólogo: Não sou nenhuma croma da world - já vos disse que não sou nenhuma croma de nada? - mas é nas canções que vêm da alma que me movimento bem, em termos de música. Pois na world há muitas canções que vêm da alma de quem as faz e do povo que as fez nascer e que mexem com a alma de quem as ouve. É por aí que devem ler os apontamentos sobre os concertos do FMM que conto ir postando por aqui durantes estes dias de ressaca pós-Sines.]
Marcel Kanche faz canções românticas e é francês, por isso se calhar poder-se-ia catalogar a música que faz como chanson française. Só quando ouvi a cover do Leonard Cohen durante o concerto no Centro de Artes é que percebi o que é que ele era na verdade: um Cohen francês, com as mesmas angústias nas letras, na voz, no passo dolente da banda que o acompanha.
As gémeas Gómez são as Ttukunak. Atraentes e amorosas, tocam um instrumento basco que só pode ser tocado por duas pessoas em simultâneo: a txalaparta, uma espécie de xilofone em ponto gigante, em pedra, ferro e madeira, tocado por baquetas também em madeira que mais parecem pilões de almofariz. Não há segredos ali, as combinações instrumentais são feitas em improviso e em comunhão uma gémea com a outra e a comunicação faz-se por olhares e pelo ritmo que uma à outra e o público às duas vai impondo.
Há um ano que esperava, planeava, ansiava por Sines. Foi há um ano que lá fui, num assomo de irresponsabilidade misturado com vontade de ouvir o Toumani Diabaté e bem temperado com uma paixoneta que por lá andava e foi há um ano que, no regresso, jurei a mim mesma estar todos os dias do festival este ano.
Fiquei de férias na sexta-feira passada, dia 20. O festival começou neste dia, em Porto Côvo, mas eu ainda não estava lá. Apenas dia 23 me pus a caminho, no carro do Bruno e, diga-se, até então me sentia tão em férias como uma formiga a recolher mantimentos. Nada de férias, portanto.
Quando chegámos, depois de uma série de coisas triviais e com pouca importância (se bem que a salinha da casa da dona Fernanda, onde ficaram alguns de nós, mereça um especial destaque por tão antiquada e kitsch que era), fomos logo para a praia e só aí, só ao pisar a areia da praia de Sines, me senti verdadeiramente de férias.
E foi assim que começou umas das melhores semanas da minha vida, na praia a beber um UCAL enquanto todos bebiam cerveja, a ouvir aquele que terminaria, vários dias depois, o set dos Bailarico Sofisticado no encerramento do festival - o Bob Marley, junto a várias pessoas - uns que chamava amigos, outros com quem me tinha cruzado uma ou duas vezes, outros ainda que até então eram nem uma coisa nem outra, nem peixe nem carne.
Está uma carrinha daquelas Volkswagen pão de forma parada em frente ao portão da casa. Não há nada de poético nisto, é apenas uma velha carroça cuja pintura está desbotada pelo sol, apesar de estar agora na moda fazer road-trips dentro de uma coisa destas, e a casa é feia, tem um friso de azulejos castanhos, a tinta dos tapa-sóis está a descascar-se, o jardim está descuidado - as plantas que deveriam viver morrem e as intrusas e penetras sobrevivem e invadem os caminhos curtos de calçada.
Não há, portanto, nada de poético nisto. É apenas mais uma casa feia, mais um jardim desarranjado, mais um carro a cair de podre.
Está um calor de amolecer ossos. Não há uma singela brisa que sopre e quebre a moleza deste calor - há, isso sim, insectos que se deixam ficar no ar, também eles com preguiça de voar, mexendo as asas com a calma de quem não tem nada para fazer. Dentro da casa está quase tanto calor quanto lá fora, é um calor horrível, que ultrapassa a dor ou a euforia.
Sente-se, aliás, como um cheiro nauseabundo, um vazio emocional muito grande - como se o calor impedisse que se sentisse ou, simplesmente, se sobrepusesse a qualquer sentimento possível.
É neste estado apoplético que partimos dentro da velha carrinha, agradavelmente surpreendidos pela corrente de ar que entra pelas janelas da pão de forma quando a pomos em movimento.
Justice, os representantes máximos do movimento French Kiss, herdeiros dos Daft Punk, que remisturam tudo o que vibra - e sinceramente gosto mais deles a remisturar do que a gravar canções em nome próprio.
Justin, se estiveres a ouvir-me, para que continuemos a gostar muito de ti, é assim que deverá soar o teu próximo álbum.
(O pior destas remixes é que invariavelmente são coisas que funcionariam muito bem à noite, num bar qualquer, sendo que a probabilidade em Portugal de um iluminado dj a passar é quase zero. Uma pena.)
P.S. Este post é um presente para o meu amigo A.C., que faz anos hoje, é um dj iluminado nas poucas vagas horas que tem e foi quem, há mais ou menos um ano, incitou-me a escrever pela primeira vez sobre música - o que, mais tarde, se veio a revelar um vício. O texto foi sobre as Cansei de Ser Sexy, quando, note-se a meu favor, ainda não havia muita gente a falar delas, e está aqui.
Há que dizê-lo com franqueza: a ideia destas versões é criativa, divertida, quase insolente. Agarrar num punhado de canções ligeiras, abrilhantá-las com purpurinas (ao escrever esta palavra lembrei-me daquela odiável publicidade das "purpurinas? Vou já contar à Rita!"), trompetes e clarinetes e fazer de todas elas danças de salão animadas. A ideia podia de facto ser só criativa, divertida, quase insolente, citando-me, o que já seria imenso, mas aqui é que a porca torce o rabo - ou, como eu e os arrumadores de carros gostamos de dizer, destroce-o.
Mark Ronson não ficou só pelo nível da ideia genial, também a concretizou em grande estilo. Vejamos.
A faixa nº 3 deste disco começa com o seguinte verso
Stop me oh-oh-oh stop me Stop me if you think that you've heard this one before,
o que é bastante irónico, tendo em conta que se trata de um disco de versões.
A verdade é que não apetece parar o Ronson nem o senhor Daniel Merriweather, que empresta a voz a esta versão. Primeiro, pela audácia e a cara de pau de se fazer uma versão soul de uma canção da maior banda de sempre. Segundo, porque a versão é, juro-vos, muito boa. Terceiro, porque a Stop me (dos The Smiths, para os silly you desatentos) é uma boa canção até se cantada em bielorrussso pelo ventríloquo que faz a voz do pato Donaltim, com percussão - castanholas, daquelas de rancho folclórico - pela Fátima Lopes e nas cordas - dos sapatos - o Nuno Eiró (arre, que pandilha assustadora!).
Não, o tal Daniel não tem a densidade vocal do Morrissey, portanto também não manifesta a mesma desilusão que o Morrissey, aquele tédio urbano-depressivo que é pensar "olha, se já ouviste esta antes manda-me calar". É que nada mudou, eu ainda te amo, apenas um pouco menos que o habitual, meu amor, e cada palavra que nos remexe visceralmente no original ainda está aqui e ainda causa cólicas.
Não, não está aqui o Johnny Marr, mas estão violinos felizes, que dão asas a uma batida energética, que entra para as estrofes, tal como entra a banda toda no original. Na Stop me de 2007 não se está tão triste quanto se está quando se ouve a Stop me dos anos 80 e, em vez da sala do melhor amigo, onde se fumam charros e se choram lágrimas de desgosto amoroso - ou de moca? nunca se saberá -, está-se numa sala revestida a veludo, onde lustres brilhantes se suspendem do tecto e toda a banda toca para a plateia mais heterógenea que existe. E todos batem o pézinho.
Não, não foi cometido nenhum pecado mortal: o Morrissey poderá mesmo gabar-se e assumir, um dia, talvez, quem sabe?, "escrevi a Stop me a pensar no safado do Ronson, sou mesmo genial, não sou?". És e esta versão, em que não cantas nem nada, é a prova viva disso. E eu, tal como tu, nunca nunca menti.
Os The Zutons não devem ser a banda mais conhecida do cimo da Terra, nem tão pouco qualquer coisa que se aproxime disso. Alguns ouvidos atentos à MTV:2 já devem ter dado conta da existência pouco notória - e muito menos, notável - de tal banda. (Confesso que têm singles engraçaditos e que nunca ouvi o disco todo, mas adiante.) Sendo assim, não creio que a Valerie seja uma canção conhecida como são a Stop me dos Smiths, a Oh my god dos Kaiser Chiefs (para a qual o Ronson convidou l'enfant terrible mais vraiment adorable Lily Allen), a Just dos Radiohead (versão que se limita a ser curiosa). A Valerie, original dos Zutons, é, no entanto, a melhor canção deste disco. De seguida, a resposta que todos procuram: porquê?
Primeiro, porque tem a Amy Winehouse. E a Amy Winehouse é, simplesmente, a cantora, a voz, a celebridade, a anglófona, a eu-tinha-curvas-e-era-boa-agora-sou-anoréctica-e-feia, a bêbeda, a escandalosa, a tudo o que vocês pensarem!, do momento. No início do outro texto disse que as canções que mais rendem no Back to Black foram produzidas pelo Mark Ronson, mas não quis tirar crédito ao resto do trabalho. A Amy é a fusão de dois conceitos que tendem a beijar-se na testa nos últimos tempos: o eclectismo da música retro (massa de que o disco Versions é feito, como terão notado ao longo desta prosa aborrecida) e um ritmo que vem do hip-hop, do funk, é novo e é bom. A sua voz possui uma cadência e um alcance de que Amy nunca abusa - e faz ela muito bem. Representa, como a Beth Ditto dos Gossip, o girl power que tendencialmente surge na música: esta necessidade de manifestar a independência, a emancipação, a força de uma mulher, sem ser exageradamente feminista. Amy é amor.
Segundo, porque a bateria é-me familiar de não sei quê (na versão ao vivo não se nota, mas na gravada lembra-me os Strokes, provavelmente porque os Zutons são uma daquelas bandas pós-Strokes que parecem reminiscentes dos Strokes, os quais por sua vez são reminiscentes dos The Cars.)
Terceiro, porque é uma canção leve e despretensiosa mas rica, como uma salada de Verão. Está lá tudo na mais perfeita das harmonias: a tal da Amy, a tal da bateria, o tal do ritmo que vem sendo regra e uma orquestra com a boca no trompete.
Quarto, porque é obrigatório dar algum crédito aos Zutons: a letra é bonita, fica no ouvido, diz "won't you come on over, stop making a fool out of me, why don't you come on over, Valerie?" e, [demasiado] pessoalmente, deu azo a mensagens de telemóvel bonitas nos últimos tempos.
Quinto, porque é quentinha como um raio de sol e revigorante como um mergulho no mar e/ ou uma caipirinha. Não se quer mais nada do Verão senão isso, não é?
(É preocupantemente difícil encontrar um vídeo da Valerie cantada pela Amy quando sóbria. Não estou a brincar.)
Já é tarde nesta madrugada de sábado. A minha vida está mais próxima de mim do que nunca e chegou provavelmente a hora de agarrá-la com as duas mãos, com os dentes, talvez enlaçá-la com as pernas para ter a certeza que desta vez não a deixo escapar.
Tudo isto é um eterno lugar-comum, mas a única responsável sou eu. Afastei-me das emoções propositadamente, qual Brecht, deixei-me de me envolver, de sentir, de me afectar, no fundo: como se eu vivesse como mera espectadora da vida que estava a viver.
Aliás, assim o era: manter as devidas cordialidades, sem se revelar nem expôr - e demonstrar-se sentimentalmente indiferente a tudo aquilo que observava, eu própria fui guiada através do tabuleiro do jogo
a jogar snakes and ladders, imprevisivelmente subindo e descendo
de olhos fechados, desconfiando de cada face do dado que ditava o meu destino - uma escada? uma serpente?
A adinamia que me impedia de tomar as rédeas desapareceu e a bolha rebentou: estou eu aqui, desprotegida, finalmente.
Decidi actualizar o meu blogue enquanto ouvia, pela primeira vez, o álbum de versões do Mark Ronson. Para quem não sabe, o Mark Ronson é responsável pelas melhores faixas (quase todas, diga-se) do álbum maravilhoso da Amy Winehouse, Back to Black, e fez um disco só com versões soul, funk and groove de canções que, aparentemente, nada ou pouco têm a ver com esse universo. Como é a primeira vez que o oiço na íntegra (confesso que já ouvi faixas aqui e acolá e isto tem versões adoráveis de canções inesperadas - ultimamente tudo é adorável para mim, é o meu novo adjectivo favorito), não faço a mais pálida ideia do que poderá vir a sair deste post, o que não é necessariamente mau.
O disco começa com uma versão da God put a smile upon your face dos Coldplay, numa versão que não faria remexer na cova nenhum falecido da Motown. É um instrumental com uns tais de The Daptones Horns (não devem ser os Daptone Kings que acompanham a Sharon Jones, logo a pesquisa que faria pelo google sobre os senhores também vocês a podem fazer, MOVE YOUR LAZY ASSES!). Ora, começando pelo princípio: sim, Deus pôs um sorriso na tua cara. E na minha. Se bem me lembro - já vos disse que esta versão é um instrumental absolutamente groovy mas sem vocais, logo sem letra - esta canção, do segundo álbum dos Coldplay, dizia "oh when you work it out I'm worse than you" e "god gave me style and gave me grace, god put a smile upon my face". Em relação aos Coldplay, eu gosto deles - geralmente confessava isto em surdina e digo para guardarem o segredo a sete chaves, mas isso era uma mania parva. Ultimamente, tão recentemente quanto o meu uso da palavra adorável, quero lá saber de julgamentos acerca do meu gosto musical. Que'lá saber. A quem fizer comichão, coce-se, use Fenistil, ponha unguentos - é para o lado que eu durmo melhor (já agora, é o esquerdo). (Entretanto já ouvi sete vezes a canção, cinco das quais levantei-me para ir dançar para cima da cama, qual palco improvisado). Mas é por ser-me completamente cagativo que hoje vou escrever aqui que gosto de uma canção do mais lamechas-RFM-só-grandes-músicas possível. É de um moço de seu nome James Morrison e chama-se "You give me something" e, em princípio, toda a gente conhece porque até já esteve nos ecrãs das estações de metro. A canção diz qualquer coisa como "this could be something, so I might just give it a try", o que, em linhas simples, resume a minha vida nos últimos tempos - e deve ser por aí que gosto tanto do diabo da faixa. Em relação aos Coldplay, o primeiro álbum, Parachutes, é simplesmente óptimo e depois foram por aí abaixo em linha descendente. Não que X&Y seja um péssimo disco, que não é, até porque tem a Talk, cuja guitarrada foi inspirada numa faixa dos Kraftwerk, e a Fix you (*weeps* "Lights will guide you home (...) I will try...[pausa] to fix you" - se esta frase não se adequa a nenhum momento da vossa vida, meu Deus, façam um favor a vocês mesmos e apaixonem-se.). Para além disto, eu casava-me com o baixista Guy Berryman (meninas, google him para saberem de que estou eu a falar) , os Coldplay dão excelentes concertos e o Chris Martin é um frontman imparável.
Quem também é um frontman imparável - homem da frente, em português - é o Paul Smith dos Maximo Park. Tive oportunidade de vê-los pela segunda vez no Super Bock Super Rock e, longe de terem dado o melhor concerto do festival, dão um concerto energético, viciante, muito don't stop me now 'cause I'm having such a good time. A Apply some pressure está no disco do Mark Ronson, cantada pelo próprio Paul Smith: o ritmo manteve-se, adicionando-se uma secção de sopros onde antes estava uma guitarrada. Razoável.
Versão fraca, fraca é a LSF dos Kasabian, banda que, sinceramente, nunca levei muito a sério ( e ainda menos depois de vê-los ao vivo, no Sudoeste, curiosamente no mesmo dia que vi Maximo Park). A LSF aparece aqui cantada pelo vocalista dos Kasabian (não sei o nome, nem quero saber, só não tenho raiva de quem sabe). Está fraquíssima como versão (como canção já o era, apesar daquele início oto-viciante do "come on in, get on in" ou assim, o que provavelmente não ajuda). Mas o Mark Ronson também fez alguns milagres.
Dentro desses milagres está a Toxic da Britney Spears, cantada, neste disco, por um homem, com partes de rap, por outro homem, que não correspondem ao original. Pela vossa saúde vos digo, está óptima. Sou suspeita porque nunca odiei a Britney com todas as minhas forças e sempre achei esta Toxic muuuuito sexy:
With a taste of your lips I’m on a ride You're toxic I'm slipping under With a taste of a poison paradise I’m addicted to you Don’t you know that you’re toxic And I love what you do Don’t you know that you’re toxic.
Mesmo assim, esta versão dá dez a zero ao original: uma voz quase dorida pela toxicidade desse veneno que é um homem/ mulher viciante (raios.). O trompete no lugar certo, no momento certo, quando no original isto era um efeito digital qualquer. E há "uh-uuuh" por trás, exacerbando a dor que é este vício (raios. vezes dois). O pior desta versão é o seu efeito prático, porque em vez de fazer-nos afastar da languidez dos beijos envenenados faz-nos desejá-los ainda mais ardentemente (raios. vezes três). Óptima.
Há dias remexi nas definições de cookies do meu browser (sim, eu sou old school e uso o velhinho e impraticável Internet Explorer) e isso tornou o login no Blogger impossível.
Escrita que está a justificação para esta demasiado longa ausência na frase com mais anglicismos da história deste blogue, peço-vos desculpa. Desta vez não foi nem por estar farta, nem por estar desinspirada (antes pelo contrário, estava cheia de ideias que, estupidamente, nunca cheguei a anotar), tão pouco por estar ocupada com outros afazeres. O Desumanos continua, já a seguir.
You say you don't know what love means anymore Since I found you I'm tearing down the walls without you I'm getting lost in all the plans that I heard you make About the older times About the greater times Oh I don't know, I don't know anyway (...) We're floating in the sky And if you think that we are older now It's just our heads are butterflies Oh are you the one that I've been waiting for?
Electrelane :: Greater times :: No shouts no calls
O Kanye West ia servir de inspiração ao segundo post desta série "A arte do sample", custasse aquilo que custasse. Mestre, como de resto todos os bons produtores de hip-hop (os nomes J. Dilla ou Madlib saltam-me à frente da vista), em ir buscar recortes da por-estes-lados-tão-amada soul antiga, fazendo renascer a canção norte-americana, o moço Kanye tem canções novas. Se Ray Charles, Aretha Franklin, Shirley Bassey, Bette Middler ou Luther Vandross transportam-nos para o College Dropout e para o Late Registration, nas duas canções novas que ouvi as referências são completamente díspares.
Ora vejam (os nomes das canções do Kanye não estão numa cor diferente para ficar bonito, contêm links para serem ouvidas numa nova página):
Peter, Bjorn and John :: Young Folks[Quem não assobiou isto o ano passado que atire a primeira pedra. Ou ponha o braço no ar, que sempre é menos doloroso.]
É regra de cortesia e boa educação não deixar princesas à espera.
O princípe não conhece regras de boa educação? É que, ao chamar-me princesa, está a conferir-me direitos, que, naturalmente, reclamarei quando não vir serem respeitados.
Uma princesa a sério, como eu, não pode esperar tanto tempo: tenho viagens de abóbora marcadas, sapatos por perder em grandes escadarias, maçãs venenosas para morder, fusos para picar o dedo.
Por agora perdoo-o, mas não me deixe à espera mais tempo, despache-se que eu tenho coisas para fazer e preciso de saber se é o princípe quem me vai dar irrepetidamente o beijo que me trará do sono da morte.
E no baile dançaremos a From Brighton Beach to Santa Monica dos Clientele e cantaremos no ouvido um do outro "Autumn's coming in the air, autumn's coming for you."
Segurou entre os dedos a fita de cetim que usava à cintura, de um azul tranquilo. A outra mão, primeiro pousada na mesa, ergueu depois a tesoura que repousava ao seu lado. Aos poucos soltou o laço e puxou as pontas, e delas fez retalhos como pedaços de céu, que caíram no chão, elevando-se a cada corrente de ar.
Facto 1. Tenho o rádio-despertador sintonizado na Radar, por isso todas as manhãs acordo com a voz e as escolhas musicais da Inês Menezes.
Facto 1, alínea a. Note-se que eu preciso de uma fanfarra para despertar como deve ser.
Facto 2. Escusado será dizer que oiço também a Radar no carro - e a Oxigénio.
Facto 3. Escusado será ainda dizer que sei a programação das duas estações de cor e salteado e chamo os locutores e o pessoal dos noticiários pelos nomes, como se os conhecesse há muito.
Facto 4. Há um espaço na Radar chamado Grafonola, em que um artista (na maior parte das vezes relacionado com música), nacional ou internacional, escolhe a música que mais tem ouvido ou a preferida de todos os tempos ou a que lhe der na cabeça. Essa música passa depois de uma breve introdução feita pelo artista que a escolheu.
Facto 5. Hoje foi dia dos Low escolherem - e escolheram muito bem.
Facto 6. Hoje, pouco depois das 8 e 10, eu estava ainda de olhos fechados e ensonada, e tive o melhor despertar/ acordar de sempre - e não, não foi com passarinhos nem com beijinhos na cara nem com o pequeno almoço na cama. Foi com a escolha dos Low.
Facto 7. Já chega de factos, vamos ao bom gosto dos Low (e a uma canção do Mirrored, um disco de 2007 de que gosto cada vez mais):
Battles :: Atlas
(Atenção ao vídeo, que é cataclísmico de tão bom.)
Edit: o vídeo está incompleto, porque a canção tem 7 minutos e 7 segundos - 7, um dos números da perfeição, portanto fica a gravação do concerto no Primavera - diz quem lá esteve que foi um dos melhores concertos. Imagino.
Disse-me o Pedro que eu costumo reparar em homens que têm ar de quem está sempre pronto a viajar de mochila às costas. Achei-lhe graça e, em retrospectiva, é verdade, são esses que me chamam à atenção. Depois falámos em narizes compridos e rectilíneos, muito italianos. Em peles brancas, que escaldam - e bronzeiam pouco - ao sol. Em lábios finos, abertos num sorriso que ocupa todo o rosto. Em famílias grandes, com histórias complexas; em casas grandes, na terra dos avós, onde se mexe na terra e se dá milho a galinhas.
És provavelmente a antítese de tudo isto; perdoa-me por confessar que só reparei em ti porque me beijaste.
Ultimamente anda tudo a falar de techno. Não sei porquê - nem percebo o suficiente para apontar teorias - mas a verdade é que na mailing list da FLUR , entre os três discos mais vendidos, contavam-se dois de techno (Pantha du Prince e The Field) - sendo o outro de remisturas do Lindstrom.
(Não que uma mailing list seja reflexo de seja o que for, muito menos de uma nova moda - para não usar a palavra hype -, mas é uma boa forma de ver como, numa loja com uma oferta tão variada e com uma clientela eclética e de gosto sofisticado, anda tudo a comprar discos de techno. A própria Pitchfork já vai falando, aqui e ali, de techno - e é uma webzine indie.)
Eu própria torcia o nariz ao techno. Achava que era aquilo que o meu primo que mora comigo ouvia - e fazia a minha casa se tornar uma loja em franchise da Bershka, em que ninguém se entendia, se ouvia ou se fazia perceber. Ainda hoje não sei bem o aquilo que ele ouve é techno, porque continuo sem conseguir perceber qual é o gozo daquilo, que nem me lembra música.
A verdade é que, pelos vistos, eu gosto de techno. Não que ande aí doida à caça de novidades, mas a pessoa que é pessoa tem informadores e olheiros - e não é que detudo aquilo que me mostram, eu vou, mais ou menos dependendo do caso, gostando? Pior, viciei-me numa música do Pantha du Prince e todos os dias venho ao myspace dele ouvir a Saturn Strobe.
Eu gostei muito do disco do Matthew Dear e do que ouvi de The Field. Eu não percebo mesmo nada disto, mas devo dizer que foi uma surpresa haver canções - com estrutura para tal - na música techno. Sempre a aprender: no fundo, a palavra techno deixou de me assustar.
Apetece-me escrever qualquer coisa mas única coisa que neste momento me está a sair bem é este meu talento natural para carregar na tecla space. Assim sendo:
Deixo-vos um vídeo, para não acharem que visitar-me foi tempo totalmente perdido: